Energia: como o Brasil pode depender menos do clima e mais de fontes renováveis
A diversificação da matriz energética ajuda a conter as mudanças climáticas e a impulsionar a economia. O país começa a mudar, mas ainda tem muito a evoluir
Há duas décadas, por nove meses em 2001, pessoas e empresas foram obrigadas a reduzir o consumo de energia elétrica. Ruas ficaram escuras, shows noturnos foram cancelados e linhas de produção tiveram de reduzir a atividade — e a cota de energia que puderam consumir, claro, ficou mais cara.
Era o preço que o Brasil pagava por não ter se preparado para a escassez de chuvas que afetou as usinas hidrelétricas, principal fonte de eletricidade do país. O “apagão” provocou uma recessão entre o segundo e o quarto trimestre, período em que o Produto Interno Bruto caiu 0,9%.
Como costuma ocorrer em nossa história, não aprendemos com a experiência. Neste ano, o país novamente se viu sob risco de racionamento energético por causa da falta de chuvas — um reflexo imediato num país que produz 65% da eletricidade de hidrelétricas. Para mitigar a estiagem, o governo federal acionou as usinas termelétricas, à base de gás e carvão, mais caras e poluentes.
Num momento em que o mundo discute formas de criar uma economia de zero carbono para mitigar os efeitos da mudança climática, a pergunta que se faz é: “Como o Brasil poderia ter uma matriz energética limpa e confiável?”
O clichê é verdadeiro: somos um país tropical abençoado. O Brasil tem condições climáticas que permitiriam usar mais fontes de geração eólica e solar. Mas construímos um sistema energético baseado em fontes hidrelétricas e termelétricas. A ideia, em princípio, fazia todo sentido: aproveitar o imenso potencial hídrico para produzir energia abundante e barata; e complementar com fontes termelétricas, movidas a gás e carvão, acionadas quando preciso.
Nos últimos anos, uma série de fatores, como o aumento do uso de água e as mudanças climáticas, fez com que se reduzisse a oferta de água para hidrelétricas. Ao depender cada vez mais do acionamento das termelétricas, mais caras, o preço da energia naturalmente aumentou. Em 2001, cerca de 80% da eletricidade vinha de hidrelétricas. Investimentos diminuíram para cerca de 65%.
A capacidade instalada de energia eólica saiu de ínfimos 22 megawatts para quase 18 mil megawatts entre 2005 e 2020, de acordo com dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). O avanço em solar é mais recente: os investimentos começaram, de fato, em 2017. Dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) mostram que a potência instalada aumentou dez vezes nos últimos cinco anos, chegando a quase 11 mil MW em 2021.
“Houve melhora, mas a matriz energética brasileira ainda é muito dependente do clima”, afirma Adriano Pires, fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura. “O país precisa ter uma matriz energética mais diversificada e confiável.”
Não é por falta de vocação que isso vai deixar de acontecer. A espanhola STI Norland está no Brasil desde 2015 fabricando estruturas fixas e rastreadores solares. Em menos de seis anos, obteve crescimento médio de 250% ao ano e tem faturamento acima de R$ 1 bilhão.
“O Brasil tem um potencial muito grande e pode aumentar a participação de energia solar em sua matriz energética de 3% para 40% nos próximos anos”, diz Javier Reclusa, presidente da STI Norland. “O país tem plenas condições de estar entre os cinco maiores mercados de energia solar nos próximos anos.”
Hoje, diversas empresas utilizam energia eólica em sua linha de produção. Uma delas é a fabricante de veículos Honda. O movimento começou em 2011 e foi uma resposta ao desafio lançado pela matriz para reduzir 50% das emissões de gases de efeito estufa. Para a Honda no Brasil, o modo mais eficiente de atingir esse objetivo foi apostar em energia renovável. Três anos e meio depois, a montadora inaugurou o parque eólico de 27 megawatts em Xangri-Lá, no Rio Grande do Sul. Em novembro do ano passado, a capacidade aumentou para quase 32 MW. No total, a Honda investiu R$ 128 milhões para abastecer as fábricas de Sumaré e Itirapina, no interior de São Paulo.
“Enquanto diversas indústrias sofrem com a alta do preço de energia, nós temos previsibilidade de custos e de fornecimento, além de podermos dizer que temos 100% de nossos produtos fabricados com energia renovável”, diz Mauricio Imoto, vice-presidente da Honda Energy.
Especialistas defendem que transições radicais na matriz energética, e medidas restritivas mais duras, teriam um efeito colateral não desejado. A ideia de não “aposentar” subitamente fontes de energia fósseis vem da observação de um fenômeno global: a chamada greenflation, ou “inflação verde”.
Para atender às pressões contra os combustíveis fósseis, governos têm imposto barreiras para frear a exploração de novos poços. Como a demanda por energia não caiu, a velha lei da oferta e da demanda entra em ação — e o resultado é alta dos preços do barril de petróleo.
Segundo Adriano Pires, o Brasil precisa fazer uma transição suave para evitar que esse fenômeno se repita por aqui. “É possível ter uma matriz 100% limpa, mas a transição deve ser feita em décadas, e não em anos, caso contrário podemos ver um colapso de preços.”
Outro entrave é encontrar uma solução para as usinas termelétricas em funcionamento — e com longos contratos de fornecimento, que não podem ser simplesmente rasgados. A energia de fontes térmicas contratadas deve custar ao país cerca de R$ 200 bilhões até o fim dos contratos, que podem chegar a algumas décadas, segundo Roberto Kishinami, coordenador de energia do Instituto Clima e Sociedade.
“O primeiro passo para termos uma matriz 100% limpa seria frear novas termelétricas e negociar com as existentes prazos de funcionamento”, diz Kishinami. O governo federal, porém, tem feito leilões para ampliar o uso de termelétricas.
É certo que algo precisa ser feito. Dois motivos: climático e econômico. Os estudos científicos mostram que, nos próximos anos, os efeitos da mudança climática vão se intensificar. O cientista do clima Lincoln Alves, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), estima um aumento na quantidade de secas de quase 30% nos próximos anos. “Cenários climáticos extremos se tornarão algo corriqueiro”, diz.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que a pressão da alta dos preços de energia deve continuar em 2022, provocando efeitos em cascata nos juros e no PIB. Ele projeta alta do IPCA de 9% em 2021 e 4,7% em 2022. Para conter a alta de preços, o Banco Central continuará elevando a taxa de juro, que deve chegar a 9% ao ano em fevereiro. E isso deve ter impactos no PIB, que teve sua projeção revisada de 1,4% para 0,4% em 2022.
“A crise energética de 2001 pegou o país num momento econômico melhor do que o atual”, afirma Vale. “Estamos vindo de duas recessões, inflação e desemprego mais elevados e, nesse cenário, a crise hídrica é um dos elementos que trazem preocupação para 2022.”
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