Projeções de diretores do Fed devem ajudar a montar o ‘quebra-cabeças’ dos juros

Para economistas, revisão trimestral de indicadores como PIB, desemprego, inflação e juros podem até mais importantes do que a comunicação do presidente do Fed, Jerome Powell, nesta quarta-feira

Roberto de Lira

Prédio do Federal Reserve em Washington (Foto: Joshua Roberts/Reuters)
Prédio do Federal Reserve em Washington (Foto: Joshua Roberts/Reuters)

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Para que lado vai o Fomc, o comitê de política monetária dos Estados Unidos? Essa pergunta tem sido repetida por todos no mercado financeiro global nas últimas semanas e a principal dúvida é se os diretores vão mudar substancialmente suas projeções para a inflação e os juros na reunião desta 3ª e 4ª feiras.

Para muitos, isso é ainda mais importante do que acompanhar a própria decisão sobre a taxa de juros – que deve ser novamente de manutenção – ou a posterior entrevista coletiva do presidente do Fed, Jerome Powell, que deve novamente apelar para a prudência antes de começar a cortas as taxas, conforme economistas consultados pelo InfoMoney.

A cada três meses, a diretoria do comitê renova suas projeções de atividade econômica, desemprego, juros e inflação medida pelo PCE. Na última vez que o gráfico de pontos (“dot plot”) foi divulgado, em dezembro, a indicação foi que os juros deveriam cair 0,75 ponto percentual em 2024, o que foi entendido como um “orçamento” de três cortes de 0,25 p.p.

Mas com os últimos dados de atividade e emprego ainda aquecidos e uma constatação da inflação resiliente, em especial a de serviços, o pessimismo sobre o início dos cortes – hoje precificado para junho – começou a ser estendido para o tamanho da flexibilização.

Comunicação cautelosa

“Com as recentes surpresas altistas, o risco na projeção de inflação é para cima, o que aumenta, sim, a chance de redução do tamanho dos cortes de juros”, avalia Andressa Durão, economista ASA Investments, que pondera considerar esse cenário como “alternativo”.

Ela também diz acreditar que Powell não deve mudar muito sua principal mensagem, de que precisam de mais dados para terem confiança na desaceleração da inflação em direção à meta. “Mas deve dizer isso de forma que indique, indiretamente, que junho é uma opção melhor que maio”, estima.

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Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, está com uma visão similar. Ele diz ver com bons olhos uma postura ainda mais cautelosa do Fed nesta reunião. “Powell deve mencionar a persistência da inflação e reforçar o discurso de que é necessário mais confiança na trajetória de preços antes de cortar juros. É provável que os ‘dots’ mostrem menos de 3 cortes até o fim do ano”, adverte.

Para a economista, o ritmo de desaceleração da inflação visto até agora é insuficiente para um corte de juros nos próximos meses. “Acreditamos que o início do ciclo de cortes pode ocorrer no segundo semestre. Mas está aumentando a possibilidade de não haver cortes neste ano, caso a inflação continue persistente”, afirma.

Gustavo Sung, economista chefe da Suno Research, também acredita que “cautela” será a palavra-chave da comunicação do Fed.

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“Powell deverá repetir o discurso realizado recentemente para o Congresso norte-americano, que autoridade monetária precisa de mais dados para confirmar e se sentir mais confiante de que a inflação está se movendo de forma sustentável em direção à meta de longo prazo, de 2,0%, antes de tomar qualquer decisão sobre o juro”, comenta.

Ele lembra ainda que Powell disse aos parlamentares que o Fomc enfrenta um dilema: se o Fed afrouxar a política monetária prematuramente, pode gerar um descontrole de preços. Mas se aguardar muito para cortar os juros, poderá comprometer a atividade econômica.

“Dado que a atividade econômica e o mercado de trabalho continuam sustentando a economia, mesmo com as taxas de juros em níveis elevados, o Fed não terá pressa em tomar decisões”, afirma Sung.

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Essa sinalização pelo Fed de não estar com pressa também está em relatório do Bradesco. “A inflação ao consumidor seguiu pressionada em fevereiro, acelerando na margem. Grande parte dessa dinâmica pode ser atribuída às maiores pressões em energia e combustíveis, mas o núcleo avançou 0,4%, superando as expectativas e mantendo o mesmo ritmo do mês anterior”, destaca o texto

Para o banco, a inflação ainda pressionada e acima da meta de 2,0% reforça a adoção de cautela do Fed na condução da política monetária. “Nossa expectativa é que o primeiro corte de 0,25 p.p. ocorra apenas em junho”, diz o Bradesco.

