Em tempos de Selic alta, o consórcio imobiliário pode ser uma boa alternativa para quem pensa em adquirir um imóvel e quer fugir dos juros de um financiamento.
Dados recentes da Associação Brasileira das Administradoras de Consórcios (ABAC) mostram que a busca pelo autofinanciamento em grupo tem aumentado com o passar do tempo. Segundo a entidade, o número de participantes ativos de consórcios cresceu 53% nos últimos 10 anos. Especificamente no caso de imóveis, esse crescimento foi de 19% em 2023 comparado ao ano anterior, o que representou mais de 1,71 milhão de consorciados ativos.
Há tempos que parcelar as compras faz parte da cultura financeira do brasileiro. A novidade é que o consórcio já não é mais simplesmente aquela “poupança forçada” de antigamente, como observa Caio Souza, head de Consórcios da XP.
“Além da compra programada, o consórcio é um instrumento de planejamento financeiro. Muitas vezes, a modalidade pode ser interessante para quem deseja comprar um imóvel sem perder a liquidez nem a rentabilidade de alguns investimentos”, diz.
Neste guia do InfoMoney, você vai entender como funciona o consórcio imobiliário – vantagens, desvantagens, custos e em que situações vale a pena lançar mão dessa forma de adquirir um imóvel. Continue a leitura e tire suas dúvidas agora!
Como funciona?
Um consórcio de imóvel tem o mesmo funcionamento de outros tipos de consórcios: os participantes do grupo pagam parcelas periódicas e formam um fundo comum usado para comprar a casa própria. O valor do imóvel é dividido pela duração do grupo, definida previamente. Na prática, cada integrante paga uma fração dele.
Todo mês – ou, em alguns casos, em outra periodicidade – a administradora sorteia parte do fundo entre os participantes. Quem vence o sorteio recebe uma carta de crédito no valor definido no começo do consórcio para utilizar na compra do imóvel.
Nessas ocasiões, os participantes também podem dar lances – ou seja, oferecer uma antecipação do pagamento. Via de regra, o lance maior leva a carta de crédito.
Suponha que, em um determinado mês, um participante de um grupo de consórcio de imóvel aceite quitar a metade da dívida, e que ninguém esteja disposto a dar um lance maior. Nesse caso, quem deu o lance de 50% será contemplado com a carta de crédito.
Taxas do consórcio imobiliário
Ao contrário do financiamento imobiliário, no consórcio de imóvel não há o pagamento de juros à instituição financeira. O consorciado tem de arcar com outros custos, como taxa de administração, fundo de reserva e seguro em alguns casos (este último custo deixou de ser obrigatório em 2021).
Atualmente, podemos encontrar no mercado taxas de administração entre 15% e 23% em média. Aqui, temos uma diferença muito importante entre financiamento e consórcio: a taxa de administração incide sobre o valor total da carta de crédito e é diluída nas parcelas, ao passo que, nas operações de crédito, os juros são capitalizados e se somam ao montante financiado.
Exemplo: considere um consórcio imobiliário de R$ 500.000, com prazo de 240 meses e taxa de administração de 20%. Para saber o valor dessa taxa durante todo o período do consórcio, basta aplicar 20% sobre os R$ 500.000, e teremos R$ 100.000.
Somando os valores da carta de crédito e da taxa de administração, chegamos a R$ 600.000, e dividindo por 240, teremos R$ 2.500 de prestação mensal. Perceba que a sistemática do cálculo é a de juros simples, e não juros compostos como no caso do crédito bancário.
O fundo de reserva também incide sobre o valor da carta de crédito, e costuma ficar entre 1% e 3%. Esse custo visa cobrir eventos como inadimplência, despesas bancárias, entre outros, e o seu saldo (se houver) é ressarcido aos participantes quando o grupo chega ao fim.
Reajuste da carta de crédito
A carta de crédito e as parcelas a vencer do consórcio são reajustadas de acordo com o índice estabelecido no momento da contratação. No caso do consórcio de imóveis, o referencial mais utilizado costuma ser o Índice Nacional da Construção Civil (INCC).
