Pela lei brasileira, a pessoa que trabalha exposta a determinadas condições que colocam em risco a sua saúde tem o direito de receber uma aposentadoria especial.

Em princípio, isso vale para todo tipo de trabalhador – com carteira assinada, autônomo ou contribuinte individual, por exemplo – mas quem pede esse benefício precisa provar que tem direito a ele. E é aí que começa a maioria dos problemas que envolvem o tema, principalmente depois da reforma da Previdência, que mudou alguns requisitos e também a forma de cálculo.

Neste guia, com a orientação de dois especialistas, o InfoMoney reuniu os principais pontos sobre aposentadoria especial – como funciona, quem tem direito, como pedir, entre outros. Se você tem dúvidas sobre o assunto e deseja conhecer melhor os seus direitos, continue a leitura a seguir.

O que é a aposentadoria especial?

Aposentadoria especial é um benefício concedido pelo INSS a pessoas que trabalham expostas a agentes insalubres e perigosos.

“O benefício é uma forma de garantir uma aposentadoria um pouco mais cedo para esses profissionais, afastando-os do contato com agentes que fazem mal a sua saúde”, diz o advogado Peterson Muta, do escritório L.O. Baptista Advogados.

Quem tem direito à aposentadoria especial?

De forma geral, os trabalhadores expostos a agentes prejudiciais à saúde são os que têm direito a esse tipo de aposentadoria. 

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“Consideram-se agentes nocivos à saúde a substância, elemento ou condição que possa trazer algum dano para a saúde da pessoa durante o seu contrato de trabalho. É o caso de técnicos em radiologia, enfermeiros, químicos, frentistas, metalúrgicos, bombeiros, entre outros profissionais”, diz a advogada Adriana Faria, do escritório Rodrigues Faria Advogados.

A lei classifica esses agentes em quatro categorias: 

Tipos de agentes nocivosExemplos
Químicosbenzeno, chumbo, cromo, fósforo, carvão, mercúrio
Físicoscalor ou frio além do normal, ruído, eletricidade, radiação, trepidações, pressão atmosférica
Biológicosvírus, bactérias, parasitas, fungos
Periculososcombustíveis, petróleo, eletricidade, riscos gerais no caso de policiais e seguranças

No caso dos agentes químicos, existe ainda uma subclassificação: eles podem ser quantitativos e qualitativos, e isso faz diferença para fins de aposentadoria especial, como observa Peterson Muta.

“A exposição a um agente qualitativo já dá direito ao benefício, independentemente da quantidade a qual o trabalhador esteja exposto. Um exemplo comum é o benzeno”, alerta.

O advogado relata o caso de um empregado de uma fábrica de calçados que entrou na Justiça pedindo indenização por dano moral. Na perícia, foi constatado que a exposição continuada ao benzeno acelerou um processo de Alzheimer.

“Além da indenização por dano moral, o trabalhador conseguiu a aposentadoria especial, com base no laudo do perito”, diz.

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Há atividades específicas que dão direito à aposentadoria especial?

Atualmente, não existe uma relação de atividades automaticamente enquadradas como especiais, como havia até abril de 1995. Para conceder o benefício hoje, o INSS avalia caso a caso, e então decide se o empregado tem direito de fato ou não. 

“Algumas atividades dão margem para o benefício, mas as empresas estão cada vez mais cuidadosas em relação aos riscos do trabalho. Hoje em dia, elas investem mais em prevenção, justamente para não terem que pagar uma alíquota maior de INSS referente à aposentadoria especial”, explica Peterson.

Ou seja, não basta existir algum agente nocivo à saúde no ambiente para conseguir o benefício. Se a empresa possui um Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) eficiente e oferece equipamentos de proteção adequados, a função por si só não garantirá ao trabalhador a aposentadoria especial.

Requisitos para a aposentadoria especial: o que mudou com a reforma da Previdência

Antes da reforma da Previdência, não havia idade mínima para concessão da aposentadoria especial. Bastava que a pessoa cumprisse o tempo de trabalho, que era de 25 anos de atividade especial de baixo risco, 20 anos no caso de médio risco e 15 anos para alto risco.

