PIB brasileiro no século 20 pode ter sido menor que o divulgado

Estudo de economistas indica um crescimento anual médio de 4,9% entre 1900 e 1980, abaixo dos 5,7% da série estatística atualmente aceita

Estadão Conteúdo

(NatanaelGinting/Getty Images)
(NatanaelGinting/Getty Images)

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O crescimento econômico do Brasil de 1900 a 1980, tido como um dos mais rápidos do mundo, pode não ter sido tão acelerado. Pesquisa dos professores Edmar Bacha, integrante da equipe que formulou o Plano Real, Guilherme Tombolo, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e Flávio Versiani, da Universidade de Brasília (UnB), aponta que o período do “milagre econômico” pode não ter sido tão grande.

Isso sugere, em meio ao bicentenário da Independência, que o desempenho da economia do Império, no século 19, pode ter sido melhor do que o consenso atual.

As contas de Bacha, Tombolo e Versiani – os primeiros resultados foram publicados no fim de agosto em um texto para discussão no site do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças – indicam um crescimento anual médio de 4,9% entre 1900 e 1980, abaixo dos 5,7% da série estatística atualmente aceita.

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A principal explicação para a diferença é que a metodologia de cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), em boa parte do século passado, não considerou atividades relacionadas ao governo, à intermediação financeira e aos aluguéis. A reestimativa procura incorporar essas atividades – o que explica a revisão do desempenho.

É consenso que a economia brasileira ficou praticamente estagnada no século 19. No século 20, se destacou com um dos ritmos de crescimento mais acelerados do mundo, mas voltou à estagnação de 1980 até hoje. No início deste ano, os professores Marcelo de Paiva Abreu e Luiz Aranha Corrêa do Lago, da PUC-Rio, e André Arruda Villela, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), publicaram o livro A Passos Lentos, sobre a economia do Brasil durante o Império.

Em agosto, Bacha, Tombolo e Versiani sugeriram que essa dinâmica, marcada por “quebras estruturais extraordinárias” no ritmo de crescimento, passando da estagnação ou lentidão ao avanço acelerado, não passa de “ilusão estatística”.

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Uma expansão menos acelerada de 1900 a 1980 implica um ritmo melhor no século 19 – a pesquisa inclui a reestimativa para o século retrasado e será apresentada num artigo científico que deverá ser publicado ainda este ano.

Vácuo

A reestimativa para tempos mais remotos é mais difícil porque faltam dados. “Para o século 19, não temos quantidades, estatísticas de produção. Só de exportação e importação. Produção interna, não temos”, diz Bacha, que é membro Academia Brasileira de Letras (ABL).

Justamente porque há menos informação sobre o século 19, “um dos argumentos para justificar a estagnação” da economia do Império era “aceitar” o acelerado crescimento do século 20, diz Bacha. Afinal, para crescer tanto, o PIB de 1900 tinha de ser “muito baixinho” – o que dá força à noção de que a economia havia crescido mais no século anterior.

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Professor de história econômica na FGV, Thales Zamberlan Pereira acha improvável que reestimativas sobre o século 19 apontem crescimento muito mais acelerado. Esse cenário é condizente com a estabilidade econômica que se seguiu à abdicação de d. Pedro I, em 1831, após um período de crise, com inflação alta e atrasos de salários terem ajudado a impulsionar o movimento de Independência em 1822. Pereira e o jornalista Rafael Cariello descrevem esse quadro de 200 anos atrás no livro Adeus, senhor Portugal, lançado por conta do bicentenário da Independência.

Para o professor da FGV, apurar os cálculos sobre o crescimento econômico no século 19 é um importante trabalho de pesquisa para a história econômica. Mesmo assim, para Pereira, as reestimativas dificilmente farão diferença no entendimento sobre a economia daquela época.

‘Ilusão estatística’

A “ilusão estatística” sobre a economia do século 20 sugerida pelos economistas foi alimentada por uma mudança metodológica feita, em 1969, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), responsável pelo cálculo do PIB entre 1947 e 1980.

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A mudança ajudou a elevar o crescimento durante a fase mais brutal da ditadura militar. Pelas estatísticas atuais, a economia avançou, entre 1968 e 1973, ao ritmo de 11,5% ao ano, de fazer inveja ao desempenho recente da China. Na reestimativa proposta por Bacha, Tombolo e Versiani, o crescimento médio anual no período foi de 9,3%.

“Mudaram as contas justamente em 1969. Não vou muito além, mas é muito curioso”, afirma Bacha, ao ser questionado se o “viés” estatístico pode ter sido usado para beneficiar politicamente a ditadura militar. “Ter mudado a metodologia facilitou a ideia do milagre”, completa.

Apesar das revisões, Bacha destaca que o crescimento econômico do Brasil no século 20 segue “muito bom”. Segundo o banco de dados do Projeto Maddison – pesquisa da Universidade de Groningen, na Holanda, dedicada à compilação de dados históricos sobre a atividade econômica de diversos países -, o crescimento global foi de 3,2% ao ano, na média de 1900 a 1980.

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“Cresceu bem mais do que o mundo. É respeitável. Pode não ser o maior crescimento do mundo, como o (Cláudio) Haddad (economista e autor da pesquisa que calcula a série estatística de 1900 a 1947) diz no livro, mas é um crescimento respeitável”, diz Bacha.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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