Prévia de inflação pior que a esperada reforça projeção de Selic alta por mais tempo

Variação de serviços subjacentes, como seguros de automóveis, foi maior que a esperada, assim como a alta das passagens aéreas; análise de economistas é que o Copom vai continuar em modo de espera

Roberto de Lira

Aeronave da Gol no aeroporto de Brasília; preços de passagens aéreas surpreendeu para cima (Foto: Adriano Machado/Reuters)
Aeronave da Gol no aeroporto de Brasília; preços de passagens aéreas surpreendeu para cima (Foto: Adriano Machado/Reuters)

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O IPCA-15 de julho acima do esperado pelo mercado, embora motivado por itens considerados voláteis, reforça as projeções de que o Banco Central deverá manter a taxa Selic no atual patamar restritivo de 10,5% por um período prolongado, dizem economistas. Mas ao menos por enquanto os especialistas não acreditam em risco real de o BC ser obrigado a discutir uma alta dos juros.

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Além do indicador cheio de 0,30% em julho ter superado a mediana de 0,23% calculada pelo mercado, Mirella Hirakawa, coordenadora de pesquisa da Buysidebrazil, comenta que a composição também veio pior que a estimada, principalmente quando observadas as medidas de serviços subjacentes e a média dos núcleos.

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Ela cita que, na medida subjacente de serviços, a surpresa de alta foi de 5 pontos-base, com uma variação de 0,58% ante expectativa de 0,35%. A leitura que exclui a alimentação fora do domicílio foi ainda mais surpreendente, com alta estimativa de 0,36% e índice anunciado de 0,70%.

Ao mesmo tempo, na média dos núcleos, era esperada uma variação de 0,24% e veio 0,34%, com a pressão de itens voláteis, como passagens aéreas (+19,2% ante projeção de +8%).

“Gasolina também teve surpresa relevante, lembrando que teve reajuste da Petrobras impactando os números e possivelmente com repasse mais rápido do que as nossas projeções”, detalha Mirella, que cita ainda os primeiros impactos da bandeira tarifária no patamar amarelo em julho.

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Embora o comportamento dos preços não deva mudar a decisão do Copom na semana que vem, a economista acredita que o BC deva comentar a composição pior da inflação em julho. Ela lembra que, no Relatório Trimestral de Inflação divulgado em junho, a projeção para o IPCA fechado de julho era de 0,12%. “A gente não sabe ainda o IPCA de julho, mas só essa divulgação do IPCA-15 já atribui um viés altista”, comenta.

Selic alta por mais tempo

Tatiana Pinheiro, economista chefe de Brasil da Galapagos Capital, por sua vez, avalia que a surpresa de alta do IPCA-15 foi devida à deflação em alimentos menor que as pesquisas indicavam e aos serviços, especialmente pelas variações passagens aéreas e dos serviços bancários.

Ela pondera que a inflação de serviços intensivos em mão-de-obra ficou estável, mas em patamar ainda elevado, de 5,72% anualizados.

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“Como resultado da pior composição da inflação, a média dos núcleos subiu para 0,34% no mês e 4,16% anualizados. Esse número reforça a estratégia de taxa de juros alta por mais tempo do BC. A decisão de política monetária na próxima quarta deve manter a Selic em 10,5%”, prevê.

Leonardo Costa, economista do ASA, também comenta que o qualitativo do indicador veio bem pior que o esperado, especialmente em serviços, indicando a dificuldade da desaceleração dos núcleos de inflação.

O ASA reviu sua estimativa para o IPCA de julho de 0,26% para 0,37% e avisa que a inflação fechada de 2024 e de 2025, hoje estimada em 4%, também está com viés de alta.

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A partir dos dados divulgados hoje, Igor Cadilhac, economista do PicPay, diz que será difícil para o Banco Central adotar na semana que vem um tom moderado, diante da recente piora inflacionária e das incertezas em relação às expectativas futuras.

No entanto, ele disse que está mantendo sua projeção de 4,3% para o IPCA em 2024. Entre os riscos de alta, ele lista a maior resiliência na inflação de serviços em função de um hiato do produto mais apertado, a desvalorização cambial e desancoragem das expectativas em um contexto de percepção de risco fiscal.

Atenção para o câmbio

Para o Bradesco, mesmo com a inflação subindo mais do que o esperado, o cenário projetado não deve sofrer alteração porque a surpresa foi concentrada em itens bastante voláteis, não mudando drasticamente a dinâmica esperada da inflação.

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“A depreciação cambial recente é um fator de risco. Porém, nossa Pesquisa Empresarial indica baixa intensão de repasse por parte dos empresários. Esperamos que o IPCA termine o ano com alta de 4,1%”, projeta o banco em relatório.

Para o Itaú, a aceleração dos serviços subjacentes em julho mostra que a mínima do ano deve ter sido alcançada em junho. “Para frente, esperamos que o componente de serviços siga pressionado, refletindo o mercado de trabalho apertado. Também esperamos aceleração dos bens industriais, refletindo o câmbio mais depreciado”, diz o banco.

Lucas Barbosa, economista da AZ Quest, acredita que o BC deve receber os dados de hoje de forma mista, com preocupação sobre os serviços subjacentes, como seguro automotivo, mas o núcleo de mão de obra com dinâmica um pouco melhor nas últimas leituras.

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“Para a reunião da semana que vem, a gente tem expectativa de manutenção [da taxa Selic], sem grandes influências desse número. Vai ser superimportante ver como o BC vai se comunicar nesse cenário de itens voláteis surpreendendo e core de serviços bastante resiliente”, comenta.

 Para Rafaela Vitória, economista chefe do Inter, apesar de a inflação ter ficado acima do esperado, a política monetária permanece em patamar bastante restritivo, o que reduz um cenário para alta de juros pelo Copom.

No entanto, ela pondera que está claro que o impulso fiscal recente, com o forte aumento das despesas públicas no ambiente de mercado de trabalho aquecido, tem impacto negativo na inflação, principalmente nas medidas de serviços mais sensíveis a salários.

“Juros reais acima de 6% não estão sendo suficientes para a convergência mais rápida da inflação para meta e vemos um cenário de juros altos no atual patamar de 10,5% por mais tempo”, afirma.

Ela admite que o risco no cenário atual voltou a ser uma eventual elevação nos juros. Isso caso o governo mantenha o patamar de expansão fiscal, que vem impactando tanto a taxa de câmbio, devido à percepção de maior risco pelos investidores, como estimulando a demanda em um ambiente de crescimento do PIB próximo do potencial.