Um ano depois, Casa Verde e Amarela não decola e entrega menos moradias

Entrega de novas casas está abaixo da média dos últimos anos, e até agora nenhuma moradia foi regularizada ou alvo de reformas

Estadão Conteúdo

Empreendimento financiado pelo Minha Casa, Minha Vida
Empreendimento financiado pelo Minha Casa, Minha Vida

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Um ano depois de seu lançamento, o programa Casa Verde e Amarela ainda não decolou. Embora a redução na taxa de juros tenha contribuído para impulsionar financiamentos, sobretudo na região Nordeste, outras frentes da política habitacional do governo Bolsonaro esbarram na falta de recursos do Orçamento.

A entrega de novas casas está abaixo da média dos últimos anos, e até agora nenhuma moradia foi regularizada ou alvo de reformas. A insegurança financeira que cerca o programa desperta críticas num momento em que famílias perdem renda e sofrem com despejos em plena pandemia de covid-19.

Em 2021, o governo federal concluiu cerca de 20 mil unidades habitacionais da antiga faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida (para famílias com renda mensal de até R$ 2 mil), um número abaixo da média dos últimos anos: de 2009 a setembro de 2020, foram entregues 1,49 milhão de casas, segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU).

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A continuidade das demais obras, porém, está ameaçada pela falta de recursos, e há risco de paralisação já no início de setembro, como mostrou o Estadão/Broadcast. Novas contratações são um plano ainda mais distante.

O governo tem dito que a entrega de novas casas não será mais a única vertente da política de habitação, mas novidades como a regularização de terrenos ou reformas de habitações ainda não saíram do papel.

O secretário nacional de Habitação do Ministério do Desenvolvimento Regional, Alfredo Santos, afirma que a pasta não ficou parada e, nesse último ano, trabalhou nas bases do primeiro edital, que será lançado em setembro.

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Serão contratadas até 107 mil regularizações de moradias, além de melhorias em 20% delas, com cerca de R$ 300 milhões disponibilizados de forma imediata pelo Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) – abastecido com dinheiro de empresas. São recursos privados, isto é, não há um centavo sequer do Orçamento para esse braço do Casa Verde e Amarela.

Enquanto a política habitacional é estrangulada pela falta de dinheiro, Gilma Sousa Lima, 44 anos, busca na idade da filha, hoje com 20, a referência para calcular há quanto tempo espera pela casa própria.

A procura começou quando a filha tinha apenas três anos, e Gilma era mãe solo. Passados 17 anos, ela precisou fazer da escola onde trabalha como zeladora, na zona sul de São Paulo, sua própria moradia. Lá, ela vive com o marido e a filha. Na fila por uma casa, ela alimenta poucas esperanças, mas diz que não vai desistir.

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“Eu sou a zeladora da escola. Abro e fecho, então a gente não paga o aluguel. (Moramos) na zeladoria da escola. Meu sonho era que a minha filha tivesse um quarto para ela, e até hoje não consegui nem uma casa”, conta.

A ponte entre Gilma e a espera por uma casa popular é feita pelo Movimento Pelo Direito à Moradia (MDM) de São Paulo, que tem convênio com a Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab). Com a paralisação de novas contratações para a faixa de menor renda, no entanto, não houve mais condições de os projetos serem continuados.

“A maior dificuldade é quando muda o governo. Quando troca, paralisa”, afirma Gilma. Ela, que recebe um salário mínimo, e o marido, que trabalha como motoboy, não conseguem acessar o Casa Verde e Amarela. “Se não for por meio de algum movimento, com meu salário, eu nunca vou conseguir (um financiamento).”

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Orçamento

O secretário Alfredo Santos reconhece que o futuro das regularizações, reformas e construção de casas depende de dinheiro no Orçamento. Para 2022, o MDR pediu R$ 800 milhões para a política de regularização e melhorias, o que, em conjunto com outra parcela de recursos do FDS, contemplaria até 280 mil moradias.

