O preço de uma ação listada na Bolsa de Valores reflete as informações disponíveis e existem regras para que sejam acessíveis a qualquer investidor, desde grandes gestores até acionistas minoritários, simultaneamente. Entretanto, nem sempre essa regra, que busca trazer uma assimetria das informações disponíveis – ou seja, ninguém saber mais antes e se beneficiar com isso – é respeitada. Quando há “informações privilegiadas”, isso pode ser configurado como crime de insider trading.

Como isso pode causar lucro ou prejuízo a investidores, existem regras específicas para coibir essa prática, além de previsões legais e penalizações para evitar que isso aconteça. Entenda os detalhes sobre o insider trading no Guia do InfoMoney. Siga a leitura e entenda tudo sobre o assunto!

O que é Insider trading?

A tradução literal do termo em inglês é “Informação Privilegiada”. É quando alguém tem conhecimento prévio de dados relevantes sobre determinado valor mobiliário que possa, de alguma forma, impactar a decisão do investidor de comprar, ou do detentor de vender ou manter determinado papel, ou que venha a influenciar o comportamento do preço do título no mercado de capitais.

E, com isso, se aproveitar desse privilégio para obter lucro ou vantagem, para ele próprio ou para outra pessoa ou grupo de pessoas em operações no mercado de ações. Aproveitando-se da informação, portanto, garante ampla vantagem indevida sobre quem ainda não dispõe de tal conhecimento sobre determinado fato relevante sobre o ativo financeiro.

Como acontece o Insider trading?

O acesso a esse tipo de informação privilegiada geralmente é de quem está direta ou indiretamente envolvido com a companhia aberta emissora do papel. Acionistas controladores, presidentes, diretores, membros do conselho, funcionários com acesso a dados relevantes, entre outros, ficam sabendo de muita informação que pode resultar em oscilações no mercado.

Essas informações, se vazadas, podem comprometer o equilíbrio de condições entre os participantes do mercado. Também pode ocorrer vazamento de informações em ambientes fora das companhias, por meio de profissionais ou empresas terceirizados com acesso a todo ou a parte do conteúdo sensível do cliente.

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Situações que envolvam, por exemplo, abertura ou aumento de capital, novas emissões, planos de investimentos ou desinvestimentos, fusões e aquisições, resultados com lucro ou prejuízo, troca de comando, descoberta de novas tecnologias, riscos de mercado, segredos de justiça, entre outros dados estratégicos, devem chegar ao mercado simultaneamente, de forma clara e transparente para todos, por meio de Fato Relevante, ou comunicado ao mercado.

Essa é uma obrigação de diretores e administradores de companhias abertas, definida pela Lei 6.404/76 (conhecida por Lei das SAs). Isso acontece, sobretudo, quando o fato tenha capacidade de influir na movimentação do mercado para cima ou para baixo, valorizando ou desvalorizando determinado papel.

Obrigadas por lei e pelas regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as companhias abertas têm a obrigação de tornar público todo e qualquer acontecimento que possa resultar em algum impacto – desde o mínimo que seja no mercado.

Os casos de Insider trading ocorrem justamente no intervalo entre a ocorrência do fato e sua divulgação por meio de publicação de Fato Relevante, pelo qual a companhia aberta torna pública toda informação relevante para seus acionistas e investidores.

Insider trading é crime?

Informação é poder! Mas no mercado de ações também pode ser crime. Quem tiver informação obtida de forma privilegiada e usá-la para auferir lucro, antes de torná-la pública para todo o mercado, estará agindo contra a lei, a mesma que criou a CVM e regulamentou o mercado de valores mobiliários no Brasil.

Estamos falando do artigo 27-D, da Lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que é claro nesse aspecto. Define Insider trading como “a utilização de informação relevante ainda não divulgada ao mercado, da qual determinada pessoa tenha conhecimento e deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação,  em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários”.

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O crime é tipificado ainda pelo artigo 155 da Lei 6.404/76 (Lei das SAs) e pelo artigo 13 da Instrução 358/2002, da CVM.

Qual é a punição e quem investiga?

Quem se beneficia ou garante vantagem a um terceiro mediante divulgação de informação relevante antes de disponibilizá-la ao mercado está cometendo um crime, de acordo com a Lei 6.385/76. Como consequência da prática de Insider trading, a pessoa pode pegar de um até cinco anos de cadeia.

Além disso, quem comete essa prática ilegal está sujeito a multa de até três vezes o valor do lucro obtido de forma ilícita, mediante o uso criminoso de informação privilegiada. Mas vale lembrar que a criminalização da prática só foi possível a partir de outubro de 2001, por meio da lei 10.303, que modificou artigos da lei 6.385/76.

Na esfera da regulação do mercado de valores mobiliários, cabe à CVM a fiscalização permanente do acesso público a informações sobre os valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido. Cabe à autarquia fiscalizar e investigar casos de Insider trading, por meio de inquéritos conduzidos pela Superintendência de Processos Sancionadores (SPs) e impor penalidades aos infratores das leis 6.404/76 e 6.385/76.

