Sociedade

Um tsunami de prata

Trabalhadores mais velhos podem ser um ativo, e não apenas um passivo. Como fazer isso acontecer?

A cobertura da mídia sobre o envelhecimento da população mundial tende a ser angustiante. Manchetes alertam sobre um “tsunami de prata” que se aproxima. Muitas ressaltam o fardo que o envelhecimento representa para a sociedade, desde o pagamento de pensões até o aumento dos custos com saúde. Existe ainda o medo de que a automação e a digitalização acelerem as demissões, aumentando as fileiras daqueles que foram lançados à deriva no meio da carreira.

Mas toda essa agitação não deve silenciar o argumento contrário. Dado que os trabalhadores mais velhos têm um enorme potencial de produtividade, empregadores deveriam considerá-los não como passivos, e sim como ativos.

Recentes relatórios da AARP (antiga Associação Americana de Pessoas Aposentadas) e da OCDE destacam as centenas de bilhões de dólares do PIB perdidos a cada ano com a inatividade econômica de trabalhadores mais velhos. E esses ganhos perdidos chegarão a trilhões nas próximas décadas. Os defensores da recapacitação ressaltam que treinar funcionários, geralmente mais velhos, para novas tarefas costuma ser mais barato do que dispensá-los e contratar novos, frequentemente mais jovens.

No entanto, o mundo está falhando coletivamente em criar locais de trabalho mais inclusivos para a terceira idade que
nos permitam aproveitar essas oportunidades. O que precisa mudar para que isso aconteça?

Estatísticas confirmam que os candidatos a emprego com mais de 45 anos constituem a maior parte dos desempregados há muito tempo. Uma recente pesquisa global da minha organização, Generation, mostra que esse grupo enfrenta o mesmo obstáculo em sete países: Brasil, Índia, Itália, Singapura, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, nos quais 63% dos desempregados com mais de 45 anos estão sem trabalho há mais de um ano, em comparação com apenas 36% dos jovens de 18 a 34 anos.

Para entender essa disparidade, estudamos quatro grupos: desempregados com mais de 45 anos; empregados com mais de 45 anos que mudaram de carreira com sucesso; desempregados com idade entre 18 e 44 anos; e contratação de gerentes numa ampla gama de empregadores.

Apesar das enormes diferenças, como cultura e PIB per capita, encontramos o mesmo padrão nesses países. Gestores admitiram que preferem candidatos mais jovens. Quando solicitados a escolher um de três grupos demográficos — de 18 a 34 anos, de 35 a 44 anos e acima de 45 —, os empregadores expressaram uma forte preferência pela segunda opção.

Talvez a escolha reflita uma afinidade natural, já que a maioria deles tem menos de 45 anos. Mas nossa pesquisa oferece uma descoberta mais encorajadora: os mesmos gestores relataram que, nos casos em que contrataram candidatos a uma vaga com mais de 45 anos, 87% tiveram um desempenho tão bom ou melhor que seus pares mais jovens, e 90% foram vistos como tendo o mesmo potencial, ou mais, para permanecer na empresa por um longo período.

idosos fazendo compras em mercado nos Estados Unidos
Idosos nos Estados Unidos: dificuldades aumentam após os 45 anos (Foto: Mario Tama/Getty Images)

A persistência de crenças arraigadas em relação a essa parcela demográfica é evidente, apesar de a realidade frequentemente se mostrar diferente. Não à toa, 71% dos desempregados com mais de 45 anos e 53% dos que conseguiram mudar de carreira declararam que o preconceito etário foi uma das maiores barreiras que enfrentaram para encontrar um emprego.

Para agravar o problema do preconceito de idade, está a questão relacionada à negligência. Poucos programas de emprego são voltados para trabalhadores mais velhos, e há também pouca pesquisa baseada na prática sobre como apoiar desempregados com mais de 45 anos em busca de nova carreira.

Medir para gerir

Como só o que é medido pode ser gerenciado, governos e organizações multilaterais poderiam passar a publicar estatísticas de emprego mais precisas. Conjuntos de dados coletados pela Organização Internacional do Trabalho, pelo Banco Mundial ou pela OCDE tendem a combinar uma ampla faixa de idades em suas bases — normalmente de 25 a 74 anos ou de 25 a 54 anos — para acomodar diferenças nos dados nacionais. Mas essa agregação obscurece os problemas exclusivos enfrentados pela população com mais de 45 anos.

(Foto: Getty Images e Shutterstock)

A melhor solução seria começar a relatar o desemprego em intervalos de cinco anos (por exemplo, de 40 a 44, de 45 a 49, de 50 a 54, e assim por diante) para permitir identificar os problemas enfrentados pelas diferentes faixas etárias. Os governos também precisam reimaginar como devem apoiar os desempregados no meio da carreira.

