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O varejo volta a abrir lojas físicas: o que isso indica?

O comércio eletrônico ganhou impulso em meio à pandemia. Mas, passado o pior momento da crise da covid-19, a estratégia de varejistas, aqui e no exterior, é outra

No dia 8 de julho deste ano, a loja disponível no número 750 da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, na cidade do
Rio de Janeiro, amanheceu coberta por um enorme pano azul. A cena se repetiu em outros 22 pontos do estado fluminense. Os panos escondiam as 23 lojas do Magazine Luiza inauguradas naquele dia — e marcaram a entrada física da rede varejista na região. “O Rio de Janeiro é muito importante para o varejo e o impacto econômico dessa nossa chegada vai ser enorme para a companhia”, afirmou Frederico Trajano em entrevista ao Do Zero ao Topo — marca de empreendedorismo do InfoMoney —, que acompanhou com exclusividade a cerimônia de inauguração dos espaços.

O plano do Magazine Luiza é chegar a 50 lojas no estado até o fim de 2021. E a expansão de pontos físicos pelo país não deve parar por aí. A empresa pretende ampliar o número de 1.413 lojas que detinha em setembro deste ano para 1.680 até 2023. A estratégia se mantém apesar do momento difícil para o varejo. No terceiro trimestre, o Magalu obteve resultado operacional negativo, algo raro em sua trajetória recente, com queda de vendas em lojas físicas.

A aposta do Magalu em lojas físicas não é um fenômeno isolado. A Via (ex-Via Varejo, dona da Casas Bahia e do Ponto Frio), a Americanas S.A. (resultado da fusão da Lojas Americanas com a B2W), o Carrefour e outras grandes do setor têm programado a abertura de dezenas de lojas nos próximos anos.

Esse anseio por mais espaços físicos não acontece apenas no Brasil. Na China, gigantes do online, como Alibaba, Tencent e JD. com, estão expandindo a presença no offline com a compra de participações em varejistas que contam com lojas físicas. Nos Estados Unidos, a Amazon — que abriu 24 livrarias desde 2015 e comprou a rede de supermercados Whole Foods em 2017 — deve dar um novo passo em direção ao mundo offline em breve.

De acordo com o diário The Wall Street Journal, a varejista planeja a abertura de lojas de departamentos em diferentes regiões dos Estados Unidos. Serão lojas grandes, para vender desde roupas até produtos eletrônicos. Chama a atenção o fato de essa expansão física acontecer depois do colossal crescimento do varejo online — impulsionado pela pandemia de covid-19.

pesquisa sobre vendas online Fontes: NielsenIQ | EBIT, BigDataCorp, PayPal
Fontes: NielsenIQ | EBIT, BigDataCorp, PayPal

Segundo a consultoria Euromonitor, as vendas globais do varejo via e-commerce devem totalizar 2,8 trilhões de dólares em 2021 — alta de quase 40% em relação ao valor de 2019. “O e-commerce tinha um crescimento anual médio de 250 bilhões de dólares antes da pandemia. Em 2020 e 2021, esse valor dobrou”, afirma Marcel Mota, diretor-geral da Euromonitor no Brasil.

Por aqui, o comércio eletrônico cresceu 41% em 2020 e chegou a 87,4 bilhões de reais em faturamento, segundo o relatório Webshoppers. Para este ano, a expectativa é alcançar uma receita de 108,4 bilhões de reais. Apesar de todo esse crescimento no ambiente online, a pandemia que fez as lojas fecharem mostrou a relevância desses pontos físicos para muitas varejistas e derrubou uma das teses do futuro do varejo: a de que a modernização e as compras do varejo devem acontecer apenas no ambiente online.

“A abertura de lojas físicas tem uma importância até para o e-commerce. Nas regiões onde temos a loja física, nosso market share no e-commerce é o triplo de onde não temos”, afirmou Frederico Trajano durante a abertura no Rio de Janeiro. “Para nós, a loja não é mais apenas um ponto de venda. Ela funciona como um centro de relacionamento com
o consumidor, como hub logístico e como acelerador de nossas vendas online”, disse Roberto Fuchenberg, CEO da Via, em uma recente teleconferência de resultados da empresa.

Experiência integrada

Mais do que estar presente no físico ou no digital, as grandes redes varejistas correm para oferecer a melhor experiência e vender produtos em todos os canais em que o cliente está — site, redes sociais, mobile e lojas — e de maneira cada vez mais integrada. É o famoso conceito de “omnicanalidade” — que, convenhamos, não é uma estratégia muito nova.

O termo apareceu pela primeira vez em 2011 nos Estados Unidos. Mas a pandemia reforçou a necessidade desse modelo. No Brasil, um dos movimentos mais recentes e grandiosos nessa direção foi a fusão das operações físicas e digitais da Lojas Americanas, anunciada neste ano, e que criou a Americanas S.A.

