Quando se pensa em planejamento sucessório, o testamento é a forma mais conhecida e utilizada para realizar a partilha de bens. O que muita gente não sabe é que essa ferramenta não se restringe somente à herança, pois ela pode tratar de assuntos que não estão relacionados diretamente ao patrimônio.

“O testamento também permite nomear tutores, seja para filhos menores, pais ou outros herdeiros, ou até mesmo para animais de estimação que venham a ficar desamparados com a morte dos donos”, explica Viviane Vasques, advogada especializada em direito de família e sócia do escritório Xavier Vasques Advogados Associados, em Porto Alegre (RS).

Além de clareza na manifestação da vontade de quem o instituiu, esse documento precisa respeitar alguns aspectos formais e legais, para evitar possíveis contestações no futuro – e é isso o que mostraremos neste conteúdo. Continue a leitura e conheça o passo a passo para fazer um testamento.

O que é um testamento?

Um testamento nada mais é do que uma declaração de vontade da pessoa que o faz (também chamada de “testador”) sobre o que ela gostaria que acontecesse após a sua morte.

Como vimos, ele pode conter aspectos que vão além do patrimônio, desde que não extrapole o que a lei determina. Um exemplo foi o caso da apresentadora Glória Maria, que deixou expresso no testamento quem seriam os tutores legais de suas duas filhas, que tinham 14 e 15 anos quando ela faleceu, em fevereiro de 2023.

Outro caso conhecido e que não foi corretamente divulgado, segundo Viviane, foi de Nélida Pigñón, falecida em dezembro de 2022. Na ocasião, alguns veículos informaram que a escritora havia deixado um apartamento como herança para suas duas cachorrinhas.

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“A informação não foi divulgada corretamente, pois animal não pode receber patrimônio. Na verdade, ela deixou uma pessoa como tutora dos cachorros, que ficou responsável pela casa e pelos cuidados com os animais”, explica a advogada.

Viviane também observa que a tutoria (seja de pessoas ou animais) também pode ser expressa em outro tipo de documento, como uma carta de próprio punho, por exemplo. Porém, o testamento sempre tem mais força, principalmente se ele é do tipo público, conforme veremos mais adiante.

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Para que serve um testamento?

Conforme falamos anteriormente, o testamento é o documento que expressa uma vontade, que pode estar relacionada a bens patrimoniais, instruções, condicionantes para receber uma herança, ou tudo isso junto.

Na opinião de Viviane, essa ferramenta é uma das melhores no que diz respeito ao planejamento sucessório, pelo fato de ser reversível.

“Muita gente chega aqui no escritório pensando em doação como forma de retribuição. Isso é bastante comum, por exemplo, quando não existem herdeiros e a pessoa quer doar algo para quem está lhe cuidando. Mas aconselho sempre a pensar em testamento, pois ele pode ser modificado a qualquer momento, enquanto a doação é irreversível”, alerta.

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Quais os custos de um testamento?

O valor pago por um testamento no tabelionato depende de cada estado, pois cada um tem seus próprios custos de emolumentos.

Por exemplo, no 9° Tabelionato de Notas de Porto Alegre (o que mais faz testamentos na cidade, segundo a advogada), o custo de emolumentos é de cerca de R$ 600 hoje, mas tem localidades mais caras. A princípio, é possível consultar esses custos no site de cada tabelionato.

Quanto aos honorários advocatícios, Viviane alerta que o preço vai depender do trabalho a ser realizado. Atualmente, pode-se considerar um valor fixo a partir de R$ 5 mil em média, ou o percentual de 3% sobre o patrimônio, mas é preciso avaliar caso a caso.

“Imagine que uma pessoa queira doar alguns imóveis e nomear um tutor, por exemplo. Nesse caso, os honorários poderão ser um valor fixo ou corresponder a um percentual da partilha. Além disso, a OAB de cada estado sugere um valor para o trabalho, por isso não existe um preço fixo”, explica.

Quem pode fazer um testamento?

Qualquer pessoa a partir de dezesseis anos de idade pode fazer um testamento, não sendo obrigatória a participação de um advogado no processo. No entanto, é recomendável ter o acompanhamento de um profissional na hora de elaborar o documento.

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Como explica Viviane, mesmo que o tabelião valide os requisitos formais de um testamento, ele pode ser invalidado se extrapolar os limites legais. “E quem faz a avaliação legal do teor de um testamento é o advogado”, complementa.

Outro aspecto é a exigência da maioria dos tabelionatos de um atestado de sanidade mental para o testador com mais de 70 anos. Segundo a advogada, dependendo do contexto familiar, ela solicita esse atestado até para pessoas mais jovens, quando percebe que podem surgir questionamentos futuros por parte dos herdeiros.

A advogada também alerta que, para fins de elaboração do testamento, o atestado de saúde mental tem validade de 30 dias.

Tipos de testamento

O objetivo de um testamento é sempre o mesmo, ou seja, a manifestação da vontade de uma pessoa depois de sua morte. Porém, o documento permite diferentes formatos, sendo os principais os que veremos a seguir.

Testamento público

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Entre todos os tipos de testamento, o público é o que oferece a maior segurança jurídica, pois ele é uma espécie de escritura. É feito no tabelionato, pelo próprio tabelião ou seu substituto legal, e necessita de duas testemunhas trazidas pelo testamentário e que não sejam herdeiros ou parentes.

