Ser sustentável nunca foi tão lucrativo – mas ainda há entraves. Entenda

Os investimentos ESG estão tão em alta quanto as temperaturas do planeta. Mas o tema ainda desperta muitas dúvidas

Mariana Amaro

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Investimentos sustentáveis estão crescendo mais que os investimentos tradicionais – só nos Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália e Europa essa modalidade chegou a US$ 35 trilhões – um crescimento de 15% em dois anos. E mais: segundo o levantamento PwC Global ESG Survey divulgado ontem (21), 79% dos investidores afirmam que a prática de ESG impacta as tomadas de decisão de investimentos e quase metade (49%) afirma que está disposta a vender os papéis das empresas que não demonstrarem ações concretas com foco em ESG e a maioria (75%) afirma que vale sacrificar a lucratividade de curto prazo em prol das questões ESG. 

Relembrando: os investimentos ESG ou investimentos sustentáveis são aqueles que seguem estratégias que vão além dos critérios tradicionais de avaliação e incorporam informações relacionadas a aspectos ambientais, sociais e de governança. 

Assim como investimentos tradicionais, aqueles chamados de ASG ou ESG buscam, além de retornos para os investidores, um alinhamento aos objetivos de desenvolvimento sustentável e um olhar social. 

Dificuldades e adaptação 

“É razoavelmente simples medir os níveis de governança de uma empresa ou ativo”, diz Claudia Yoshinaga, coordenadora do centro de estudos em finanças e do ESG Investing da FGV. De fato, existem muitos indicadores que podem ser usados para uma empresa medir seu nível de governança e transparência. Aquelas com capital aberto na Bolsa de Valores são, inclusive, classificadas de acordo com alguns desses critérios. É para informar ao investidor o seu nível de governança que servem as letras NM (Novo Mercado), N1 (Nível 1) e N2 (Nível 2) que aparecem junto com os tickers das ações no Home Broker no momento da compra. 

As empresas que usam a etiqueta de NM são aquelas que possuem apenas ações ordinárias (ON) e seguem uma série de regras de governança como a vedação à acumulação de cargos – a presidência do conselho e a direção executiva da companhia não podem ser ocupadas pela mesma pessoa, por exemplo. Ascender ao novo mercado também é sinônimo de dinheiro. O BNDES condicionou a adesão ao novo mercado para concessão de melhores condições de empréstimos, por exemplo. Mesmo assim, quase metade das empresas com capital aberto na bolsa brasileira ainda está no mercado tradicional (49%). 

Mas esta é apenas uma das letras que compõem a sigla ESG. Medir o impacto social (o “S”) e ambiental (o “E”) pode depender de uma série de fatores diferentes, a começar pela indústria ou setor de atuação de cada empresa. Uma coisa é certa: não existe consenso entre o que deveria ser considerado ambientalmente ou socialmente responsável. Ao menos não, ainda. Mas existem caminhos. 

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Um deles seria seguir os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) definidos pela ONU.

Outras entidades buscam classificar o que seriam investimentos sustentáveis. De acordo com o mais recente relatório do Global Sustainable Investment Alliance (GSIA),  investimento sustentável é um termo que inclui abordagens de investimento que consideram fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) na seleção e gestão de portfólio em determinadas estratégias de investimento sustentável ou responsável. Mas, mesmo essa instituição reconhece que há distinções e variações regionais sobre o uso e significado do termo investimento responsável. 

Com essa confusão, o chefe global de estratégia ESG do Credit Suisse, Daniel Wild afirmou, em entrevista, que atualmente há uma supervisão inadequada das empresas que classificam negócios com essas métricas. 

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Faltam dados

No Brasil, 69% das companhias que compõem o índice Bovespa divulgam metas relacionadas à temática ESG em seus relatórios anuais. O dado é da consultoria PwC, no estudo Divulgações de ESG no Ibovespa. Contudo, 43% das companhias que divulgam esses dados não os submetem a processos de verificação.

Para Claudia Yoshinaga, da FGV, os novos consumidores e investidores estão mais preocupados com o meio ambiente e são mais dispostos a mudar seus hábitos e escolhas. “Acredito que haverá uma cobrança e pressão ainda maiores a partir do momento em que esses jovens se tornem clientes e entrem para a força de trabalho”, diz Claudia. 

Rodrigo Viñau, da Mazars, acredita que a mudança geracional está alavancando a transformação de um capitalismo tradicional para um mais consciente, preocupado em atender questões que os stakholders trazem. “As empresas sempre vão buscar lucro, a diferença é que agora precisam incluir na equação aspectos ambientais e sociais para continuarem relevantes”. Para Viñau, vivíamos um falso dilema entre ser sustentável ou ter lucro. “Estamos vivendo uma mudança de posição. As empresas que ainda trabalham da mesma forma que faziam no século passado podem acabar ficando para trás”, diz. 

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Do ponto de vista do investidor, para Monica, existem cada vez mais estruturas que as empresas utilizam para medir seu nível de impacto e seu comprometimento de melhora. “O investidor tem como usar essas métricas ESG para tomar as melhores decisões para seus investimentos”, diz Monica. Essas métricas, no entanto, são limitadas aos pontos que variam de indústria para indústria. “Não dá para medir uma fábrica de brinquedos e a indústria agrícola da mesma forma. Mas os instrumentos estão ficando cada vez mais afiados, abrangentes e convergindo para alguns pontos em comum”, diz Monica. 

