O Imposto de Renda (IR) costuma ser um assunto indigesto para os investidores – ainda mais quando a cobrança aparece no extrato mesmo sem o cliente ter solicitado qualquer resgate da aplicação. Pois é isso o que acontece em grande parte dos fundos de investimento, duas vezes ao ano, com o chamado “come-cotas”.
Neste guia, você encontrará todas as informações relacionadas a essa cobrança periódica, que incide sobre os rendimentos apurados a cada seis meses, sempre em maio e novembro.
Confira a seguir a sistemática de recolhimento do imposto, quais produtos estão sujeitos à cobrança, critérios, prazos e, sobretudo, qual o efeito de tudo isso no seu patrimônio no longo prazo.
Afinal de contas, os custos podem fazer uma grande diferença na hora de decidir pela modalidade de aplicação ou escolher o fundo mais adequado para seu horizonte de investimento.
O InfoMoney contou com a supervisão de Denielle Bibbo, sócia da KPMG e especialista em Imposto de Renda para separar as principais informações sobre o tema para o contribuinte. Confira.
O que é come-cotas e como funciona
Come-cotas é o apelido dado pelo mercado financeiro ao recolhimento periódico de IR sobre os rendimentos de determinados fundos de investimento.
A cada seis meses, é feita uma tributação automática sobre os ganhos apurados pelo investidor naquele período. Para viabilizar a cobrança, a Receita Federal “morde” uma quantidade de cotas do cliente equivalente ao imposto devido, que é retido na fonte. Eis, portanto, a origem do jargão financeiro.
Vale lembrar que o come-cotas incide apenas sobre a valorização do patrimônio, e não sobre o principal investido. Dessa forma, só vai existir se o fundo tiver contabilizado lucro no intervalo.
Alíquotas do come-cotas
Existem atualmente duas alíquotas de cobrança para o come-cotas.
Nos fundos de investimento classificados como de curto prazo (cuja carteira de títulos tenha horizonte médio igual ou inferior a um ano), o recolhimento devido é de 20% do rendimento semestral.
Já nos produtos de longo prazo (com vencimento médio dos papéis superior a um ano), a mordida é um pouco menor, de 15%.
Quando é cobrado o come-cotas?
A retenção automática do imposto é feita duas vezes por ano, sempre no último dia útil de maio e novembro.
A cobrança também pode ocorrer se o investidor efetuar um resgate de valores do fundo em qualquer data anterior ao recolhimento compulsório.
Entretanto, vale a pena mencionar que, no caso de resgate, ocorrerá tributação total devida de acordo com as alíquotas previstas conforme a classificação do fundo de investimento – curto ou longo prazo (mais detalhes abaixo).
Quais fundos pagam come-cotas?
Boa parte dos fundos de investimento existentes no mercado estão sujeitos ao come-cotas. A lista inclui os portfólios de renda fixa (que engloba os DI), multimercados, crédito privado, cambiais e ouro.
Em dezembro de 2023, o governo federal sancionou a Lei 14.754/23 que prevê o come-cotas também para alguns fundos exclusivos, que eram isentos da sistemática até então.
A exceção fica por conta dos fundos de ações, fundos fechados e de previdência – nos quais a cobrança de IR é feita apenas no resgate – e dos fundos imobiliários e de debêntures incentivadas, que possuem isenção do imposto sobre os rendimentos para a pessoa física, respeitadas algumas condições.
Quais as regras para a tributação no come-cotas?
Na prática, o come-cotas representa um recolhimento antecipado de IR, que ocorre em intervalos de seis meses. Nessa sistemática, para fins de tributação, leva-se em consideração o tipo de fundo, se de curto prazo ou de longo prazo.
Os fundos de curto prazo são aqueles que possuem ativos com vencimento médio de até um ano. Nesse caso, a alíquota do come-cotas é de 20%.
Já os fundos de longo prazo são aqueles que investem em ativos com vencimento médio acima de um ano. A alíquota do come-cotas desses fundos é de 15%.
Na primeira incidência do come-cotas, o referencial que a Receita utiliza é a diferença entre o valor do dia e o preço de compra da cota. A partir do segundo desconto, compara-se o valor do ativo com o do dia da cobrança anterior.
Alíquota complementar
Os rendimentos dos fundos de investimentos são tributados de acordo com a tabela regressiva do Imposto de Renda, com alíquotas que iniciam em 22,5% e reduzem conforme o tempo da aplicação, até a mínima de 15%.
Os prazos e respectivas alíquotas são os seguintes:
Prazo da aplicação | Alíquota IR |
Até 180 dias | 22,5% |
De 181 a 360 dias | 20% |
De 361 a 720 dias | 17,5% |
A partir de 721 dias | 15% |
Suponha que você tenha investido em um fundo de curto prazo (com alíquota de 20% no come-cotas) e fez um resgate antes de 180 dias. Pela tabela regressiva, você teria IR de 22,5% a pagar sobre os rendimentos, certo?