Projeções de inflação

A leitura do Bank of America (BofA) é que o Fed pode estar com menos confiança na inflação do que antes, mas que ainda acredita na tendência de desinflação. Embora o banco de investimentos mantenha sua previsão de três cortes nas taxas neste ano, começando em junho, o relatório assinado pelo economista Michael Gapen admite que há riscos de atraso na projeção.

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“Esperamos que o Fed reveja as suas perspectivas a favor de um crescimento mais forte e de uma inflação mais firme, deixando o desemprego perto dos mínimos de várias décadas. Pensamos que ainda vai orientar os mercados para um ciclo de cortes que comece em junho, mas o risco é que adie os cortes”, diz o texto.

Para o gráfico de pontos, o BofA espera que os diretores elevem levemente o PCE principal, de 2,4% para 2,5%, neste ano, e para 2,6%, em 2025, mas que o comitê continue a projetar que a inflação atinja 2,0% até 2026. Para os juros, deverá ser mantida a previsão de três cortes, com o risco de ser menos que isso.

Para Luis Cezário, economista chefe da Asset 1, dada a incerteza elevada e a volatilidade dos dados, os membros do Fed não vão querer retirar a possibilidade de corte de juros em junho, e optarão por ganhar mais tempo para analisarem melhor os dados que serão divulgados nos próximos meses.

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“Acreditamos que uma eventual mudança da mediana na direção de uma menor redução de juros neste ano indicaria ao mercado que é improvável que o Fed comece a cortar a taxa em junho. Uma sinalização neste sentido certamente levaria a uma reprecificação adicional da curva de juros e a um aperto das condições financeiras”, explica.

Na Kínitro Capital, a expectativa é que aconteça uma elevação nas projeções do PIB de 2024, hoje em 1,4%, para algo perto de 1,8%. Para a taxa de desemprego, a estimativa é que seja mantida em 4,1%.

O grande debate se dá em torno da revisão em relação a projeção do núcleo da inflação para este ano. “Os analistas do mercado estão divididos em relação a essa projeção. Aqueles com a visão mais benigna acreditam na manutenção em 2,4% e aqueles com a visão mais ‘hawkish’ acreditam que a projeção pode subir para até 2,7%”, diz a Kínitro, que aposta numa revisão leve, para uma inflação de  2,5% esse ano.

“Assim, acreditamos ser mais provável que os ‘dots’ não sejam modificados e continuem apontando para 3 cortes de juros esse ano. Também não acreditamos em mudanças nos ‘dots’ de 2025 e 2026.”

“Powell pode ser mais duro (‘hawkish’) na sua conferência, sinalizando que o Fed pode esperar mais para iniciar o ciclo de cortes de juros”

Credibilidade

Já Rodrigo Azevedo, economista chefe da GT Capital, pondera que a inflação ao consumidor (CPI) de fevereiro registrou um avanço acima do esperado pelo mercado, mas em um sentido qualitativo melhor em relação aos componentes de serviços. Isso, segundo ele ainda não dá a confiança necessária para cravar o momento do início dos cortes ou mesmo o tamanho da flexibilização.

“Desta forma a expectativa segue para um corte de 75 bps na reunião de junho, porém ainda dependendo de uma confirmação da desinflação de serviços, números que continuam em amostragem.”

Em relação a inflação, ele diz que pode haver uma revisão do PCE para cima, porém com a chance de o Fed não querer passar uma mensagem mais ‘hawk’ [dura] do que a atual, “o que seria um incentivo para manter as projeções estáveis”.

Sobre a mensagem de Powell na coletiva de imprensa Azevedo acredita que a fala deverá seguir uma linha cautelosa e no sentido de que ainda é necessária uma convicção maior do processo de desinflação antes de tomar a decisão de corte. “Afinal, errar numa decisão de início de ciclo de cortes tem um peso muito grande, inclusive de credibilidade. E, uma vez que se tem uma economia relativamente forte, não há muito incentivo para uma antecipação.”