O mercado cripto invadiu os campos de futebol. Ao longo de 2021, diversos clubes brasileiros lançaram seus próprios fan tokens, ativos digitais que têm uma função específica: conectar fãs com equipes esportivas.
Neste guia, o InfoMoney explica como esses criptoativos funcionam e onde comprá-los. Também conta por que gigantes da bola como Flamengo, Corinthians e São Paulo estão apostando neles.
O que são fan tokens
Antes de explicar o que são fan tokens, é importante esclarecer alguns conceitos do mercado.
Um token, na indústria cripo, é um ativo digital que roda em uma blockchain, grande banco de dados distribuído que nasceu com o Bitcoin (BTC) no final de 2008. Há quatro tipos principais: payment tokens (de pagamento), non-fungible-token (NFT, ou tokens não-fungíveis), security tokens (de valores mobiliários) e utility tokens (de utilidade).
Os fan tokens, que normalmente são ligados a grupos esportivos, estão dentro da categoria utility tokens, expressão que em português significa “tokens de utilidade”. Eles recebem essa definição porque oferecem aos detentores acesso a produtos e serviços exclusivos, bem como a possibilidade de participar de votações.
Na prática, portanto, fan tokens são como programas de sócio-torcedor, mas com algumas diferenças: eles ficam guardados em blockchains, não é preciso pagar mensalidades e eles valem dinheiro, podendo valorizar (ou desabar) com o tempo.
Como os fan tokens funcionam
O funcionamento de fan tokens difere de criptomoedas como Bitcoin e Ethereum (ETH). BTC e ETH, por exemplo, flertam com os conceitos de moeda e valor mobiliário, e são usados como meio de troca.
Os fan tokens, por outro lado, não são utilizados como pagamento. A função deles é gerar o engajamento de base de torcedores e fãs.
Times de futebol, por exemplo, dão aos donos de fan tokens a possibilidade de influenciar as decisões do clube, escolher design de produtos e uniforme, concorrer a prêmios, participar de enquetes, decidir frases escritas no vestiário e por aí vai. As possibilidades oferecidas variam conforme a criatividade dos responsáveis pelos projetos.
Como os clubes lucram com os fan tokens
Esses ativos digitais são vendidos inicialmente por meio de uma Oferta Inicial de Token (FTO). Esse evento é similar a uma Oferta Pública Inicial (IPO) ou a uma Oferta Inicial de Moeda (ICO).
De acordo com Daniel Coquieri, CEO da Liqi, é nessa oferta primária que os grupos esportivos conseguem ganhar dinheiro. “Os clubes lucram porque quando emitem um fan token e fazem a venda inicial para o mercado, uma parte desse valor fica no time”, disse.
Ainda segundo Coquieri, há casos também em que as empresas que emitem os tokens para os times compram o direito do ativo digital, pagam por esse direito e assumem todos os riscos de vender ou não os fan tokens.
Em sua coluna no InfoMoney, o economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte Cesar Grafietti lembrou que as emissoras dos tokens e os clubes também recebem 0,25% de toda negociação feita entre os usuários.
Quais clubes brasileiros oferecem fan tokens
Pelo menos seis clubes nacionais têm seus próprios fan tokens, e todos foram lançados em 2021. A Seleção Brasileira também entrou na “brincadeira cripto”.
Atlético-MG
O Atlético-MG lançou o fan token $GALO em agosto. Na Oferta Inicial de Fan Token, o clube vendeu 850 mil unidades, cada um pelo preço de US$ 2. O faturamento foi de US$ 1,7 milhão – metade ficou para o time e a outra parte para a Socios.com, empresa emissora do token. Detentores podem participar de decisões da equipe.
Corinthians
O Corinthians tem o fan token $SCCP. O projeto foi lançado em setembro também em parceria com a Socios.com. Assim como o Atlético-MG, o clube vendeu 850 mil unidades na oferta inicial, e arrecadou US$ 1,7 milhão – parte ficou com a empresa emissora. Com o $SCCP, o torcedor corinthiano pode ajudar a definir, por exemplo, qual dos ídolos do time será eternizado com o próximo busto no Parque São Jorge, sede do clube.
Flamengo
Em outubro, o Flamengo colocou no mercado o $MENGO. Foram emitidos um milhão e meio de tokens no valor de US$ 2, naquela que foi a segunda maior Oferta de Fan Token da história da Socios.com, que também está envolvida no projeto. Cerca de 1 milhão de tokens foram vendidos nos primeiros 12 minutos após a abertura – um recorde. Clube e empresa emissora embolsaram cerca de US$ 3 milhões. Pessoas que comparam o fan token na venda inicial puderam participar de uma enquete para escolher a frase da parede do vestiário do Flamengo no Maracanã.
São Paulo
Negociado sob o ticker $SPFC, o fan token do São Paulo ganhou “vida” no início de novembro. Assim como Atlético-MG e Corinthians, o clube ofertou 850 mil unidades na venda inicial – a emissora também foi a Socios.com. O lucro foi de US$ 1,7 milhão – o acordo de divisão do dinheiro seguiu os moldes do fechado com os outros clubes. Detentores puderam participar de enquete para escolher frases posicionadas no anel superior do estádio do Morumbi.
Santos
Diferentemente dos outros clubes brasileiros, o Santos decidiu adotar o caminho das finanças descentralizadas (DeFi) para se lançar no mercado cripto. O “Peixe” ofereceu seu ativo – o Santos FC Fan Token – por meio da exchange descentralizada PancakeSwap (Cake). Para obter o token, o torcedor precisou depositar a criptomoeda CAKE na corretora (processo conhecido como farming). O projeto foi lançado em parceria com a Binance. Até o dia 16 de fevereiro de 2022, havia US$ 4,5 milhões em fan tokens em circulação. Detentores podem se engajar com o clube por meio de enquetes.