As novas regras trouxeram a exigência de uma idade mínima e um sistema de pontos para adquirir o benefício. Podemos separar essas regras em duas: a primeira vale para quem começou a trabalhar antes da reforma e, até a sua promulgação (13/11/2019), não havia se aposentado. A segunda vale para quem começou a trabalhar depois dessa data.

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Quem começou a trabalhar antes da reforma e não se aposentou até 13/11/2019

Nesse caso, as regras são as seguintes:

  • atividade de risco baixo: 25 anos de trabalho + 86 pontos;
  • atividade de risco médio: 20 anos de trabalho + 76 pontos;
  • atividade de risco alto: 15 anos de trabalho + 66 pontos.

Além dos prazos acima, é preciso acrescentar uma pontuação mínima, que corresponde à  soma da idade com o tempo de atividade especial. 

Veja como isso funciona na prática:

Exemplo:

Em 2010, um homem de 20 anos de idade começou a trabalhar em uma atividade considerada de médio risco. De acordo com a regra antiga, ele precisaria cumprir 20 anos de trabalho nessa atividade e se aposentaria em 2030, aos 50 anos.

No entanto, ele teria 70 pontos em 2030 (50 anos de idade + 20 de atividade especial), e não os 76 pontos necessários para obter o benefício, de acordo com as novas regras.

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Ou seja, precisará trabalhar mais 3 anos em uma atividade de médio risco para fechar a pontuação necessária, quando então terá 53 anos (53 + 23 = 76). Dessa forma, conseguiria se aposentar somente em 2033.

Quem começou a trabalhar depois da reforma

Nessa situação, é preciso cumprir os seguintes requisitos:

  • 25 anos de atividade especial + 60 anos de idade (risco baixo);
  • 20 anos de atividade especial + 58 anos de idade (risco médio);
  • 15 anos de atividade especial + 55 anos de idade (risco alto).

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Como comprovar o exercício de atividade especial?

O principal documento para comprovação de atividade especial é o PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário). Esse documento, feito pelo empregador, descreve as características do trabalho realizado e a exposição do empregado aos agentes nocivos à saúde.

Embora o PPP seja obrigatório somente no desligamento do funcionário, o ideal é que ele solicite o documento periodicamente ao RH, segundo Adriana Faria. 

“Na maioria das vezes, as empresas contratam e não atualizam a carteira profissional com as promoções e novas funções do empregado. No caso de atividades expostas a agentes nocivos, isso pode dificultar a aposentadoria especial lá na frente. Por isso, nós sempre orientamos que a pessoa solicite o seu PPP à empresa a cada dois ou três anos”, diz a advogada.

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A atualização do documento também pode resguardar o funcionário de possíveis problemas com a empresa. “Se eventualmente o empregado sair da empresa sem o PPP e ela falir, será preciso entrar na Justiça para que se reconheça a atividade especial, e só depois será possível solicitar o benefício ao INSS”, alerta Adriana.

Na ausência do PPP, outros documentos podem ajudar a comprovar a atividade especial, como a própria carteira de trabalho, desde que tenha o detalhamento das atividades realizadas. Porém, para fins de prova perante à Justiça, ela não costuma ter a mesma força do PPP, segundo a advogada.

Quem pede aposentadoria especial pode continuar trabalhando?

Pode sim, desde que não seja em alguma atividade exposta a agentes nocivos à saúde. Se o INSS concedeu aposentadoria especial e o trabalhador não se afastou dessas atividades, ele perde imediatamente o benefício.

Como funciona a conversão do tempo especial?

Como vimos, o trabalhador precisa completar 15, 20 ou 25 anos de efetiva exposição aos agentes nocivos para ter direito à aposentadoria especial. Mas, se ele trocar de profissão, pode converter o tempo especial em comum para receber uma aposentadoria por tempo de contribuição, segundo Peterson Muta.

