Payroll de julho indica que desaceleração é gradual e fortalece leitura de que Fed pode manter juros

Economistas apontam que salários ainda estão aquecidos, o que pode pressionar inflação; Fomc pode "pular" reunião de setembro

Roberto de Lira

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Os dados do Payroll referentes a julho vieram mistos na leitura dos economistas e comprovaram a gradual desaceleração do mercado de trabalho, que continua apertado e desafiador para a política monetária aplicada pelo Federal Reserve. Embora o dado cheio de criação de vagas, de 187 mil, tenha vindo abaixo das estimativas, a taxa de desemprego recuou e os salários se mantiveram pressionados.

Por enquanto, está mantida da projeção da maior parte dos analistas de que o Fomc deverá manter a taxa de juros inalterada na reunião de setembro, mas há dúvidas se essa parada será definitiva ou apenas uma pausa antes de um novo ajuste para cima.

A plataforma CME FedWatch, por exemplo, aponta que a probabilidade manutenção dos juros na faixa entre 5,00% e 5,25% ao ano cresceu de 82% ontem para 86,5% hoje. Há um mês, essa aposta estava em 69,1%.

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Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, destacou que, além do dado abaixo da previsão de 200 mil em julho, o Departamento de Trabalho americano revisou para baixo o número referente ao mês anterior, para 185 mil. No entanto, ela lembrou que esse patamar ainda está superior à média de 2019, período pré-pandemia, quando estava em 164 mil vagas geradas ao mês.

Outro ponto importante citado é que o número menor de contratações acompanha a menor disponibilidade de trabalhadores. A taxa de desemprego diminuiu para 3,5%, próxima à mínima da série nos últimos 40 anos.

Ao mesmo tempo, a pesquisa também mostrou que os ganhos por hora trabalhada continuam elevados, subindo 4,4% nos doze meses até julho, a mesma alta do mês anterior, o que mantém a pressão dos salários sobre a inflação.

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A economista citou ainda que outra pesquisa divulgada essa semana, a Jolts, também mostrou sinais de um mercado de trabalho desaquecendo lentamente, com o número de vagas em aberto diminuindo, mas permanecendo elevado quando comparado ao número de desempregados.

Para Claudia, esse comportamento justifica uma postura mais vigilante pelo Fed. “Nossa expectativa continua sendo de que o banco central americano eleve a taxa de juros mais uma vez até o fim do ano, levando o intervalo dos juros para de 5,5% a 5,75% ao ano. Mantemos nossa visão de que os juros permanecerão elevados por um longo tempo e não prevemos cortes antes de meados de 2024.

Andressa Durão, economista da ASA Investments, tem uma visão semelhante, observando uma continuidade do processo de desaceleração do mercado de trabalho, o que sugere que aperto o monetário está funcionando, mas com salários ainda pressionados. “A acomodação do crescimento anual dos salários em patamar elevado preocupa e traz riscos à inflação. Os próximos dados de inflação serão mais relevantes para a política monetária”, comentou.

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Para ela, os sinais mistos dos principais dados americanos reforçam a leitura de o Fed irá pular a reunião de setembro e continuar dependente de dados. “Por enquanto, acreditamos que o Fed continuará mantendo os juros no patamar atual.”

Marcelo Oliveira, co-fundador da Quantzed, alertou que os dados sobre os salários ainda vieram acima do esperado, o que é negativo, dado que o setor de serviços tem sido um dos mais preocupantes na inflação americana. “Acredito que não seja positivo para o Fed mudar a posição de continuar olhando de perto os próximos dados para decidir o que fazer na próxima reunião. Apesar de o mercado esperar uma pausa na alta dos juros, nada está garantido”, analisou.

Qualitativo melhor

Matheus Pizzani, economista da CM Capital, no entanto, ponderou que, do ponto de vista do impacto para a política monetária, a divulgação de hoje pode ser considerada positiva em termos de expectativas para os juros. “Além de ter demonstrado certa estabilidade frente ao desempenho do mês anterior, sua composição qualitativa também pode ser considerada positiva”, afirmou.

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Pizzani destacou o fato de que, apesar da abertura de vagas ter sido concentrada estritamente no setor privado, o movimento foi puxado essencialmente por setores mais sensíveis ao ciclo de atividade econômica, como nos casos do comércio e do setor de construção.

“O setor de serviços, cujo mercado se mostrava ainda muito aquecido, especialmente em segmentos que vinham pressionando a inflação, como aqueles relacionados à indústria de turismo, apresentou comportamento muito mais moderado no período, criando apenas 17 mil vagas”, comparou.

Para o economista da CM Capital, a menor pressão por parte deste setor sobre a inflação (CPI) pode ser crucial para a decisão do Fed de encerrar o ciclo de alta dos juros na próxima reunião.

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Ele também acredita que a estabilidade apresentada pelos ganhos por hora dos trabalhadores também pode ser considerada um fator positivo, mostrando que a curva dos salários nominais já começa a se estabilizar em um patamar mais “flat”, abrindo caminho inclusive para uma queda em períodos futuros.

Pizzani comentou ainda que a queda na taxa de desemprego (de 3,6% para 3,5%) não se mostra uma fator tão preocupante quanto em outros momentos. A economia norte-americana tem demonstrado que consegue compatibilizar o controle da inflação com taxas de desemprego mais baixas, em um movimento que pode ser lido como uma especial de choque estrutural no mercado de trabalho do país após a pandemia”, explicou.

Para ele, as expectativas seguem repousando sobre a hipótese de que a taxa se elevará ao longo do segundo semestre, embora a magnitude não tenha que ser tão elevada quanto se previa inicialmente sob o ponto de vista da política monetária. “Levando em consideração os padrões de crises de inflação de momentos anteriores da história, as projeções apostavam em um desemprego de 5% a 6% para que se pudesse controlar efetivamente a inflação.”

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Sávio Barbosa, economista-chefe da Kínitro Capital, também aposta que o mercado de trabalho desacelerando em um ambiente de moderação da inflação deve dar tranquilidade ao Fed para manter a taxa de juros estável na reunião de setembro. Para ele, o risco de uma economia superaquecida está reduzido.

“Persistindo essa dinâmica, a taxa deve se manter estável nos próximos meses. Esse dado corrobora nossa leitura de ‘high for longer’ (alta por mais tempo) que o ciclo de alta do Fed se encerrou na reunião de julho. Para isso se confirmar precisamos que o núcleo da inflação também fique em linha com as nossas projeções, de +0,2% mês contra mês”, disse.

Adam Hetts, gestor de portfólio da equipe Multi Ativos na Janus Henderson Investors, o Payroll de julho ainda pode ser considerado robusto, embora seja o mais baixo no período pós-pandemia. “Essa leitura, juntamente com a taxa de desemprego igualmente favorável e os ganhos médios por hora, manterá os ‘hawks’ (falcões do Fed) vigilantes”, afirmou.

Para Hetts, embora esses números impliquem uma resiliência econômica, os principais indicadores vêm sinalizando uma recessão há algum tempo. Ele destacou que o emprego é notoriamente um indicador defasado.

Para o Bradesco, o resultado foi misto e não trouxe nenhuma sinalização concreta sobre os próximos passos da política monetária, que está condicionada ao comportamento dos dados correntes.