Para ela, a agenda do consumidor ainda é diferente da agenda do investidor. “O investidor, quando faz um rating, está pensando em como vai minimizar o risco do investimento financeiro dele. Já o consumidor, trabalha com mídias sociais, boca a boca, de uma forma fragmentada. Entre a sugestão do vizinho e o fake news recebido por whatsapp existe um leque enorme de informações”, diz Monica. 

Mudança de tempos

Para Monica, algo que também está mudando com as novas gerações é a ideia de que ao chegar ao trabalho, “pendurava-se” os seus valores do lado de fora e só era possível resgatá-los no fim do expediente. “Hoje, as empresas sabem que para reter talentos, terão que cumprir com as expectativas dessa força de trabalho. O setor financeiro ainda está um pouco distante disso. O analista toma uma decisão e pode não ver o impacto daquele investimento de poluir ou criar um produto tóxico, mas isso não é mais desculpa. Nós sabemos da complexidade das coisas. Se acabassem com o plástico, por exemplo, como faríamos a distribuição em segurança de alimentos e remédios? São questões difíceis que requerem análises e essa é uma responsabilidade que o setor financeiro e os grandes investidores estão sendo levados a pensar”, diz Monica. “Um investidor que investiu na indústria tabagista e ganhou muito dinheiro com isso, por exemplo, não era questionado sobre isso. Os questionados eram os produtores. Mas quem paga a conta de tudo isso é a sociedade. Não existe jogar o lixo fora, porque não tem ‘fora’, o lixo precisa ser tratado de alguma forma. E os consumidores estão começando a perceber isso”, afirma Monica. 

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Para Steve Bullock, líder do time de Inovação e Soluções ESG na S&P Global Sustainable1, os consumidores e pequenos investidores têm uma importante missão ao decidir como querem aplicar seu dinheiro. “Ao fazer uma compra ou um investimento em um fundo de pensão, por exemplo, estão tomando decisões importantes. Os jovens estão exigindo responsabilização. E as empresas perceberam que o risco climático é um risco financeiro”, diz Bullock, que informa que 66% das grandes companhias no mundo já têm ao menos um ativo em risco por causa de mudanças climáticas. “Para os consumidores, se existe uma forma de reduzir a pegada de carbono, os consumidores buscarão isso”, diz Steve Bullock. 

“O risco climático é um risco financeiro”, diz Steve Bullock

Caminhos possíveis

Nos últimos dias de novembro, com a COP 26, em Glasgow, na Irlanda, foi feito um novo rascunho de acordo para frear as mudanças climáticas. Claudia, no entanto, vê os resultados da COP com ceticismo. “A gente fala de mudanças que são compromissos de empresas e países para 2050, 2060. Com isso, caímos num aspecto comportamental de as pessoas serem otimistas com relação ao futuro. Até lá, acreditam, a vida vai estar melhor, vai dar tudo certo. É um futuro distante, então não precisamos começar agora. Aí o governante que assina a meta pensa que pode deixar para o próximo. Assim como nós pensamos que queremos começar a fazer exercícios, mas deixamos para amanhã. E se esse amanhã não chegar ou chegar tarde demais?”, questiona Claudia.  

Monica levanta outro aspecto: “o grande desafio do investidor será separar o que é promessa do que é factível”, diz. Muitos dos investidores em ESG são justamente fundos de pensão, que olham 20 ou 30 anos para frente. “Esses caras estão olhando investimentos de longo prazo e vão estar de olho no que as empresas estão prometendo”, diz. 

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Enquanto representantes de governos e empresas conversam sobre metas, consumidores e investidores procuram tomar atitudes mais conscientes sobre seu impacto no meio ambiente. De acordo com o estudo NextGen, do Credit Suisse, 87% das pessoas classificadas como millennials acreditam que as empresas devem tratar questões sociais e ambientais com urgência. 

E mais: uma pesquisa da empresa de embalagens DS Smith, Millennials and the circular economy (Millennials e a economia circular, em tradução livre), concluiu que 75% dos consumidores dessa faixa etária estão dispostos a pagar mais por produtos ambientalmente corretos. A geração dos nascidos entre 1981 e 1999 também adota essa postura quando o assunto é investimento. 

Segundo um relatório do Morgan Stanley, 75% dos millennials acreditam que seus investimentos podem influenciar as mudanças climáticas, 84% acreditam que seus investimentos podem ajudar a tirar pessoas da pobreza e 61% tomaram ao menos uma medida de investimentos voltada para a sustentabilidade no ano anterior. 

Todos esses dados poderiam ser irrelevantes para empresas que buscam investidores e consumidores, não fosse o fato de essa geração representar 75% da força de trabalho apenas nos Estados Unidos até o ano de 2025. Sendo este o caso, a conclusão só pode ser que quem não adotar práticas sustentáveis pode ficar para trás. 

Mariana Amaro

Editora de Negócios do InfoMoney e apresentadora do podcast Do Zero ao Topo. Cobre negócios e inovação.