Tendência de desinflação nos EUA ainda é insuficiente para Fed interromper ciclo de alta, dizem analistas

Especialistas já veem alguns sinais benignos até em núcleos de serviços, mas dizem que moderação ainda é lenta

Roberto de Lira

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A divulgação da inflação do consumidor dos Estados Unidos referente a março nesta quarta-feira (12) mostrou uma composição benigna, não só no indicador nominal, mas também numa análise mais detalhada dos chamados núcleos – que excluem grupos de produtos e serviços mais voláteis. Mas os analistas de mercado alertam que o patamar ainda elevado em relação à meta e a velocidade baixa da desinflação no país devem manter a política monetária no campo restritivo.

O CPI mostrou alta de 0,1% em março na comparação com fevereiro, após alta de 0,4% no mês anterior e a inflação atingiu 5,0% no acumulado em 12 meses. O dado ficou abaixo do consenso Refinitiv, era de alta de 0,2% na comparação mensal e de 5,2% na anual.

Já o núcleo da inflação, que desconsidera as variações de alimentos e energia, subiu 0,4% no mês e 5,6% nos últimos 12 meses.

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Matheus Pizzani, economista da CM Capital, aponta que o desemprenho foi positivo, mas pondera que esse avanço moderado observado em março foi proporcionado em grande medida pelo comportamento dos preços mais voláteis da economia, como os grupos de alimentação e energia.

De fato, a deflação de 0,5% observada em fevereiro nos preços da energia foi intensifica em março, com queda de 3,5%. Em 12 meses, o grupo apresenta deflação de 6,4%. “O desempenho foi possível em grande medida pela deflação de 4,6% da gasolina no mês, revertendo por completo as altas registradas nos dois meses anteriores”, compara.

Já o grupo de alimentos ficou estável em março no comparativo mensal, mais isso encerrou um período de altas que já perdurava desde o início de 2022. Pizzani disse que o destaque foi a deflação de 0,3% na alimentação no domicílio, importante para contrapor a alta de 0,6% do segmento de alimentação fora do domicílio.

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“Apesar do avanço, o grupo de alimentação segue operando em patamar significativamente elevado, com o acumulado em 12 meses encerrando março em 8,5%, patamar que acaba comprometendo a evolução do CPI como um todo”, diz o economista da CM Capital.

Mas Pizzani diz considerar como a principal notícia do dia a desaceleração, ainda que marginal, do núcleo do indicador de inflação ao consumidor, de 0,5% em fevereiro para 0,4% em março, com o maior benefício proveniente da perda de força dos serviços subjacentes, que fecharam março com alta de 0,4%, ante 0,6% no mês anterior.

O economista destaca que os serviços subjacentes, que vinham sendo a principal fonte de preocupação do Federal Reserve até aqui, apresentaram comportamento mais ameno ao longo do último mês, especialmente do recuo do grupo de moradia (“Shelter”) que foi de 0,6% para 0,4% entre fevereiro e março.

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Porém, outros preços importantes para o núcleo da inflação do país não apresentaram comportamento positivo no período, com destaque para os serviços de transporte, cujo acumulado em 12 meses se encontra em 13,9%. “Desempenho relativamente surpreendente tendo em vista o processo de desaceleração econômica que vinha sendo percebido nos dados de atividade mais recente”, afirma.

Por conta disso, Pizzani diz que os dados divulgados até aqui não sugerem ser possível uma mudança expressiva no comportamento do Fed no curto-prazo, especialmente na decisão da próxima reunião, para a qual ele prevê um novo reajuste de 25 pontos-base na taxa de juros do país.

“Tal hipótese encontra justificativa na necessidade de complementação do ciclo de aperto e garantia de uma desaceleração da economia, e, consequentemente, do mercado de trabalho, em nível suficiente para possibilitar a retomada da estabilidade de preços no país, que ainda se sobrepõe aos avanços obtidos até aqui pela política monetária contracionista”, comenta.

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Bons sinais

Diogo Saraiva, economista e sócio da Blueline, também avalia que a composição no núcleo da inflação de março mais benigna do que em fevereiro, mas ele vê o indicador ainda pressionado. “Veículos usados subtraiu menos do ‘core’, enquanto, na parte de serviços, a aguardada desaceleração de aluguéis finalmente começou a aparecer, até em magnitude maior do que a esperada”, comenta.

O núcleo de serviços excluindo aluguéis moderou de 0,53% para 0,42% mas permaneceu pressionado, rodando em 5.3% nos últimos três meses.

“O número um pouco melhor que fevereiro reforça a narrativa da desinflação, mas a magnitude e composição mostra um processo bem lento ainda apresentando riscos para a convergência em direção a meta”, pondera Saraiva

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O economista da Blueline diz que o dado de hoje do CPI reforça a expectativa de mais uma alta de 25 bps em maio. Para junho, embora ele ainda veja uma “bola mais dividida”, a projeção é mais uma alta.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, também destaca que o CPI veio abaixo da expectativa, com uma queda maior nos preços de energia e com a inflação acumulada em 12 meses recuando forte queda, de 6% para 5%.

Ela pondera que a medida de núcleo ainda foi alta, em 0,4%, mas com a boa notícia da desaceleração da inflação de serviços, de 0,36% para 0,26%.

