Superciclo sim, mas não para todas as commodities: economistas explicam os sinais nas importações chinesas

Minério de ferro pode estar em fim de ciclo depois de muito investimento global em infraestrutura, mas há outros metais mais promissores

Ricardo Bomfim

(Frank Mckenna/Unsplash)
(Frank Mckenna/Unsplash)

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SÃO PAULO – As importações da China cresceram 28,1% em julho, número abaixo dos 31,7% esperados pelos economistas. Nesta segunda-feira (9), a notícia trouxe bastante volatilidade para o mercado de commodities, uma vez que o país é o maior comprador mundial desses produtos. O minério de ferro caiu 4%, enquanto o petróleo recua 3% às 15h26 (horário de Brasília).

Segundo Roberto Dumas, professor do Insper, é preciso entender que quando se fala em superciclo de commodities não quer dizer que todos esses produtos vão se valorizar ao mesmo tempo nem na mesma medida.

Para ele, é preciso entender o contexto dessa recuperação econômica da China no pós-pandemia para poder traçar um horizonte para cada um dos produtos de baixo valor agregado.

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“O Partido Comunista Chinês fez um investimento de guerra para o país não entrar em recessão [no ano passado]. Quando você tem uma ditadura não pode se dar ao luxo de ter recessão, então houve muito dinheiro gasto com infraestrutura, algo que impulsionou o preço do minério. Agora a situação é bem diferente, a pandemia já acabou lá”, afirma.

Na mesma linha, Gilberto Cardoso, analista de commodities da Ohmresearch, diz que é preciso tomar cuidado com a expressão “superciclo”.  Cardoso lembra que a China foi o primeiro país a entrar e o primeiro a sair da crise por conta da Covid-19, de modo que, graças a essa recuperação, é natural que o gigante asiático passe a crescer em níveis mais baixos daqui para frente.

“Eu não sou a favor da expressão superciclo porque ainda estamos no meio de uma pandemia e a retomada nos leva a patamares pré-crise. Os aumentos de demanda que vemos são pontuais e variam em magnitude e motivos de commodity a commodity”, destaca.

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Na opinião do analista da Ohmresearch, o minério encerrou seu ciclo de alta que levou a tonelada de US$ 88 para US$ 220 de março de 2020 a julho de 2021.

A mesma coisa estaria acontecendo com o petróleo, que saiu de US$ 27 para US$ 76 o barril em igual período, com a diferença de que a existência de um cartel como a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) torna a situação um pouco mais turva.

“Cartéis regulam a oferta, então mesmo que o consumo se estabilize pode ser que o preço suba por uma combinação de redução de produção. Por isso não me atrevo a precificar petróleo, só entendo que no longo prazo o setor de combustíveis também passa por transformações”, aponta, em referência ao aumento do uso de energias renováveis e ao boom de carros elétricos.

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Se minério e petróleo estão no fim de seus ciclos, o mesmo não poderia ser dito de outras commodities. Roberto Dumas acredita que o cobre tem tudo para se valorizar, pois é o melhor metal para conduzir eletricidade.

Gilberto Cardoso diz que seu call de longo prazo para commodities seria se expor mais a alimentos, cobre, lítio e níquel, uma vez que o mundo irá consumir mais comida e os veículos elétricos e smartphones precisarão de mais baterias.

A opinião de Dumas também é de que os alimentos devem ganhar força com a guinada da China em se tornar uma economia voltada ao consumo e não mais à exportação, algo que há anos o presidente Xi Jinping tenta levar adiante.

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No entanto, o analista Leandro Fontanesi, do Bradesco BBI, discorda dessa avaliação. Ele escreve em relatório que historicamente os preços de commodities agrícolas têm ciclos de valorização (como o que vem ocorrendo de 2019 a 2021) de dois anos, em média, com um incremento de aproximadamente 20% ao ano no valor de cada grão, ao passo que os ciclos de queda duram, em média, três anos e meio e os preços caem em torno de 10% ao ano.

“Esperamos um declínio de 30% nos preços de produtos agrícolas até 2024, ao mesmo tempo em que o consenso da Bloomberg projeta uma retração de 15%”, ressalta Fontanesi.

Os motivos para essa previsão não são meramente estatísticos. O analista do Bradesco BBI considera provável que a China corte importações de produtos agrícolas até 2022 depois dessas compras avançarem 50% nos últimos dois anos.

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“Este aumento nas importações ocorreu porque a China dobrou o número de porcos nos últimos dois anos, depois de perder animais para a peste suína africana de 2018, e precisava comprar comida para alimentá-los. A população de suínos da China é relevante para a agricultura global porque a carne de porco é de longe a proteína mais importante do país e as necessidades de ração da China são responsáveis ​​por aproximadamente 15% da demanda global de trigo, milho e soja”, destaca o Bradesco.

Todavia, desde junho de 2021, as margens da indústria de suínos chinesa se tornaram negativas com um excesso de oferta de porcos e custos mais altos de grãos. “Nós estimamos que os preços do milho na China (correlacionados com os EUA e o Brasil) têm que cair de 20% a 30% para que as margens voltem a convergir para a média histórica.”

Apesar disso, Dumas defende que essa é uma idiossincrasia do mercado de proteína animal, e não muda o fato de que o governo voltou a querer rebalancear a economia na direção do consumo ao mesmo tempo em que a variante delta do coronavírus se prolifera globalmente. “A China precisa ter alimento disponível se tiver que fazer lockdown”, sentencia.

De todo modo, as mudanças estruturais pelas quais o mundo passa, e não só a China, indicam que realmente há commodities e commodities no mercado. E analistas como Gilberto Cardoso constatam que não há tantas empresas brasileiras expostas a essas matérias-primas do futuro.

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Ricardo Bomfim

Repórter do InfoMoney, faz a cobertura do mercado de ações nacional e internacional, economia e investimentos.