Propostas para elevar meta de inflação opõem economistas em todo o mundo

Debate está entre temor de perda de credibilidade de BCs e impactos de juros nas economias ante inflação estruturalmente mais alta

Roberto de Lira

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O Conselho Monetário Nacional (CMN) se reúne nesta quinta-feira (16) e deve ao menos discutir prós e contras de uma mudança nas metas de inflação. Como em qualquer discussão macroeconômica no Brasil nos últimos anos, essa ideia está carregada de um forte componente político, especialmente após declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a política de juros do Banco Central. Mas a discussão está longe de ser uma “jabuticaba”, típica do Brasil. Propostas similares têm surgido globalmente, especialmente após a crise de 2008 e 2009 e ganharam ainda mais força após a pandemia de covid-19.

Basicamente existem duas forças antagônicas nesse debate, que praticamente espelham as divergências entre as visões ortodoxas e heterodoxas da economia.

De um lado estão os que defendem a credibilidade dos formuladores da política monetária, a autonomia de suas decisões e a transparência das regras, importantes para a definição de expectativas de inflação. Esses motivos estão alinhados à própria concepção do regime de metas, adotado pela primeira vez na Nova Zelândia em 1990.

Na outra ponta estão os especialistas que se preocupam se um busca obsessiva por uma meta difícil de ser atingida poderia levar a um política de juros excessivamente agressiva, com impactos pesados para a atividade do país. Eles alegam que mudanças estruturais na economia nos último anos pode ter mexido na inflação “ótima”.

Os questionamentos e as defesas desses regimes de metas têm acontecido no Brasil, nos Estados Unidos, Europa, Coreia do Sul e Índia, por exemplo.

O economista Olivier Blanchard, do Peterson Institute for International Economics, por exemplo, tem defendido que a meta de 2% perseguida pelo Federal Reserve (Fed, o Banco Central do Estados Unidos) poderia subir para 3% ou 4% sem maiores riscos de alteração das expectativas e que isso seria melhor para a absorção de choques.

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Ele bateu nessa tecla em 2010, quando ainda ocupava o posto de economista chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). “Em 2010, os bancos centrais temiam perder a credibilidade se aumentassem a meta e, ao fazê-lo, permitiam que a inflação subisse da taxa de 2%. Certamente não é onde estamos hoje”, escreveu em artigo recente.

Já Dean Baker, economista sênior do Center for Economic and Policy Research em Washington, disse em outro artigo há poucas semanas que ele ficaria bem se o Fed simplesmente voltasse a dizer que está comprometido com a estabilidade de preços como um conceito indefinido – esse era o modelo do BC americano ante de Ben Bernanke ter optado pela meta em 2012.

Mas Baker não é favorável a uma alteração só porque a conjuntura mudou. “Se ele (Fed) definir uma meta e depois alterá-la a qualquer momento que pareça difícil de atingir, a meta não terá muito significado”, disse. Para o economista, se o Fed pretende um dia mudar sua meta, deve fazê-lo depois de reduzir a inflação para os 2,0% atualmente propostos.

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No Brasil, a questão voltou forte após as críticas que Lula fez à manutenção da taxa Selic em 13,75% pelo Comitê de Política Monetária (Copom) no início do mês. O presidente disse que não existia nenhuma justificativa para a taxa nesse patamar e chamou a decisão de “uma vergonha”.

O comunicado do Copom só aumentou o ruído político. Ele afirmou que “a conjuntura particularmente incerta no âmbito fiscal e com expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos, demanda maior atenção na condução da política monetária”. A partir daí, a discussão escalou alguns degraus e chegou ao questionamento formal da autonomia do Banco Central. Na semana seguinte, o BC colocou na ata da reunião um reconhecimento ao esforço do novo governo no aspecto fiscal.

Esse aceno de paz também foi a tônica da entrevista que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, deu ao Roda Viva, da TV Cultura, na noite de segunda-feira (13) e no evento do BTG Pactual na terça-feira (14). “O Banco Central precisa trabalhar com o governo e vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para aproximar o Banco Central do governo”, disse na TV. “O investidor é muito apressado, é muito afoito, e acho que precisamos ter um pouco mais de boa vontade com o governo”, afirmou no evento.

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Sobre a possível mudança na meta, Campos Neto foi mais técnico. Ele lembrou que o CMN é presidido pelo ministro Fazenda, Fernando Haddad, e que tem ainda a ministra do Planejamento, Simone Tebet entre os componentes. Portanto, o BC é um voto em três e é o governo quem tem a prerrogativa de estipular a meta de inflação.

Campos Neto se colocou no grupo dos economistas que acredita ser arriscado elevar a meta quando ela não é alcançada. “O que vai acontecer naturalmente é que os agentes vão precificar a inflação futura na nova meta. Mas vão colocar um prêmio de risco do que o que já existia na meta antiga. Então, você não só não ganha folga, como perde. A gente acredita que é um instrumento que, se for feito com o objetivo de ganhar flexibilidade, vai perder flexibilidade”, afirmou no evento do BTG.

Curso natural

Para Tatiana Pinheiro, economista chefe da Galapagos Capital, esse debate de mudança de metas de inflação no Brasil não é técnico. Ela admite que é difícil falar de números “ótimos” ou de equilíbrio porque a economia é muito dinâmica e que essas definições mudam muito por fatores internos e externos. Mas reforça que o padrão hoje é de metas de 2% para a inflação em países desenvolvidos e de 3% nos emergentes ou em desenvolvimento.

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Ela disse ainda não ver hoje nenhuma explicação técnica de que o Brasil não possa chegar em 2024 com um inflação de 3% e se alinhar aos seus pares. Mas ela alerta que mudar a regra no meio do caminho nunca é bom.

Rafaela Vitória, economista chefe do Banco Inter, também prefere que essa discussão aconteça em seu ritmo e curso naturais, que seria a reunião do CMN de junho. “Sendo técnica (a discussão) não é ruim. Ruim é discutir no meio do caminho, só porque é difícil de alcançar”, afirmou. No entanto, o que deve mesmo ajudar a melhorar as expectativas de inflação, segunda a economista, é a apresentação de uma proposta sólida de arcabouço fiscal.

O economista Sergio Werlang, um dos pais do regime de metas o Brasil – foi adotado aqui em 1999, quando Armínio Fraga presidia o BC – vai na mesma linha. Em entrevistas e artigos, ele tem defendido a ampliação da meta, mas apenas após o governo apresentar um plano crível para equacionar a situação fiscal.

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A última vez que o BC alterou sua meta de inflação foi em junho de 2022, em reunião que tinha Campos Neto, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, e Esteves Pedro Colnago Júnior, Secretário Especial do Tesouro e Orçamento da Pasta. Na ocasião, a meta para 2025 foi estabelecida em 3%, no mesmo nível da prevista para 2024 e definida um ano antes.

“A decisão de estabelecer o nível da meta de inflação para 2025 em 3,00% em patamar semelhante ao de outros países emergentes e condizente com a literatura econômica de meta de inflação ótima para alguns países desenvolvidos é compatível com as reformas estruturais em curso no País.”, disse a ata da reunião