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SÃO PAULO – A pandemia do novo coronavírus foi uma surpresa e instalou uma crise econômica no Brasil. A quarentena, forma mais eficaz encontrada para diminuir o ritmo de contágio, também paralisou grande parte das atividades econômicas.
No estado de São Paulo, todos os 645 municípios estão em isolamento social desde o dia 24 de março de 2020. João Doria, governador do estado, anunciou que a partir do dia 11 de maio, um plano gradual de retomada das atividades começará.
Segundo o governo, a abertura será “faseada, regionalizada e setorial” e serão seguidos três critérios: acompanhamento da disseminação do vírus, mostrando os resultados em coletivas de imprensa; capacidade do sistema de saúde; e monitoramento do vírus por meio de testes rápidos em massa – contando inclusive com testes dentro de empresas em parceria com o setor privado.
A prefeitura do município de São Paulo já informou que a quarentena será estendida na capital, embora ainda não tenha divulgado uma nova data oficial, e começou a adotar medidas mais rígidas.
Dados do Ministério da Saúde do dia 4 de maio mostram que o Brasil registra 101.147 casos de coronavírus e 7.025 mortes da doença. Em São Paulo, um dos estados mais afetados, são 31.772 casos confirmados e 2.627 mortes, na mesma data.
É necessário poupar vidas, achatar a curva de contaminação e evitar o colapso do sistema de saúde, ao mesmo tempo que atividade econômica não pode parar. O InfoMoney entrou em contato com especialistas de diversas áreas para entender o tamanho do desafio e os riscos de uma abertura agora.
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Precipitado?
Fernando Ganem, médico diretor de governança clínica do Hospital Sírio Libanês, acredita que a saída da quarentena deve ser testada.
“Não existe uma fórmula mágica para passarmos por esse processo. O objetivo é ter leitos o suficiente para pacientes na tentativa de obter desfechos melhores. O governo de São Paulo está bem assessorado do ponto de vista técnico e científico”, aponta. O médico diz conhecer “pessoalmente” o grupo envolvido nas pesquisas, e que “o estado tem se apoiado em pessoas de referência em epidemiologia e infectologia das principais universidades do país e tem acatado essas opiniões.”
Mérces Nunes, advogada especialista em direito médico, defende estudar muito bem o momento de abrir antes de iniciar testes. “Eu tenho minhas dúvidas se estamos no momento certo para testar a circulação da população. O baixo índice de comunicação do governo federal dá a falsa impressão de que a pandemia está sob controle, quando na verdade a situação é complicada”.
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Ela tem uma visão mais severa sobre a estratégia de tentativa e erro: “Acredito que se der errado e tivermos que voltar para o isolamento, será um colapso da saúde e da economia”, diz. Alguns hospitais essenciais no tratamento já estão com a capacidade pressionada. O Hospital das Clínicas, por exemplo, estava com 84,5% da capacidade da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) em 17 de abril.
Para Ganem, o estado de São Paulo já apresenta melhoras. “O time tem dados para pensar num possível relaxamento e indicadores do que não está funcionando e imagino que terão algum posicionamento sobre a situação em breve. O fato é que o desfecho atual seria muito pior se o distanciamento não tivesse sido implementado cedo”, afirma.
André Rebelo, economista e coordenador do plano da Fiesp de retomada das atividades econômicas após o fim da quarentena, diz que a retomada econômica é essencial para o país, mas que, antes, é importante ter segurança de que o sistema de saúde estará pronto para o combate ao vírus.
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“Precisamos sair, mas não dá para sair e achar que dá para voltar à vida de fevereiro. Se não, teremos outro pico”, alerta.
Riscos
Christovam Barcellos, vice-diretor do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e membro da equipe do Monitora Covid-19, afirma que o pico da doença deve acontecer em maio, de acordo com dados da fundação, coincidindo com o período de afrouxamento.
“Primeiro, em São Paulo estamos dentro da curva prevista e a tendência, quando observamos com outras cidades no mundo, é de desaceleração, mas o pico não chegou ainda – deve acontecer no meio de maio”, aponta. “Depois, é preciso ter em mente que a curva descendente de contaminação é muito mais lenta do que a subida e vai demorar mais para acontecer.”
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Ele também afirma que “diante da irresponsabilidade do governo federal, cada estado está assumindo uma política de restrição flexibilização das medidas” e que o “estado de São Paulo está trabalhando com as informações que tem”.
Para Mérces, como ninguém tem experiência no assunto, “tudo fica no campo do achismo”.
“É a prática que vai mostrar se temos maturidade e consciência para sair. Do ponto de vista jurídico, o risco é muito alto. Se a liberação for uma fracasso, o problema social será gigantesco – e o número de desempregados vai aumentar ainda mais”, ressalta.
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Para Ganem, o risco se dá com a desproporção entre número de acometidos pela doença na forma grave (com necessidade de uso de ventilador) e a falta de leitos disponíveis para acolher os pacientes.
“Se essa relação aumentar muito, o comitê do estado deve solicitar o isolamento novamente. Com uma patologia de repercussão tão desconhecida, não existe receita de bolo. Temos que testar e ter maturidade de voltar atrás independente da decisão”, explica.