Esse cálculo é feito com base em uma tabela de conversão. De acordo com o grau de risco da atividade e o gênero do trabalhador, a tabela considera diferentes multiplicadores:

Tempo a converterMulher (para 30 anos)Homem (para 35 anos)
15 anos2,02,33
20 anos1,51,75
25 anos1,21,4

Suponha que um homem tenha trabalhado 12 anos em atividade especial de médio risco e queira converter esse período em comum. Para isso, deverá multiplicar 12 anos por 1,75, o que levará à contagem de 21 anos para aposentadoria por tempo de contribuição.

Valor da aposentadoria especial

Atualmente, o valor da aposentadoria especial é equivalente a 60% da média de 100% dos salários de contribuição a partir de julho de 1994. Sobre esse valor há um acréscimo de 2% por ano que exceder 15 anos para as mulheres, e 20 anos para os homens.

Pelas atuais regras, não existe mais a possibilidade de descartar da média os 20% salários de contribuição menores.

Como solicitar a aposentadoria especial?

Primeiramente, é preciso juntar os seguintes documentos:

  • todos os PPP referentes às atividades especiais realizadas ao longo da vida profissional
  • carteira de identidade
  • CPF
  • comprovante de residência
  • carteira de trabalho
  • carnês de contribuição, se houver

Sobre a carteira de trabalho, Adriana Faria aconselha sempre levar o documento físico, mesmo que a pessoa já utilize a versão digital.

“Nem sempre a carteira de trabalho digital contém todas as informações do CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais). Por isso, é importante portar o documento físico se possível, para evitar que a falta de algum registro na carteira digital prejudique o pedido”, alerta a advogada.

Com os documentos em mãos, o próximo passo é encaminhá-los de forma eletrônica ao INSS. O órgão orienta que o contribuinte, ao entrar no aplicativo, solicite a aposentadoria por tempo de contribuição. Durante a análise, os profissionais encarregados farão o enquadramento, se for o caso.

Também é possível entregar os documentos físicos, mediante agendamento pelo telefone 135, pelo site do INSS ou pelo aplicativo Meu INSS. Normalmente, a análise do INSS leva até 90 dias úteis, e o órgão pode solicitar documentação complementar se achar necessário.

O que fazer se o INSS nega a aposentadoria especial?

Segundo Adriana, a maioria dos pedidos de aposentadoria especial são negados pelo INSS na primeira avaliação. De forma geral, o maior problema está na documentação que deveria comprovar a atividade especial.

“Em cerca de 80% dos casos, o INSS aposenta a pessoa pelo valor que acha ser o certo e ela pode tentar buscar a diferença depois. Há duas opções: ou se entra com recurso na via administrativa (o que tem demorado bastante) ou com uma ação na Justiça Federal”, explica.

A advogada orienta que, junto com a documentação, seja entregue um cálculo previdenciário do que, na visão do trabalhador, seria o valor da aposentadoria especial.

“Aqui no escritório nós fazemos esse cálculo, pois é muito importante que a pessoa tenha conhecimento do valor que pode receber, e que já demonstre isso quando encaminhar a documentação ao órgão”, diz.

Seja na esfera administrativa ou na judicial, o contribuinte não é obrigado a ter um advogado para entrar com o pedido de aposentadoria especial. Porém, contar com um especialista pode agilizar o processo e facilitar a aprovação, segundo Peterson Muta.

“Mesmo que a pessoa decida encaminhar o processo sozinha, pode ao menos fazer uma consultoria com um profissional da área previdenciária. No atendimento, ele poderá dar orientações sobre documentação e valores que o contribuinte tem direito”, diz o advogado.

Outro ponto importante é em relação à antecedência do processo. Nesse sentido, Adriana destaca que o ideal é encaminhá-lo quando faltam de 3 a 4 anos para a aposentadoria, já prevendo o prazo de análise do órgão, as chances de negativa e o recurso na Justiça.