Mas o crime também tem reflexos no âmbito penal e gera ação pelo Ministério Público Federal (MPF) e inquérito e investigação da Polícia Federal. Acordo de cooperação entre a CVM , MPF e a PF garante o envio ao MP e à polícia de quaisquer elementos de suspeitas de operações com utilização indevida de informações privilegiadas.

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A PF, mediante autorização judicial, tem poderes para fazer operações de busca e apreensão de provas da prática do crime contra o mercado de capitais, e até mesmo prisões de suspeitos do ilícito.

Qual a diferença entre Insider trading e front running

O primeiro tem origem, normalmente, dentro da companhia emissora do ativo mobiliário. Como explicamos acima, o aproveitamento antecipado do conhecimento prévio de algo que tenha reflexo no comportamento do papel no mercado é crime de Insider trading.

Os casos de front running, ao contrário, ocorrem fora da companhia, geralmente, por agentes do mercado com capacidade de influenciar investidores ou que tenham conhecimento prévio de movimentos relevantes de seus clientes. Quando usam esses dados para sair na frente, tomando posições que os privilegiem, estão, igualmente, cometendo crimes.

Mas, basicamente, a matéria-prima de ambos os ilícitos é a informação vantajosa em relação aos outros atores do mercado. Por exemplo, no primeiro caso, se um administrador de uma companhia sabe que a empresa vai ter lucro acima do esperado, pode comprar o máximo de ações da companhia na baixa para vender na alta, sabedor, antecipadamente, da valorização futura do papel.

No caso de front running, um exemplo típico é quando um agente do mercado fica sabendo que um cliente irá investir uma soma considerável de recursos em determinado papel e sai na frente para comprar o máximo que puder da ação, antes da operação, também certo de que terá lucro com a movimentação de mercado que a ação de seu cliente pode provocar.

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Casos de Insider trading no Brasil

Há quem diga que Insider trading nunca foi novidade no mercado brasileiro. Mas os casos têm vindo à tona com mais frequência a partir do início das operações de pregões eletrônicos na bolsa, nos anos 2000, o que facilitou a fiscalização.

Órgãos fiscalizadores da B3 detectam operações suspeitas, que são informadas à CVM. Dados da autarquia mostram que foram investigados mais de 50 casos, entre 2008 e 2018, envolvendo mais de 150 pessoas, das quais pouco mais de 60 foram punidas, em geral, com multas.

No âmbito criminal, no entanto, apenas três processos foram parar na Justiça, com apenas duas prisões, desde que a prática virou crime de fato.

Romano Ancelmo Fontana e Luiz Murat

O primeiro deles envolveu o então membro do conselho de administração da Sadia Romano Ancelmo Fontana e o diretor de relações com os investidores da empresa, à época, Luiz Murat. Em 2006, antes de a Sadia tentar fazer um take over hostil (oferta não solicitada) para adquirir o controle da sua concorrente, a Perdigão, os dois executivos da Sadia compraram ações da Perdigão na Bolsa de Nova York, tendo lucro de US$ 200 mil.

O processo contra os dois foi aberto em 2009. Em 2011, foram condenados à prisão, mas tiveram as penas convertidas em serviços comunitários, além de multas e do impedimento de ambos de atuar no mercado de capitais.

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Eike Batista

Outro caso famoso de Insider trading que foi parar nos tribunais envolveu o empresário Eike Batista. Outrora controlador de um império de empresas de diversos ramos de atividade, com ofertas de ações em operações milionárias, acabou sucumbindo em prejuízos de quase R$ 1 bilhão. Conhecedor da situação do conglomerado, Eike tratou de vender as suas ações antes do anúncio de investimentos menores do que os projetados, evitando, assim, de forma ilícita, um prejuízo de mais de R$ 10 milhões.

Eike foi condenado a seis anos e oito meses de reclusão e à multa de R$ 409 milhões pela operação de Insider trading. O empresário entrou com recursos na Justiça e continua livre, mas proibido de ocupar cargos em empresas de capital aberto.

Em 17 de maio de 2017, os irmãos Wesley e Joesley Batista ganharam o noticiário nacional pela divulgação de áudio do então presidente Michel Temer, sobre suposta compra do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, preso no âmbito da operação Lava Jato. Esse escândalo provocou uma grade crise política e financeira no país. O episódio, que ficou marcado como Joesley Day, fez o dólar disparar, e as ações da companhia despencar, com a possibilidade de renúncia de Temer.

A descoberta de que os dois controladores da JBS e outras empresas do grupo compraram US$ 1 bilhão à véspera da divulgação do áudio levou os dois à prisão pelo crime de Insider trading. À época, também se atribuiu aos empresários a venda de ações antes de a crise ser deflagrada, que teria evitado, de forma desleal, um prejuízo de R$ 138 milhões. Os empresários passaram pouco tempo na cadeia, mas foi o primeiro caso no Brasil de prisão preventiva por causa de Insider trading.