Uma das diversas instituições que formam o Sistema Financeiro Nacional é o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Criado para impulsionar a economia, costuma ser alvo de polêmicas relacionadas a gastos em praticamente todos os governos. Nesse sentido, há quem defensa que turbinar os financiamentos a empresas pode ser a saída para resgatar a economia. Por outro lado, há quem pense que, com mais dinheiro circulando, poderíamos aumentar a inflação e o rombo nas contas públicas e piorar o risco Brasil e a confiança dos investidores.
Para ajudar a entender o que é o BNDES e qual o seu papel na economia brasileira, o InfoMoney conversou com André Roncaglia, doutor em Economia do Desenvolvimento pelo IPE-USP, professor de Economia na UNB e diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI) indicado pelo governo Lula. Continue a leitura e saiba mais sobre o tema.
O que é o BNDES e qual o seu papel na economia?
Fundado em 1952, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) é uma empresa pública federal vinculada ao Ministério da Fazenda. Como um banco de fomento, o seu objetivo é emprestar recursos a longo prazo para financiar projetos de estímulo a diferentes setores da economia, e que abrangem desde o MEI (Microempreendedor Individual) até grandes corporações brasileiras.
Ou seja, quem precisa de capital de giro, máquinas, obras ou recursos para financiar exportações, por exemplo, pode ter o amparo financeiro do banco. Desde que, é claro, atenda aos pré-requisitos definidos por ele.
Além de operarem com prazos bem mais estendidos do que os dos bancos comerciais, as taxas dos bancos de fomento são inferiores às praticadas pelo mercado. Por isso, eles são fundamentais para viabilizar determinados projetos, principalmente os de longa maturação e com alto risco envolvido.
André Roncaglia destaca que os bancos de fomento possuem uma toda uma inteligência específica para avançar em setores mais estratégicos para a economia.
“Os setores estratégicos são aqueles que trazem benefícios difusos. Ou seja, benefícios que não aparecem necessariamente no balanço da empresa, mas de outras formas, como melhoria na qualidade do ambiente por conta de infraestrutura, redução nos custos de energia, entre outros. Pelo volume financeiro envolvido e prazo de maturação, dificilmente o setor privado consegue emplacar sozinho esse tipo de investimento ”, explica.
Quanto à evolução da atuação, o economista observa que os bancos de desenvolvimento começaram a ganhar corpo a partir do período pós-guerra, no qual houve um grande esforço de reconstrução de várias economias.
“Naquele contexto, a ideia era justamente segmentar a atividade financeira entre as que são típicas de bancos comerciais e de investimentos. E, na área de investimento, existe um braço público, que vai financiar grandes projetos de infraestrutura. Isso explica o fato de o BNDES ter um aspecto prospectivo, pois ele olha áreas que têm pouca ou nenhuma representatividade no mercado nacional”.
Outra importante função de bancos como o BNDES é acompanhar as transformações do mercado, que passam por mudanças de paradigmas tecnológicos e novas tendências de concorrência internacional.
“Desde os anos 70, o BNDES passa a ter o propósito de ajudar também na diversificação da pauta exportadora. Isso é muito importante para que a gente consiga fugir da grande tentação que é vender apenas commodities – produtos de baixa sofisticação produtiva e tecnológica”, complementa Roncaglia.
Ou seja, o escopo de um banco como o BNDES é completamente diferente de um banco comercial. O primeiro não olha somente a rentabilidade, mas sim o impacto dos projetos financiados sobre a economia. O segundo é um braço do sistema financeiro, que atende a demandas privadas de todas as ordens, muitas vezes sem relação com o desenvolvimento.
Quando o BNDES empresta dinheiro, é o governo que está gastando?
Não, pois BNDES e Tesouro Nacional são coisas diferentes. Embora o banco esteja sob a estrutura do Poder Executivo, ele tem personalidade jurídica própria, e é um centro de custos que precisa se estabilizar por si só. Ou seja, gerar receitas suficientes para cobrir as próprias despesas.
“Na cabeça das pessoas, ainda é muito nublado como funciona o BNDES. Muitos pensam que o banco simplesmente pega dinheiro do governo e empresta para quem quiser, mas não é assim que funciona, pois a entidade possui regras bem definidas”, reforça o economista.
É importante entender que, além do Tesouro, o BNDES pode captar recursos por meio de outras fontes. Entre elas, estão o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e outros bancos de desenvolvimento ao redor do mundo.
No entanto, pode ser que a real dúvida em relação aos recursos seja: até onde o governo pode interferir na forma como o banco irá emprestar? Para Roncaglia, isso não afeta em nada a governança e estabilidade do banco.
“O BNDES pode ter diferentes focos, enfatizar determinados setores a partir de uma diretriz geral de governo. Mas dificilmente será uma fonte de instabilidade para a macroeconomia, como aconteceu no passado. Os grandes aportes que o Tesouro fez na época do governo Dilma já foram fortemente reduzidos ao longo dos governos Temer e Bolsonaro. Por isso, a não ser que haja uma mudança muito grande na política de aportes (o que não acho que vá acontecer), não existe essa homogeneidade entre governo e BNDES”, pondera o economista.
Qual o impacto do BNDES sobre o crescimento econômico?
Como vimos, um banco de fomento não busca exclusivamente a rentabilidade, pois seu principal objetivo é financiar projetos que possam impactar positivamente a economia.
Nesse sentido, André Roncaglia aponta um estudo acadêmico organizado por Samuel Pessoa e Ricardo Barbosa que buscou mensurar os efeitos do banco sobre investimentos, criação de empregos, PIB e outras variáveis macroeconômicas.
“Os artigos têm diferentes abordagens, justamente buscando alguma imparcialidade. De forma geral, a conclusão é de que os projetos financiados pelo BNDES alavancam o investimento interno, o perfil das exportações, o nível de empregos, e isso tudo melhora o ritmo da economia”, diz.
Logicamente, o banco não é perfeito, pois sua atuação pode se deteriorar pelo próprio ambiente econômico. No entanto, segundo o economista, sua missão é uma tentativa de ajudar a economia a nutrir setores que, sozinhos, não conseguiriam se manter.
Se o BNDES aumentar seus desembolsos, isso pode gerar inflação?
De acordo com o economista, não há como a inflação aumentar por aqui, pois o Brasil ainda tem uma grande capacidade ociosa.
“Se houver um investimento forte, a ponto de preencher a capacidade ociosa, isso até pode acontecer. Mas um grande erro é achar que, quando se joga dinheiro na economia, essa capacidade é retomada rapidamente. Como isso leva tempo, há espaço para se ponderar os incentivos”, explica.
Qual poderia ser o foco do BNDES?
Para Roncaglia, possivelmente o banco siga a atual linha de investir mais na infraestrutura, associado à pressão que existe pela transição verde. Nesse sentido, poderão ser prioritários os setores de saneamento, energia elétrica, energias renováveis e, principalmente, toda a parte de mobilidade urbana, rodoviária e ferroviária.
Segundo o economista, a presença de Aloizio Mercadante no BNDES faz sentido, considerando o atual cenário econômico global.
“O movimento da economia mundial vai exigir que façamos investimentos mais focados nas demandas atuais, e o mercado financeiro não tem capacidade de financiar sozinho. Um exemplo disso é a economia verde, que envolve a eletrificação de carros e energias alternativas, por exemplo. Por enquanto, tudo o que dá para dizer é que a gestão de Mercadante terá muito mais peso para a reindustrialização e para a tentativa de diversificar nossa pauta de exportações.