Cruzeiro
O Cruzeiro lançou seu token no final de dezembro em parceria com a Lunes, empresa brasileira de tecnologia blockchain. O clube divulgou que as 900 mil unidades do Cruzeiro Fan Token (CRZ) ofertados na venda inicial – cada um por R$ 6,10 – foram vendidas em 10 minutos. O lucro foi de R$ 4 milhões. Os torcedores que têm fan tokens têm acesso a promoções exclusivas.
Brasil
Além dos clubes, a Seleção Brasileira também começou a jogar no universo cripto. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) lançou o Brazil Fan Token (BFT) em parceria com a empresa turca Bitci em meados de 2021. Em julho, na oferta inicial, a CBF informou que vendeu 30 milhões de unidades do BFT, arrecadando 15 milhões de euros – o equivalente a R$ 90 milhões na época. Ao adquirir os tokens, o comprador pode ganhar experiências e recompensas exclusivas.
Entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022, Palmeiras, Internacional e Vasco anunciaram que vão lançar seus fan tokens em parceria com a Socios.com. Já o Botafogo divulgou que deve colocar o seu fan token no mercado com apoio da Bitci.
Diversos clubes internacionais também têm seus ativos de engajamento, como Atlético de Madrid, Barcelona, Juventus, Paris Saint-Germain e Milan.
O que se ganha investindo em um fan token
Coquieri, da Liqi, falou que o principal benefício para aqueles que compram esses ativos é o maior acesso aos clubes do coração. Esses tokens, reforçou, são focados em gerar engajamento, e não são investimento.
“Então a ideia é que quando uma pessoa compra um fan token ela tenha mais interesse em se envolver com as questões do clube do clube, e não em ganhar dinheiro com uma possível valorização”.
De acordo com ele, no entanto, o preço do ativo pode crescer sim, principalmente se o token, como utilidade, tiver alta demanda por parte dos fãs. “Mas em tese ninguém deveria adquirir um fan token com viés de investimento, e nem para especulação”.
Como comprar ativos de clubes de futebol
É possível comprar fan tokens nas empresas emissoras, como a Socios.com e a Bitci. Os interessados precisam ter as criptomoedas nativas dessas plataformas: a Chiliz (CHZ), da Socios.com, e o desconhecido Bitcicoin (BTCI), da Bitci.
A CHZ é encontrada em corretoras de criptomoedas com operação no Brasil, mas o BTCI somente em exchanges internacionais. Cabe informar que em algumas exchanges locais também é possível adquirir fan tokens de clubes nacionais e internacionais com real.
Quais as vantagens e desvantagens
Veja algumas das principais vantagens de comprar fan tokens:
Participação – A primeira grande vantagem é que os detentores de fan tokens podem participar de decisões. Alguns times oferecem ao proprietário a possibilidade de escolher músicas de entrada em campo ou mesmo a cor do uniforme. Outros oferecem descontos a produtos e acessos exclusivos. As ações variam conforme o projeto.
Valorização – O mote por trás dos fan tokens é o engajamento. No entanto, assim como qualquer ativo digital, eles também podem valorizar. Em 2021, rumores de que o jogador argentino Lionel Messi assinaria com o Paris Saint-Germain fizeram o token do time francês, o $PSG,
pular de US$ 29 para US$ 58 em 48 horas.
Agora saiba quais são as desvantagens:
Especulação – Embora não seja um ativo de especulação, muita gente foca nesse quesito ao adquirir fan tokens. E como esse é um mercado pequeno, com baixa liquidez e de fácil manipulação, compradores podem se colocar em risco e ter perdas financeiras.
Falta de ações – Para um fan token chamar atenção do público e, consequentemente, valorizar, os clubes precisam criar ações de engajamento. Alguns times, no entanto, pecam na criatividade, e isso faz com que os detentores deixem de enxergar valor nos ativos.
Fan token x token baseados em mecanismo de solidariedade
Além dos fan tokens, existe outro tipo de ativo digital que ganhou os campos de futebol: os tokens baseados em mecanismo de solidariedade da Fifa. Apesar de ambos fazerem parte do mercado cripto, eles funcionam de forma diferente. Entenda:
O fan token, como explicado ao longo deste guia, é focado em engajamento, e funciona quase como um programa de sócio-torcedor. Sua proposta, portanto, é movimentar os torcedores, e não ser um investimento, apesar de valorizar (ou não) com o tempo.
Já os tokens baseados em mecanismo de solidariedade da Fifa são diferentes. Mas antes de explicar, vale esclarecer o que é esse mecanismo: na prática, é um procedimento que determina que até 5% do valor da negociação de um jogador seja direcionado para os clubes que contribuíram com a formação de base dele.
Esses tokens, portanto, estão associados a um grupo de atletas de um determinado clube, e sempre que esses jogadores são vendidos, os detentores do ativo têm o direito de receber parte dos lucros da negociação.
O Santos, por exemplo, além de seu fan token, tem o “Token da Vila”, que é baseado nesse modelo. Ele é “lastreado” em 12 jogadores formados pelo clube, entre eles o Kaio Jorge (Juventus) e Neymar (Paris Saint-Germain). Então se Neymar for vendido, quem investiu no token será beneficiado.
Além do Santos, Vasco, Cruzeiro e Coritiba têm tokens que oferecem rendimentos baseados em mecanismo de solidariedade da Fifa.