Esse reajuste ocorre justamente para que o consorciado mantenha o poder de compra, seja por conta da inflação ou do aumento do preço dos imóveis de forma geral.
Como usar o FGTS no consórcio de imóvel?
Os recursos acumulados no FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), que costumam ser resgatados por quem vai financiar um imóvel, também podem ser usados no consórcio imobiliário. De acordo com a ABAC, existem quatro formas de se fazer isso:
Ao fazer um lance
Até 100% do saldo da conta do FGTS pode ser usado para ofertar um lance. Para tanto, o participante deve apresentar seu extrato do FGTS à administradora.
Para complementar a carta de crédito
Também é possível usar o FGTS para complementar a carta de crédito na hora de adquirir o imóvel. Se a carta de crédito é de R$ 300 mil, por exemplo, mas a casa custa R$ 350 mil, o participante pode sacar R$ 50 mil do FGTS para fechar o valor total.
A ABAC explica que, tanto na oferta de lance quanto na complementação da carta de crédito, o FGTS é liberado diretamente ao vendedor do imóvel.
Se a casa estiver pronta, a liberação ocorre após a entrega do contrato ou escritura de compra e venda registrada no Cartório de Registro Imobiliário. Para imóvel em construção, o repasse dos recursos demanda comprovar a conclusão da obra.
Para amortizar ou liquidar o saldo devedor
O FGTS pode ser usado para amortizar parte do saldo devedor ou liquidar toda a dívida, desde que o consorciado já tenha sido contemplado e adquirido o imóvel.
Isso pode ser feito com uma ou mais cotas, desde que utilizadas na aquisição do mesmo imóvel. Para a amortização, as prestações do consórcio devem estar em dia na data da utilização. Na liquidação de todo o saldo, pode haver parcela em atraso.
Para pagar parte das prestações
O FGTS, segundo a ABAC, pode abater até 80% do valor total da parcela, mais as penalidades por atrasos. A quantidade de prestações vencidas (até três) somadas às que estão por vencer não pode exceder 12 parcelas. Além disso, só é possível lançar mão dessa alternativa após o uso da carta de crédito.
Para quem vale a pena o consórcio imobiliário?
Embora seja uma modalidade mais barata que o financiamento, o consórcio imobiliário é interessante para alguns perfis de pessoas. Confira para quem vale a pena:
Para quem não tem pressa para ter o imóvel
Quem está poupando para adquirir a casa própria, ou planeja comprar um segundo imóvel para alugar, ou pensa em presentear um filho com uma residência depois faculdade, por exemplo, pode se valer de um consórcio imobiliário. Desde que esses planos sejam para o longo prazo.
“É importante sempre ter claro que o consórcio não é um produto imediatista. O lance embutido até pode ajudar a acelerar a contemplação, mas em alguns casos,´não compensa financeiramente, pois a pessoa precisa contratar uma carta de crédito de valor maior do que o do imóvel. E, mesmo assim, esse tipo de lance não garante que ela seja contemplada”, alerta Caio Souza.
Para quem já tem dinheiro para dar um lance competitivo
Alguém que possa fazer um lance correspondente a 50% ou mais do valor do consórcio, por exemplo, tem uma chance de obter a carta de crédito antes de ser sorteado.
Mas, como vimos, não há nenhuma garantia de contemplação por lances. Se o grupo for competitivo, mesmo oferecendo o pagamento antecipado o participante pode não conseguir a carta de crédito.
Para quem não quer se descapitalizar
Mesmo quem tem dinheiro para comprar um imóvel pode deixá-lo aplicado em uma instituição financeira rendendo juros se entrar em um consórcio.
Inclusive, essa é uma das possibilidades avaliadas pela assessoria de investimentos da XP. Sempre que um cliente abre conta, segundo o head de Consórcios, os assessores mapeiam tudo o que ele deseja adquirir nos próximos anos. Com isso, pode-se identificar os melhores produtos, segundo seus objetivos e disponibilidade financeira.