Outra questão que agravou a crise e aumentou a incerteza foi a expectativa de imunidade. “A ideia era de que quem fosse testado positivo ficasse imune e curado – mesmo que com o tempo – mas isso ainda não foi comprovado. Se fosse verdade, era possível contar com uma volta à normalidade mais rápida”, diz Barcellos.
Ritmo de contágio ainda não apresenta estabilidade
A epidemia é dinâmica e o vírus tem uma taxa de contágio alta. O chamado R0, ou seja, número médio de pessoas contaminadas a partir de uma pessoa doente, é de 2,74, segundo dados da Fiocruz.
Mas um estudo feito pelo Imperial College de Londres estima que o Brasil tem a taxa de transmissão um pouco maior, no patamar de 2,81: o que a torna a maior do mundo.
Já a proporção entre o número de mortes pelo número total de doentes, no Brasil, é de 6,9. Em São Paulo, chega a 8,6, segundo dados colhidos no último dia 30 pela Fiocruz.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, do dia 4 de maio, a região Sudeste é a que conta com mais casos confirmados, seguida por Norte e Nordeste. Os estados com mais casos confirmados são São Paulo (31.772), Rio de Janeiro (11.139) e Pernambuco (8.643).
Confira as curvas dos casos acumulados no Brasil e nos três estados com mais casos no país, de acordo com dados da Fiocruz do dia 3 de maio:
As linhas não são do mesmo tamanho, porque o dia 1 representa o dia em que o primeiro caso do coronavírus foi identificado em cada estado e o desenvolvimento do vírus não é igual em todas as localidades. Assim, enquanto São Paulo está no dia 67 da pandemia, Ceará está no dia 48, por exemplo.
Agora, veja o gráfico que mostra os números de novos casos diários, também divulgado pela Fiocruz:
Barcellos explica que o gráfico, que mostra a média de novos casos dos últimos sete dias, já começa a apresentar a tendência de estabilidade esperada para São Paulo. “Estamos na fase exponencial. Nas próximas semanas a curva pode de fato estabilizar, dependendo das medidas tomadas”, afirma. Nesse caso, os dados da Fiocruz são do dia 2 de maio.
Como deve ser a flexibilização
O afrouxamento precisa ser estratégico, segundo Ganem. “Temos que trabalhar com horários alternativos, dias alternados, não coincidir picos de transporte público”.
Mérces admite que acertar o momento de abertura sempre vai ser um desafio. “Tudo é dúvida. Então, o relaxamento precisa ser flexível, com atividades funcionando menos horas no dia, por exemplo.
A saída da quarentena também inclui o comportamento das pessoas, e Barcellos diz que São Paulo está fazendo um “trabalho responsável diante da pandemia, mas decreto não faz as pessoas mudarem de comportamento”. Segundo ele, a conscientização é um “processo de adesão ao novo hábito e precisa de tempo”.
“É como o fumo. Se alguém fuma cigarro prejudica sua saúde, mas não pode fumar dentro de shopping e restaurante, por exemplo. Com o tempo virou regra da sociedade. Quer sair sem máscara? Assuma os riscos, mas em contato com várias pessoas, use”, afirma Barcellos.
A infecção é um problema comunitário: quanto menos contato com o vírus, teoricamente, menos contaminação acontecerá. “A sociedade precisa tomar consciência. A máscara é uma barreira para evitar uma carga viral. Não temos remédios, nem vacinas. Precisamos de todos os mecanismos de proteção que temos disponíveis. No mundo ideal, todo mundo teria contato com o vírus, desenvolveriam anticorpos e ficariam imunizados. Mas o vírus não funciona assim e ataca corpos mais frágeis”, explica Ganem.
Barcellos reforça que um bom programa de comunicação é crucial. “As pessoas estão em casa vendo na televisão as autoridades subestimando a doença. Então, precisamos incluir anúncios responsáveis, cartazes, entre outros. Em um momento como esse todas as partes precisam se responsabilizar rapidamente”.
A Fiesp elaborou e divulgou um plano para que a saída da quarentena seja controlada. Rebelo ressalta que o plano segue as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e que a prioridade são as pessoas.
“Não implementamos data, isso fica com as autoridades, mas organizamos os protocolos para reduzir a proliferação do vírus pós abertura. O mundo não será o mesmo depois. São sugestões de comportamento no transporte coletivo, individual, escolas, trabalho”, diz Rebelo.
Na prática, o documento orienta a aplicação de regras de distanciamento como: evitar reuniões grandes, preferir reuniões virtuais, incentivar home office, controlar entrada nas lojas de varejo, manter grupos de risco e infectados em quarentena domiciliar, seguir com a suspensão de eventos de grande número de pessoas.
O governo e a prefeitura de SP já editaram o decreto que obriga o uso de máscaras da população. “Os estados e municípios têm autonomia para tratar da pandemia como acharem melhor. É dever do estado prover a saúde, assim, depois de exigir o uso para proteger as pessoas, seria ideal que o mesmo fizesse a distribuição de máscara em postos de saúde, como faz com camisinhas”, afirma a advogada.
Além disso, publicado o decreto, o estado pode impor consequências criminais para quem desobedecer as regras. “O código penal prevê, no artigo 268, que o poder público pode definir regras para impedir propagação de doenças infectocontagiosas. E o enquadramento penal é de um mês a um ano mais uma multa”, explica Mérces.
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