Estimulados pela pandemia de covid-19, alguns introduziram a subvenção salarial para encorajar a contratação, incluindo aqueles que tentam promover mudanças no meio da carreira. Nossa pesquisa descobriu que, em todos os sete países analisados, empregadores valorizam menos a subvenção salarial do que o treinamento específico para a profissão e certificações relevantes.

Por exemplo, 75% dos empregadores valorizam os candidatos que se formam em um programa de treinamento especializado; e 73% dos empregadores valorizam os candidatos que podem demonstrar suas habilidades por meio de uma certificação. Em contraste, apenas 41% dos empregadores valorizam candidatos porque eles vêm com subvenção salarial do governo.

Treinar na prática

Governos interessados em melhorar as perspectivas de emprego dos trabalhadores em meio de carreira precisarão promover programas multigeracionais. Os ambientes de aprendizagem mais robustos são aqueles em que os iniciantes e os veteranos aprendem juntos e uns com os outros. Além disso, os programas deveriam ser fortemente baseados na prática para que alunos de todas as idades entendessem a natureza das tarefas daquela função. E, como indicam os resultados de nossa pesquisa, os programas também deveriam ser concluídos com uma certificação do setor que fosse valorizada pelos empregadores.

Os subsídios salariais concedidos pelo governo ainda podem desempenhar um papel como parte desse pacote mais amplo, mas não deveriam ser considerados uma alavanca independente. Os trabalhadores desempregados em meio de carreira geralmente são os que mais precisam desses serviços. Entre os trabalhadores com mais de 45 anos que mudaram de carreira com sucesso, 74% nos disseram que o treinamento desempenhou um papel crucial.

Por outro lado, 58% dos trabalhadores desempregados em meio de carreira dizem que não desejam participar de treinamentos. Nesse contingente, 63% tinham apenas o ensino médio ou menos, e 70% mal conseguiam sobreviver financeiramente. Em suma, aqueles que mais precisam de ajuda têm menos probabilidade de acessá-la, e esse padrão
foi consistente em todos os sete países pesquisados.

Lidar com essa relutância requer alterar a dinâmica econômica que atualmente torna o treinamento um luxo arriscado e caro para alguns. Vimos isso repetidas vezes em nossos próprios programas destinados a treinar alunos de todas as idades em novas carreiras. Em nossa pesquisa global, 60% dos profissionais com idade acima de 45 anos hesitantes em ingressar em treinamento nos disseram que garantias de uma entrevista os levariam a participar do treinamento, ao passo que 40% seriam persuadidos a participar se o treinamento oferecesse uma bolsa para cobrir despesas de subsistência.

Mudança de mindset

(Foto: Getty Images e Shutterstock)

Nos últimos anos, um grupo de CEOs e coalizões da indústria proclamaram seu compromisso com a contratação mais inclusiva em uma série de comunidades sub-representadas. No entanto, nossa pesquisa descobriu que pessoas desempregadas com mais de 45 anos que se identificaram como membros de comunidades sub-representadas enfrentam um fardo adicional, participando de mais de 50% de entrevistas a mais do que seus pares antes de receber
uma oferta de emprego.

As empresas se comprometem a diversificar os perfis dos candidatos a emprego, mas procuram candidatos da mesma maneira ou continuam a confiar principalmente nos mesmos critérios de contratação de antes. Ao mudar seus processos, as organizações poderiam reforçar a mudança de mentalidade necessária para chegar aos trabalhadores
mais velhos.

Para aumentar a chance de colocação, começamos a experimentar novos formatos, como feiras de empregos, nas quais os empregadores desconhecem a idade e a experiência dos alunos até que os vejam em ação, apresentando seus portfólios. Descobrimos que esse esforço extra ajuda a compensar o preconceito existente e leva a mais decisões com base nos resultados.

A boa notícia é que os graduados em meio de carreira que estão mudando para novas funções apresentam forte retenção de emprego. Em 14 países, 80% de nossos graduados em tecnologia em meio de carreira continuam empregados seis meses depois da colocação.

Rumo ao novo normal

Uma importante mudança que atingiu os mercados de trabalho na esteira da pandemia é a desvinculação do emprego da localização geográfica. O trabalho remoto pode oferecer a flexibilidade de que os trabalhadores em meio de carreira geralmente precisam para administrar suas responsabilidades familiares.

Algumas pesquisas iniciais indicam que, embora todas as faixas etárias enfrentem desafios para trabalhar em casa, os trabalhadores em meio de carreira podem ser mais hábeis em navegá-los. O que os empregadores precisam entender é que, em todos esses casos, eles não estão fazendo um favor à sociedade. Estão fazendo esse favor a si próprios. Já é hora de passar da argumentação para a ação. As empresas e os países mais capazes de capturar o ouro que uma força de trabalho prateada tem a oferecer aumentam o bem-estar social e superam seus pares.