“Os minorizados entenderam que têm voz”, diz Rachel Maia
Com uma carreira respeitada no mundo dos negócios, Rachel Maia fala como a agenda de diversidade está ganhando força na sociedade e nas empresas
Rachel Maia é um ponto fora das estatísticas. De origem periférica, tornou-se a primeira mulher negra a ocupar um cargo de CEO no Brasil e também a primeira mulher negra a preencher uma cadeira em um conselho de administração de uma empresa no país.
Formada em ciências contábeis pelas Faculdades Metropolitanas Unidas, seu primeiro emprego foi na área de contabilidade de uma rede de lojas de conveniência. Com um pé-de-meia, resolveu fazer uma pausa para estudar inglês. Na volta, ingressou na farmacêutica Novartis — e anos mais tarde aceitou uma promoção para trabalhar no departamento financeiro da Tiffany’s, que naquele momento buscava uma mulher para a posição.
Depois de liderar a operação da Pandora e da Lacoste no país, Rachel fundou a própria empresa de consultoria, a RM Consulting, e passou a integrar conselhos de administração de empresas como Grupo Soma, Banco do Brasil e Vale. Ao falar sobre a relevância de debater a diversidade, Rachel gosta de focar os números: 56% da população brasileira é negra; 75% das vítimas de homicídio são negras; mas a população negra ocupa apenas 4,7% dos cargos de liderança das 500 maiores empresas do país.
Aos 50 anos, com uma carreira consolidada como executiva, Rachel percebe avanços. Sobre diversidade, equidade
e inclusão no mundo corporativo, ela falou ao InfoMoney.
É possível ver cada vez mais grandes empresas tratando do tema da diversidade com os funcionários. Em sua visão, trata-se de um movimento consistente?
Muitos questionam se é modismo, se vai passar. Não acredito. Os minorizados entenderam que têm voz, vez e lugar de fala. O investidor precisa entender que apostar nos minorizados, uma classe esquecida por tanto tempo, é rentável, além de ser justo. A sustentabilidade é rentável.
A senhora percebe avanços concretos na sociedade?
Cinco anos atrás, tínhamos um dígito de negros nas universidades, hoje temos 2 dígitos. Há dois anos, tínhamos menos de 12% de mulheres em conselhos. No ano passado, o índice chegou a 13,4%. Hoje, temos 14,4%. Houve
mudanças, mas precisamos mudar muito mais. Não basta.
Por que os números ainda são tão baixos?
No passado, a diversidade simplesmente não fazia parte da agenda. Quando não existe o propósito na agenda, não tem como cobrar. Nos dias atuais, há metas claras de crescimento de liderança que reflitam a diversidade. Toda a sociedade pode cobrar. Faz parte de uma agenda oficial. Antes a gente falava sobre a vontade de mudar, hoje temos metas para isso.
“As ações afirmativas são transitórias até que possamos entender que existe um equilíbrio”
Algumas empresas anunciaram programas de trainee exclusivos para pessoas negras, por exemplo. Esse é um caminho?
Ações afirmativas são necessárias para acelerar a dívida social. Nos foi furtado o direito de estar. Isso não é um achismo, é a forma como foi feita a abolição, que se reflete até hoje. As ações afirmativas são transitórias até que possamos entender que existe um equilíbrio mais razoável.
Essa é uma questão de justiça, de ser justo com aqueles que, por tanto tempo, foram injustiçados e minorizados.
O que mais é possível ser feito?
No foro político, precisamos de políticas públicas para realizar essas mudanças e que elas atinjam um volume de pessoas muito maior. O letramento da alta gestão é imprescindível, porque não se muda nada sem conhecimento.
É necessário desconstruir para construir novamente.
Ter 30 anos de experiência no mercado pode servir a um propósito X. No entanto, para entender que uma sociedade equânime significa abranger e abrir o conhecimento, a experiência não é suficiente.
A senhora atua com consultoria e participa de conselhos. Pela sua experiência, em qual etapa o setor privado está atualmente?
Existem níveis diferentes de conhecimento. Muitas empresas já estavam nessa jornada há algum tempo, mas careciam de mais apoio. A diversidade passa por todas as camadas, desde o conselho até a base da pirâmide. Está muito explícito que é necessário motivar ações que instiguem o próximo a se sentir pertencente àquele ecossistema. Existem muitas empresas que estão mais aceleradas, mas a gente não pode esquecer que os pequenos e médios empreendedores representam de 70% a 75% de nossa economia.
As grandes globais que estão aqui devem ser bons exemplos para que as pequenas e médias sigam o mesmo caminho.
Qual é a projeção que a senhora faz para 2022?
A COP26 foi um momento forte, que chegou como um marco com metas claras e objetivas. Quem não se movimentou apresentando metas ou colaborando para as metas do país terá problemas. Com as metas expostas, temos direito de cobrar muito mais.
Já entendemos que a sustentabilidade é importante, que ela passa pelo social, e assim por diante. Temos cada vez mais ferramentas para cobrar ações e propósito. Nós, como indivíduos, temos de nos posicionar nesse papel de cobrança, porque o mundo não aguenta mais.
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