Como o resgate foi realizado em seis meses, só houve uma antecipação do IR, logo será aplicada alíquota complementar de 2,5% para completar o valor devido à Receita.
É importante esclarecer, porém, que não existe cobrança em duplicidade. No resgate da aplicação, apura-se o Imposto de Renda total de acordo com o tempo do investimento, e o que já foi pago via come-cotas é descontado do valor devido.
Como saber se um fundo paga come-cotas?
No universo dos fundos de investimento, todas as informações da aplicação – como o objetivo, regras para o pagamento de resgates, custos e tributação, por exemplo – estão concentradas no regulamento.
É uma espécie de manual de instruções, cuja leitura é altamente recomendada para saber se aquele produto atende ao perfil de risco, nível de liquidez e horizonte de retorno desejados pelo investidor.
Como esses documentos em geral são extensos, o cliente pode iniciar sua pesquisa pelas informações contidas na chamada “lâmina do fundo”, que traz de forma resumida as características do portfólio. É um informativo muito útil também para verificar a rentabilidade dos últimos meses e comparar custos com produtos semelhantes.
Vale lembrar sempre, no entanto, que rendimento passado não é garantia de retorno futuro.
Em caso de dúvidas, o investidor deve questionar o banco ou a corretora sobre os detalhes do fundo.
Qual o impacto do come-cotas no resultado da aplicação?
Como o pagamento antecipado do imposto, em maio e novembro, reduz a quantidade de cotas detidas pelo investidor, o efeito prático é diminuir o ganho líquido no longo prazo. Isso porque, se não fossem descontadas, as cotas reduzidas correspondentes ao valor do imposto de renda (IR) devido à Receita Federal ficariam se valorizando, junto com as demais, pelo tempo que o dinheiro permanecer aplicado.
“Quando há incidência do come-cotas, os juros são calculados sobre um patrimônio menor, o que acaba impactando negativamente o saldo final da aplicação no período analisado”, afirma Luiz Flávio da Silveira, coordenador de portfólios e advisory do Banco Inter.
Ficou na dúvida? Basta colocar os números na ponta do lápis. O executivo calcula que, para uma aplicação de R$ 1 mil a juros de 10% ao ano, por exemplo, o saldo em 36 meses em um fundo DI seria de R$ 1.276,22, ao passo que um CDB (Certificado de Depósito Bancário) com as mesmas condições (remuneração idêntica e liquidez diária) alcançaria R$ 1.281,35.
Para valores iniciais, a diferença pode parecer pequena, mas acrescentando alguns zeros no ponto de partida, o impacto do come-cotas no saldo da aplicação começam a ficar mais nítidas. Para um aporte inicial de R$ 100 mil, por exemplo, o investidor deixaria de ganhar cerca de R$ 514 no período considerado.
Isso representa, portanto, o possível acréscimo no patrimônio do mesmo fundo DI se não houvesse o come-cotas.
Outros impostos e custos sobre fundos
Além do Imposto de Renda, o investidor em fundos pode enfrentar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) – cuja cobrança também vai diminuindo de acordo com o tempo da aplicação. Neste caso, porém, a tabela regressiva tem alíquotas diárias e horizonte de apenas 30 dias.
Exemplo: se o cotista deixar o dinheiro investido por um único dia, terá que pagar IOF de 96% sobre o rendimento. Depois de dez dias, o imposto cai para 66%. Com 20, fica em 33%. O último corte acontece no 29º dia, com 3%. A partir de 30 dias, passa a valer a isenção.
Outros custos importantes que envolvem os fundos são as taxas de administração e de performance. A primeira existe em todos os produtos e representa um percentual sobre o patrimônio líquido, descontado anualmente dos cotistas. O objetivo é remunerar o gestor pela análise e seleção de ativos, além de cobrir os custos operacionais do produto.
No caso da taxa de performance – presente normalmente nos fundos mais arriscados –, só existe a cobrança se o rendimento do portfólio ficar acima do indicador que baliza seu desempenho.
Um exemplo bastaste comum são os portfólios cujo objetivo é superar o Índice Bovespa (Ibovespa). Se em determinado intervalo a Bolsa subir 10% e o fundo conseguir uma rentabilidade melhor, de 15%, por exemplo, poderá cobrar um extra pelo bom desempenho. Com isso, na prática, o cotista ficará com uma fatia um pouco menor da “gordura” conquistada pelo produto.
Para o gestor da carteira, a lógica por trás da taxa de performance é estimular a buscar por melhores resultados. Do lado do investidor, é importante ter atenção e saber exatamente quais são as regras do fundo, se existe ou não esse custo adicional – que pode variar bastante não apenas de um produto para o outro, mas entre as diversas gestoras de recursos.