O comportamento dos preços, no entanto, não aponta para mudanças no curto prazo na política monetária, segundo Rafaela.

“A queda da inflação nos EUA é lenta, mas com os recentes dados antecedentes de queda na atividade e desaceleração no crédito, o processo de desinflação pode acelerar nos próximos meses. O resultado ainda não é suficiente para alterar a expectativa de o Fed elevar os juros mais uma vez em 25 bps na reunião de maio, mas pode já indicar ser o fim do ciclo.”

Jon Maier, Chief Investment Officer da Global X é outro analista a observar que o núcleo do CPI permanece teimosamente alto. “Essa tendência divergente ressalta a complexidade do cenário atual da inflação, à medida que o Fed luta para equilibrar a necessidade de lidar com a inflação persistentemente alta enquanto considera a melhora nos preços gerais”, comenta.

Para ele, o BC americano precisará calibrar cuidadosamente sua política monetária para navegar na intrincada situação econômica, garantindo que suas decisões sobre taxas de juros levem em consideração tanto a redução da inflação nominal quanto a persistência do núcleo da inflação.

“Em conjunto, juntamente com o baixo nível recorde de desemprego, parece mais do que provável que o Fed permaneça na trajetória de 25 pontos-base na próxima reunião”, prev~e Maier.

Essa também é visão de Gustavo Cruz, estrategista da RB investimentos. “Entendo que os dados ajudam no discurso que o Fed sobe mais uma vez (os juros) na próxima reunião e depois fica estável”, estima.

Para Cruz, os dados de inflação ainda vão continuar com uma tendência de queda nos próximos meses, mas com o ritmo moderado. Como a meta do Fed é de uma inflação de 2% e o patamar atual está em 5%, o estrategista diz enxergar um “excesso de confiança” no mercado de que o Fed começaria a cortar os juros em breve. “Imagino que, no melhor dos casos, aconteceria no último trimestre. Antes disso, eu acho improvável”, afirma.

Lucas Zaniboni, analista sênior de pesquisa internacional da Garde Asset Management, também pondera que um núcleo excluindo aluguéis rodando acima de 5% não vai deixar o Fed para como ciclo de alta agora. “Mas a métrica de aluguéis vindo para 0,5% no mês depois de bater 0,8% é uma boa notícia, se configurar que de fato esse é o novo patamar de curto prazo”, analisa.

Do lado pessimista, ele cita o fato de o núcleo de bens ter reacelerado aparentemente sem participação de carros usados. “Indica que vai continuar pressionado em abril.”

Segundo Zanibini, colocando tudo na balança, os dados de hoje não devem mudar a história do Fed para a reunião de maio, fazendo o BC dos EUA optar por uma nova alta de 25 pontos-base. “Mas, tudo o mais constante, conversa com uma pausa em junho”, prevê, fazendo a ressalva que serão divulgados indicadores entre essas duas reuniões, inclusive duas novas leituras de CPI.

Batalha do Fed continua

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, comenta que os preços em março deram sinais de arrefecimento, mas que os dados do núcleo mostram que a batalha do Fed continua.

“Quando olhamos alguns grupos como os preços de energia, alimentos e serviços, vemos uma desaceleração nos últimos 12 meses. Mas, os preços de moradia e aluguéis continuam subindo. Apesar da queda, serviços, alimentos e moradia continuam em níveis elevados e geram preocupação na autoridade monetária”, lista.

Para Sung, embora pareça que pior já passou, é preciso esperar a evolução do cenário inflacionário a fim de ter certeza que ela está convergindo para a meta de longo prazo.

“Os recentes episódios no sistema financeiro parecem, de certa forma, controlados e diante de uma inflação ainda em processo de desaceleração. Nossa expectativa é de +25 bps para a reunião do Fomc”, prevê.

O economista da Suno também afirma que este não é o momento para o Fed afrouxar o discurso. “A autoridade monetária deve seguir com parcimônia, entender a evolução da economia daqui para frente e tomar suas decisões a cada reunião.”

Marcelo Oliveira, CFA e co-fundador da Quantzed, diz que o dado dos EUA seguem a tendência mundial de números de inflação desaquecendo. Mas ele também não acredita que seja suficiente para o Fed “mudar a cabeça” e não aplicar a esperada alta 25 pontos-base em maio. “Mas acredito que seja a última alta do ciclo”, antecipa.

Para o BTG Pactual, mesmo considerando problemas com fatores sazonais, o CPI mostrou uma composição mais construtiva no mês de março, em especial os itens de serviços e que são menos voláteis.

“Por outro lado, mesmo nessas métricas subjacentes, temos médias móveis de 3 e 6 meses anualizadas com uma inflação elevada, entre 4,5% e 5%, sugerindo que a tendência de inflação continua desafiadora para a convergência de um CPI abaixo de 3% neste ano”, comenta o banco em relatório.

Na visão do BTG Pactual, mesmo com o CPI de março melhor do que o esperado, isso não retira a necessidade de um ajuste de 25 bps por parte do Fomc na próxima reunião de maio.

“Além disso, salvo uma piora na incerteza envolvendo o sistema financeiro americano, ainda não vemos espaço para os 70 bps de cortes precificados na curva futura para esse ano. A inflação não terá maior contribuição da deflação de energia e de bens nos próximos meses. Portanto, voltará a ter números mensais elevados.”