“Tentar reconstruir a economia como era não vai funcionar”, diz Joaquim Levy

Ex-presidente do BNDES chama a atenção para o fato de que a preparação da economia para uma saída ordenada da crise é crucial

Estadão Conteúdo

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Ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy diz que o mercado vai aceitar melhor ou pior o déficit nas contas públicas que está sendo projetado agora, de 5,5% do PIB, a depender do que se vote no Congresso.

Para ele, seria o momento de passar alguns marcos regulatórios, como saneamento e gás natural, bem como a reforma tributária, que simplifique o PIS/Cofins. Levy chama a atenção para o fato de que a preparação da economia para uma saída ordenada da crise é crucial. A seguir, os principais trechos da entrevista:

A crise está sendo vista com um ineditismo a respeito da rapidez e do elevado grau de incertezas. Qual a sua percepção?

Sem dúvida, a velocidade da disseminação é inédita. Há muita incerteza e as informações são escassas. Difícil fazer inferências e prognósticos. Por exemplo, pouco sabemos do que aconteceu com as 3.700 pessoas que estavam naquele navio que fez em quarentena em Tóquio em fevereiro, o Princess Diamond. Afora que morreram 12 pessoas idosas. E a tripulação? Os 700 que estavam infectados, o que aconteceu? No Brasil, os milhares que viajaram no carnaval, onde e como estão? Em tudo há um aprendizado, como no caso das máscaras que foram, inicialmente, descartadas. O importante é ter humildade, adaptabilidade e se preparar para uma convivência com o vírus, que pode ser longa.

O que esperar desse lockdown do ponto de vista de impacto econômico no Brasil e no mundo?

O impacto vai ser grande. Há setores, como o de viagens a negócios, que jamais serão iguais. Viagem e turismo correspondem a 11% do PIB mundial, e sendo grande empregador, mostra como será difícil o curto prazo. No Brasil, temos os trabalhadores informais que dependem de prestar serviços em contato pessoal. Agora é planejar como conviver com o vírus, porque achatar a curva de transmissão significa aprender a viver com ele, que não vai desaparecer até que haja uma vacina ou remédio eficaz.

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Estou como convidado na Universidade de Stanford desde o começo do ano e sei que há intensa pesquisa lá e em inúmeros centros de pesquisa ao redor do mundo, mas não há previsão de remédio nas próximas semanas. Não estamos acostumados com essa realidade, mas não é inédito nem desesperador. De certo modo, e abstraindo possíveis conotações políticas, é um pouco como nos anos 1970, quando o Ocidente tinha que conviver com o comunismo, sem perspectiva de vitória imediata, mas tampouco se encolhendo.

E a volta ao trabalho?

Enquanto não há um remédio ou vacina, a discussão de voltar ao trabalho só faz sentido com planejamento e protocolos validados. Além de garantir o financiamento da saúde, inclusive em Estados e municípios, tem-se que responder a perguntas tais como a forma de organizar os locais de trabalho. Planejar se as empresas devem prover transporte para os empregados ou como vai ser o transporte público e quem pode usar ou não. Como medir temperatura do usuário, limpar duas ou três vezes por dia os ônibus, como na Ásia.

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Como desenvolver testes no Brasil em quantidade, além dos que se conseguir importar. Construir essas respostas é a maneira de garantir a volta ao emprego. É isso que os Conselhos de Administração e as diretorias das grandes empresas precisam para tomar decisões com mais segurança. E o dono da mercearia também. A tecnologia pode ajudar. Por exemplo, quem tiver um trabalho aprovado, recebe mensagem no SMS e pode circular com as cautelas necessárias. Isso parece ficção científica, mas é assim numa economia de guerra enquanto não houver vacina. Para os negócios que não podem ser conduzidos por internet, a retomada tem que começar assim.

O que mais pode mudar?

Outra mudança central é a forma com que as empresas e pessoas estão vendo a questão climática. Como o coronavírus, a evidência científica aponta um grande risco, mas que no dia a dia se vai empurrando. Agora a ficha está caindo, e mudanças que em tempos normais não ocorreriam, têm mais chance agora. Tentar reconstruir a economia como era um tempo atrás não vai funcionar, é um mau investimento.

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O que a gente vê em Stanford e em contato com especialistas ao redor do mundo é que as novas energias são mais produtivas que as antigas e a questão em geral é vencer os obstáculos para sair do ponto A e chegar no ponto B, que é mais vantajoso. Então, se o governo vai resgatar empresas, está pagando renda mínima para milhões de pessoas, melhor ele, por exemplo, aproveitar e ajudar a financiar a transição do carvão para renováveis. Fiscalmente também se paga porque as renováveis e algumas outras alternativas, além de mais baratas, criam empregos e, ao reduzirem a poluição do ar, diminuem os gastos de saúde.

No Brasil, estamos melhor porque a matriz energética é limpa, apesar da poluição do ar nas grandes cidades por causa do trânsito, onde a eletrificação do transporte público pode ajudar. Mas temos uma tremenda desvantagem competitiva, que são as emissões do desmatamento. Elas são maiores do que as emissões da nossa indústria e são um risco para o crescimento econômico.

Qual a sua avaliação sobre as medidas tomadas pelo Banco Central para injetar liquidez no sistema?

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Estão corretas. Tem que injetar liquidez e fazer esforço para chegar na ponta. Outro dia o presidente do Bradesco (Octavio de Lazari) explicou o que os bancos estão fazendo, postergando vencimentos, financiando a folha de pagamento, comprando carteiras quando dá. O Banco Central tem que apoiar esse esforço. Inclusive provavelmente comprar dívida pública, porque imagina a empresa que tem sua poupança no fundo DI e na hora de sacar tem o risco de enfrentar um deságio?

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