Cai uma das teses do futuro do varejo: a de que a modernização deve acontecer apenas no ambiente online

O desenvolvimento da omnicanalidade no Brasil está só no início. “O que vimos até agora em muitas varejistas foi a adoção de ferramentas básicas de integração entre físico e digital. O verdadeiro varejo omnichannel é o que coloca a tecnologia no centro e desenvolve novas funcionalidades pensando em utilizá-las em todos os seus canais. Isso está apenas começando”, afirma o consultor de varejo Ricardo Pastore.

Ele cita como exemplo de ferramenta básica da omnicanalidade o “compre e retire”, que permite ao cliente comprar no site e retirar o produto na loja física. É algo que redes antigas do varejo americano, como a finada Circuit City e a Sears, já ofereciam 20 anos atrás.

No Brasil, muitas redes brasileiras ainda “vendem” a ferramenta como um de seus diferenciais. Embora a omnicanalidade tenha muitas variantes, um estudo da consultoria McKinsey aponta que a evolução desse conceito pode ocorrer com base em três estratégias principais.

Hoje, grande parte das redes se concentra na estratégia definida como “comércio” — a mais básica e inicial. Ela possibilita que o cliente faça suas compras por diferentes canais, oferece a opção de troca de produtos no site ou por meio de lojas e possui ferramentas para o envolvimento e para a fidelização do cliente (como um aplicativo e um programa de fidelidade).

As campanhas de marketing nesse primeiro estágio têm como foco o produto — com ações que ressaltam suas qualidades e destacam ofertas para todos os clientes. No estágio seguinte da ominicanalidade, o da estratégia de “personalização”, o foco deixa de ser a qualidade do produto e passa a ser a necessidade de um grupo de clientes.

Nesse caso, as ofertas e campanhas de marketing são segmentadas (para pessoas de mesma faixa etária e
gênero, por exemplo) e direcionadas aos que estão mais propensos a comprá-las. Nesse estágio, as compras são totalmente integradas e o cliente consegue comprar, pagar e trocar produtos em qualquer canal sem atritos.

Em seu último estágio, a omnicanalidade tem como estratégia a criação de um “ecossistema”. Nesse cenário, a oferta de produtos é ainda mais personalizada (para cada cliente) e funciona de maneira dinâmica — adequando-se ao que o cliente está sentindo e fazendo naquele dia. Nessa estratégia, a empresa mantém um contato com o cliente que ultrapassa o momento da compra. Esse contato acontece com a criação de uma comunidade com conteúdo e experiências.

Um exemplo já bem desenvolvido nessa área é o da americana Nike, que usa aplicativos como Nike Run Club e Nike Training Club para estar presente na rotina de exercícios de seus clientes e promover encontros entre grupos de corrida e eventos.

Batalha de gigantes

Enquanto a estratégia da omnicanalidade passa por mudanças, o grande campo de batalha dos gigantes do setor hoje está no ambiente online. Numa das principais estratégias para aumentar a oferta de produtos e serviços, grandes varejistas tentam ampliar a base e conquistar os melhores vendedores terceirizados que atuam em seus marketplaces — os chamados sellers. Americanas S.A., Magazine Luiza e Via já ultrapassaram a marca de 100 mil vendedores em suas plataformas.

Para fidelizar os melhores, elas investem em descontos nas taxas cobradas e em pacotes de serviços que envolvem desde a oferta de crédito e outros serviços financeiros (para o próprio lojista) até o estoque e a entrega de seus produtos. Esse mercado ganhou mais competição em 2021 com o avanço de estrangeiros.

O e-commerce Shopee, de Singapura, que desembarcou no país em 2019, divulgou que já tem mais de 1 milhão de micro, pequenos e médios empreendedores brasileiros na plataforma.

Em agosto, a chinesa AliExpress, que faz parte do grupo Alibaba, anunciou a abertura de seu site para vendedores brasileiros. Para atrair lojistas, a empresa divulgou taxas abaixo da média do mercado e um serviço de logística integrado com frete gratuito nas compras acima de 50 reais.

O MercadoLivre — pioneiro no segmento — possui mais de 12 milhões de sellers em sua plataforma. O site vem ampliando a parceria com grandes marcas e ao mesmo tempo está investindo para formalizar os vendedores recorrentes que ainda não atuam como pessoa jurídica.

atendente da Amazon no computador
Loja da Amazon nos Estados Unidos: aposta também no offline (Foto: Dan Kitwood/Getty Images)

“A disputa via marketplace vai continuar. O e-commerce ainda está em construção no Brasil. Nenhuma plataforma está pronta”, diz Danniela Eiger, analista de varejo da XP Investimentos. “MercadoLivre, Americanas, Magalu e Via estão bem estruturados, mas Alibaba, Shopee e Amazon começaram a ser ameaças. É impossível dizer quem vai ganhar. A única certeza é que não há espaço para todos”, afirma.

Com tamanha competição, muitos pequenos e médios varejistas têm aproveitado as vantagens oferecidas pelos grandes para se digitalizar. Segundo uma pesquisa do PayPal, 55% dos varejistas com presença online não têm um e-commerce próprio e atuam no digital apenas via marketplace. Enquanto a disputa entre os grandes continuar, os sellers podem ser os maiores ganhadores. É mais um lance na batalha para atrair os consumidores por todos os meios.