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Para fazer um testamento público, a pessoa deve procurar o tabelionato, que, por sua vez, fornecerá uma minuta do documento para ser lida com antecedência. Posteriormente será marcada a assinatura, e o documento será guardado no local, com o respectivo registro.

O tipo público somente mostra que existe um testamento, mas as disposições testamentárias – o que efetivamente está escrito no documento – permanece confidencial até a sua abertura. O tabelionato só poderá abrir o testamento mediante a apresentação da certidão de óbito do testador.

Testamento particular

Já o testamento particular é bem mais simples e não tem nenhum custo, pois é feito pela própria pessoa, dispensando a figura do cartório. Nesse caso, o testador escreve o documento (que pode ser de próprio punho ou digitado), assina, colhe a assinatura de três testemunhas e o guarda consigo.

No entanto, qualquer erro de escrita ou informações, rasuras e espaços em branco pode tornar esse tipo de testamento inválido.

Testamento cerrado

Embora o seu formato ainda conste no Código Civil, o testamento cerrado praticamente não é mais utilizado nos dias de hoje.

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Basicamente, esse tipo de testamento é uma mistura dos anteriores. Nesse caso, a pessoa faz o documento e o leva no tabelionato, acompanhado de duas testemunhas. Por sua vez, o tabelião faz a leitura, lacra o documento, faz o respectivo registro e o devolve ao testador.

Aqui, existe o mesmo risco de erros que apontamos no testamento particular, e que podem invalidar o documento quando de sua abertura. Além disso, se o lacre do tabelionato estiver rompido quando o documento for encontrado, ele também não terá validade.

Viviane explica que o testamento cerrado era bastante utilizado no passado, quando as pessoas não costumavam falar sobre o assunto.

“Antigamente, o testamento público era pouco utilizado, pois as pessoas não gostavam de falar sobre o tema. Então, para ter mais segurança, elas literalmente costuravam o documento e o guardavam em um cofre. Daí a origem do testamento cerrado, que caiu em desuso com o tempo”, explica a advogada.

Quais os documentos necessários para fazer um testamento?

Esses são os principais documentos que um testador precisa apresentar no tabelionato:

  • RG
  • CPF
  • Comprovante de residência
  • Certidão de casamento – se for casado, separado, divorciado ou viúvo – ou certidão de nascimento atualizada até 90 dias, se for solteiro.

Embora não seja preciso comprovar a titularidade dos bens na hora de fazer o testamento, é recomendável levar documentos de identificação dos mesmos (como matrícula de imóveis ou documentos de veículos, por exemplo), para facilitar a caracterização do patrimônio.

E, é claro, é preciso apresentar informações que permitam identificar os herdeiros no processo.

Quando um testamento se torna válido?

No caso de um testamento particular, a partir do momento em que o testador o elabora, assina e colhe as assinaturas das três testemunhas, o documento já é válido. Já os tipos público e cerrado precisam do envolvimento do tabelionato, conforme vimos anteriormente.

Seja qual for o formato do documento, o importante é observar com atenção os requisitos formais e legais, pois qualquer inconformidade pode invalidá-lo.

“Rasuras, falta de testemunhas e aspectos que contrariem a lei são alguns dos erros mais frequentes cometidos nos testamentos. Quando isso acontece, o documento é considerado inválido, e os bens seguem a ordem de partilha determinada pela legislação”, alerta Viviane.

E quando não há herdeiros, o que acontece com os bens?

Quando uma pessoa morre e não há um testamento particular, o juiz envia uma intimação para uma central de testamentos. Dessa forma, saberá se existe algum documento público ou cerrado em seu nome.

Se nenhum testamento for encontrado, o próximo passo é publicar um edital em algum veículo de grande circulação, para que algum herdeiro possa reivindicar a herança. O edital é o único esforço do poder público no sentido de encontrar possíveis herdeiros.

Nesse caso, os herdeiros têm até cinco anos para se manifestarem. Se ninguém aparecer em cinco anos, o patrimônio vira herança vacante e é entregue ao governo. Depois disso, mesmo que apareça algum herdeiro – como irmãos, primos, tios e sobrinhos, por exemplo – eles não terão direito à sucessão.

Outras dicas

Um alerta importante de Viviane Vasques é relativo à falta de informações que os tabelionatos podem ter sobre o processo.

“Por exemplo, a pessoa fez doações que comprometeram a parte dos herdeiros e não informou isso ao tabelião. Já o advogado investiga todo o histórico patrimonial da pessoa, para saber exatamente o que ela quer, se a melhor alternativa é de fato um testamento, ou uma doação, e assim por diante”, explica. Por isso a importância de contar com um profissional especializado na hora de fazer um testamento, independentemente do seu formato.

Outro ponto não tão comum, mas que pode surgir em alguma partilha, diz respeito à deserção, que é quando um herdeiro perde os seus direitos ao patrimônio. “A deserção ocorre quando alguém que teria direito à herança cometeu algum ato violento contra o testador (como maus tratos ou mesmo atentado à sua vida) ou tentou dispor dos bens por meio de fraude. Em casos assim, a pessoa deserdada pode ser admitida novamente na sucessão, desde que o testador expresse isso em um novo testamento ou em outro ato autêntico”, orienta a advogada.