Por que a inflação do IPCA não é a mesma para todos?

Professora da ESPM explica que indicador oficial de preços do Brasil é uma média e não representa a cesta de consumo de cada um

Roberto de Lira

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A deflação de 0,08% no IPCA de junho marcou o ponto mais baixo do indicador neste ano, confirmando uma tendência declinante que vem desde fevereiro, quando a inflação mensal estava em 0,84%. Mesmo com essa constatação apontada nas pesquisas do IBGE, muitos brasileiros perguntam por que não observam isso em suas compras no dia a dia. Porque existe essa percepção de que o indicador geral não nos representa?

A resposta básica, segundo Paula Sauer, professora da ESPM  e especialista em economia comportamental, é que cada pessoa ou família tem uma cesta de consumo diferente e o IPCA é uma média de preços que abrange um grande número de cidades e várias faixas de renda.

De fato, a inflação oficial medida pelo IBGE e usada pelo Banco Central em seu regime de metas se refere a um universo de famílias com rendimento monetário de 1 a 40 salários-mínimos, abrangendo dez regiões metropolitanas do país – além dos municípios de Goiânia, Campo Grande, Rio Branco, São Luís, Aracaju e Brasília.

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“Vamos imaginar que eu pague aluguel, condomínio, faculdade e comida, que sejam essas as minhas principais despesas. Na hora que pago isso, minha despesa é diferente de alguém que tenha um idoso em casa, por exemplo. Ou que pague plano de saúde, mas não pague aluguel, não pague educação, tenha uma despesa menor com faculdade”, compara.

O comportamento do IPCA em junho espelha essa situação, destaca Paula. Ela lembra que o país teve uma supersafra agrícola, da soja principalmente, o que diminuiu o valor da ração, tendo como consequência uma diminuição do carne e do leite. “Isso vai afetar quem consome esse tipo de produto. Quem não consome isso, não percebe essa queda de preços”, afirma.

Ou seja, sempre tem produtos que tiveram uma queda de preços, mas outros com alguma elevação, mesmo que pouca. O IPCA, por exemplo, caiu o Índice Nacional da Construção Civil (INCC), calculado pela Fundação Getúlio Vargas, subiu 0,85% em junho. “Tem alguns aluguéis que não são reajustados nem pelo IPCA, nem pelo IGP-M, mas pelo INCC. O sujeito vai perguntar: onde a inflação caiu se o meu aluguel aumentou”, detalha.

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A professora reforça que o indicador geral é uma média e não vai representar a inflação de cada um. Quem quiser pode medir sua inflação pessoal. Basta colocar numa planilha de Excel tudo o que consome no mês, anotar os valores pagos e comparar com os do mês seguinte, sugere Paula.

Efeito retrovisor e emoção

Nessa questão, entra um outro aspecto nessas comparações, que está relacionado ao que a professora da ESPM chama de efeito retrovisor. “A gente tende a sempre olhar para o presente com aquela sensação do passado. E inflação é um negócio que é muito marcante na economia brasileira”, destaca.

Ela dá como exemplo, um período no qual quase toda a cesta de consumo da pessoa baixa de preço, mas especificamente a cenoura teve alta. Ela vai fixar a atenção, e a queixa, exatamente sobre aquele item. “Porque ficou muito marcado para a população brasileira o período da inflação alta. Mesmo o sujeito que não viveu esse período, teve pai e mãe que viveram e falaram disso para ele o tempo todo. Então tem aí uma questão comportamental, transgeracional, que sempre olha para o Brasil como um retrato de inflação muito grande”, contextualiza.

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Paula lembra que os lados racional e emocional eles sempre andam juntos, mas algo entre 90% e 95% das decisões que as pessoas tomam são mais baseada na emoção do que na razão.

E essa história desse passado que a gente viveu de inflação muito alta é muito forte e a gente tem uma referência muito viva na vida da gente que são os nossos pais que viveram esse cenário. Eles sempre vão olhar para a questão da inflação como uma coisa presente na vida porque eles tiveram isso muito presente.

Outra questão a ser considerada é a referência de preços com que cada um trabalha. A professora da ESPM lembra que, nos protestos de 2013 que começaram com reajustes nos preços de transporte públicos, alguns jovens questionaram se não era barulho demais por R$ 0,20. “Eu falava para fazer as contas. Quem pega dois ônibus para ir ao trabalho e outros três para voltar multiplica isso por cinco dias da semana e depois por quatro semanas por mês. Vai ver o quanto 20 centavos a mais significa para o salário dele no final do mês”, compara.

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As referências não são apenas regionais dentro do Brasil ou de acordo com classe sociais. Também há diferentes percepções sobre a inflação nos países. Na última pesquisa “Monitor Global de Inflação” da Ipsos, feita em maio em 29 países, isso também ficou claro.

Numa pergunta sobre expectativas para os custos de alimentos no próximo ano, a maioria dos entrevistados disseram esperar uma alta, com expectativas mais fortes na Grã-Bretanha, Argentina e Austrália. As exceções foram Coreia do Sul, Japão e Brasil, com mais respostas de expectativas de queda.

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