Sem dinheiro público, a capacidade cai para 60 mil moradias. “Estamos pedindo insistentemente para que a gente seja atendido, mas, sim, a gente ainda depende do Orçamento.”

A proposta orçamentária para 2022 será apresentada amanhã e a distribuição inicial de recursos é feita de acordo com uma decisão de governo, geralmente centralizada na Junta de Execução Orçamentária, formada por Casa Civil e Ministério da Economia.

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O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, critica a postura do governo em relação ao programa habitacional. “É a falta de vontade política para botar dinheiro nesse assunto. É obra contratada, em andamento, e você tem de passar o pires como se fosse um favor”, diz. Ele lembra que a política habitacional do governo cumpre um papel social importante, sobretudo num cenário de aumento das vulnerabilidades devido à pandemia. “O burocrata não entende esse lado, que aquilo não é só um talão de cheque, só um dinheiro. Aquilo tem um cunho social, maior do que o mero fato do dinheiro que está sendo colocado ali.”

Desde que o Casa Verde e Amarela foi lançado, movimentos ligados à pauta do direito à moradia criticam o programa pela falta de recursos para contratação de novas moradias para o público de baixa renda, que ganha até R$ 2 mil mensais.

O presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), Getúlio Vargas Jr, lembra que o déficit habitacional (a quantidade de moradias dignas em falta) é de quase 6 milhões de unidades no Brasil, situação que tende a se agravar com a pandemia.

Seis perguntas para Alfredo Santos, secretário nacional de Habitação:

1. Que balanço o sr. faz do primeiro ano do programa Casa Verde e Amarela em meio às dificuldades pela restrição de Orçamento?

Os dados são bastante positivos, considerando que a MP (medida provisória que criou o Casa Verde e Amarela) foi em agosto de 2020, e transformada em lei em janeiro deste ano. Nesse período, avanços aconteceram. O primeiro é justamente a produção habitacional financiada. Uma das nossas propostas era ampliar a participação do programa nas regiões Norte e Nordeste. Fizemos alterações operacionais, a mais relevante delas foi a redução da taxa de juros, em especial no Norte e Nordeste. Comparando o primeiro semestre de 2021 com o de 2020, teve evolução de 12% na contratação. No Nordeste, este número supera 20%. Isso é reflexo da política.

2. E como avançar?

Durante os últimos seis meses, junto com o Ministério da Economia, a gente vem preparando uma proposta de alteração na curva dos subsídios, que complementam a capacidade de pagamento do trabalhador. Percebemos que o programa estava indo muito bem para vendas (a famílias que ganham) acima de R$ 2 mil, e a performance não estava tão boa abaixo disso. A proposta ao Conselho Curador (do FGTS) altera essa curva, melhorando a capacidade de compra das famílias. Ao mesmo tempo, considerando o incremento de custos que ocorreu na construção civil em geral, estamos propondo atualização de valores para que se mantenha a atratividade do mercado. Isso fecha o ciclo de melhorias na parte (de moradia) financiada.

3. Considerando tudo o que está parado ou em andamento, quantas moradias ainda estão no estoque?

Ao redor de 280 mil unidades.

4. É possível retomar tudo o que for viável em 2022 ainda?

Nós estamos trabalhando para isso.

5. E novas contratações, só quando zerar o estoque?

Não diria zerar o estoque, mas pelo menos retomar todas aquelas que podem ser retomadas. Isso dá horizonte de quanto preciso de orçamento. Conforme vai entregando, havendo espaço a gente pode voltar a contratar.

6. É possível esperar nova contratação para 2022 ou ainda é cedo?

Vai depender da condição orçamentária. Produção habitacional sempre é muito importante, é política prioritária, mas primeiro a responsabilidade. Essa é a demanda do presidente (Jair Bolsonaro), das obras paralisadas, tem de concluir primeiro.

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