“Nossa assessoria avalia o quanto o consórcio pode ser uma solução financeira interessante em comparação a outras oportunidades, como investimentos ou o próprio financiamento imobiliário. O fiel da balança sempre vai ser o custo do dinheiro na linha do tempo para o cliente”, explica Caio.
Vantagens do consórcio imobiliário
Os principais pontos positivos de um consórcio são o custo e a flexibilidade em relação à carta de crédito e aos pagamentos. Veja como funcionam esses aspectos na prática.
Custo
Como vimos, não há juros no consórcio, pois o seu custo é principalmente a taxa de administração.
Flexibilidade
Diferentemente de um financiamento imobiliário, quem ingressa em um consórcio de imóveis não precisa informar antecipadamente o bem que deseja adquirir. Ao receber a carta de crédito, o consorciado pode decidir o que fazer com o dinheiro – se comprar um imóvel novo ou usado, um terreno, ou mesmo usar os recursos para reformar ou construir, por exemplo.
A forma de pagamento do consórcio também pode ser flexível, pois o participante pode ter parcelas reduzidas em até 50% antes da contemplação. Essa é uma forma de dar um tempo para que o consorciado possa se capitalizar, como explica Caio Souza.
“No caso de parcelas reduzidas, paga-se a diferença que ficou para trás depois da contemplação. É claro que a prestação fica mais alta depois, mas entra nessa conta o aluguel que a pessoa deixa de pagar quando compra o seu imóvel”, avalia o head da XP.
Riscos e desvantagens do consórcio imobiliário
Por outro lado, a modalidade também possui alguns contras, entre os quais destacamos:
O preço do imóvel pode subir
O principal risco é o preço dos imóveis subir muito e a correção da carta de crédito não ser suficiente para comprar a residência no padrão desejado. No consórcio imobiliário, tanto o valor da carta de crédito quanto o saldo devedor dos participantes é corrigido periodicamente por um índice previsto no contrato.
O problema é que algumas vezes os preços dos imóveis sobem acima do índice e, nesses casos, quem compra a residência lá na frente usando a carta de crédito poderá ter de se contentar com uma propriedade de padrão inferior. Já quem toma um empréstimo para comprar imediatamente um imóvel “trava” o preço dele no momento da aquisição.
Consórcio de imóvel também envolve análise de crédito
Pessoas incluídas em cadastros de inadimplentes, como SPC e Serasa, podem ter dificuldade para fazer um consórcio de imóvel. E mesmo que a administradora permita que alguém nessa situação entre em um grupo de consórcio, pode exigir que o nome esteja limpo ou que a pessoa apresente um fiador responsável pela quitação do saldo devedor antes de liberar a carta de crédito, em caso de contemplação.
Como fazer um consórcio imobiliário?
Contar com uma assessoria especializada faz toda a diferença na hora de escolher um consórcio. Ao contrário do que muita gente pensa, a parte mais trabalhosa do processo não é pagar as prestações, e sim o momento que vem depois da contemplação. Com uma boa orientação desde o início, muitos problemas podem ser evitados nessa fase.
Antes de receber a carta de crédito, o contemplado passa por um crivo financeiro. Além da situação cadastral, a administradora avalia se ele tem condições de continuar pagando o bem.
Há situações em que a carta de crédito pode ser negada mesmo que a pessoa não tenha restritivos ou nunca tenha atrasado as prestações do consórcio. Nesses casos, algumas administradoras recompram a cota contemplada; mas em outras, o consorciado precisa esperar o final do grupo para reaver o que pagou.
Como alerta Caio Souza, o pós-contemplação é um momento crítico, que pode jogar contra o cliente do consórcio em algumas ocasiões. Isso acontece quando ele não é bem orientado, quando se cria uma falsa expectativa de que basta pagar as parcelas e, uma vez sorteado, terá fácil acesso à carta de crédito.
“Mesmo que no início do consórcio não seja preciso comprovar renda, nossa equipe vai orientar o cliente na escolha mais adequada aos seus objetivos e capacidade financeira. A recusa da carta de crédito gera muita frustração no cliente, e evitar isso é um dos trabalhos de nossa assessoria de investimentos”, diz o head de Consórcios da XP.