Para reduzir ruído de divisão interna, Copom deve mostrar coesão, dizem economistas

Decisão dividida por 5 a 4 na última reunião gerou inquietações sobre compromisso com meta de inflação pela próxima gestão do BC; Selic deve ser mantida em 10,50%

Roberto de Lira

Edifício-Sede do Banco Central, em Brasília (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Edifício-Sede do Banco Central, em Brasília (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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Com uma nítida piora do cenário doméstico, mostrando expectativas de inflação subindo, depreciação cambial mais intensa e incertezas do ponto de vista fiscal, os economistas não esperam para hoje na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central nada além da manutenção da taxa Selic em 10,50%, o que pode significar inclusive o fim do ciclo de cortes iniciado em agosto do ano passado. Mais uma vez, o desafio dos diretores será a comunicação.

O principal ponto que os especialistas aguardam para o anúncio de hoje é o de uma decisão consensual, com unanimidade de votos. Isso deverá servir para reduzir os ruídos gerados na última reunião, quando o voto pela redução do ritmo de cortes de 0,50 ponto percentual para 0,25 p.p. prevaleceu por uma maioria de 5 a 4.

Ainda que uma divergência de leituras e opiniões pudesse ser considerada normal, a informação de que todos os quatro diretores indicados pelo governo Lula formaram a ponta mais “suave” do Comitê acendeu um alerta sobre o futuro da política monetária a partir de 2025, quando a ala “governista” passaria a ter maioria de 7 votos a 2.

Nas palavras de um dos analistas ouvidos pelo InfoMoney, o mercado trouxe então a preço presente o risco de “leniência” que só entraria para valer no radar no final do ano.

Para reduzir essa dúvida, o BC precisará então passar uma mensagem inequívoca de que a busca de uma inflação na meta continuará na próxima gestão da autoridade monetária. Parafraseando um ditado antigo sobre a virtude “mulher de César”, não basta o BC estar unido, precisar parecer estar unido.

Luis Otavio Leal, economista chefe do G5 Partners, comenta que a diretoria do BC vem buscando um discurso mais comum desde o ruído da decisão dividida anterior. Isso foi visto em várias falas tanto do presidente Roberto Campos Neto como dos diretores Paulo Picchetti e Gabriel Galípolo.

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“Se eu tivesse que apostar no resultado, o mais provável seria a manutenção com consenso. Mais do que mostrar uma unicidade de pensamento, é uma unicidade no conservadorismo do BC, da política monetária. Essa demonstração é extremamente importante num momento em que o futuro do BC está em jogo”, analisa.

Sobre as decisões futuras, Leal lembra que o BC, “se amarrou” num discurso difícil de sair de que não é preciso apenas que a inflação convirja para a meta, mas que as expectativas também o façam.

E essa parte “desancorou” como o mercado costuma dizer. No primeiro Boletim Focus após a reunião passada do Copom, o IPCA para 2024 estava em 3,76%, o de 2025 se encontrava em 3,66% e o de 2026 permanecia estacionado em 3,50%. Na pesquisa do BC da última segunda-feira (17), as projeções tinham subido para 3,98%, 3,80% e 3,60, respectivamente.

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“A sensação [do mercado] é de que, independentemente do que essa diretoria faça, as expectativa só convergem para meta a depender do que a próxima diretoria vai fazer. Talvez por isso é importante o consenso nessa reunião”, defende Leal, que ainda vê uma possibilidade retorno Os cortes se esse sentimento mudar, caso os juros comecem a cair em setembro nos Estados Unidos e o quadro local melhore.

A leitura da XP da necessidade de a decisão ser unânime hoje é parecida. Em relatório, é comentado que a outra votação dividida, repetindo o placar de 5 a 4 visto na última reunião do Copom, poderá afetar a credibilidade da política monetária.

“Seria razoável tentar chegar a um acordo mais consensual. Uma pausa unânime {nos cortes] para dissipar quaisquer dúvidas sobre o compromisso do Comitê”, afirma o Esquenta do Copom assinado pelo economista chefe Caio Megale, e seus colegas Rodolfo Margato e Alexandre Maluf.

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Ele também defendem que a comunicação deve reforçar a necessidade de manter as taxas mais elevadas por mais tempo e a expressão “ firme compromisso de atingir a meta de inflação no horizonte relevante”. “Para além da resposta aos dados económicos recentes, esta decisão ajudará a dissipar questões que possam ter surgido relativamente à credibilidade da política monetária”, diz o relatório.

A XP também prevê que o BC entre no modo “esperar para ver”, sem sinalizar o próximo movimento. “Se estivermos certos quanto à pausa unânime, não há razão para uma orientação sobre os passos futuros da política monetária.”

Talvez em 2025

Rafaela Vitória, economista chefe do Inter, também espera que o cenário de cautela deve levar o Copom a estender a pausa no ciclo de cortes pelas próximas reuniões, com a taxa sem alteração até o final do ano.

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“Para 2025, com o aperto monetário mais prolongado e a desaceleração da atividade, a inflação tende a voltar em tendencia de queda e o Copom pode retomar o ciclo de afrouxamento monetário”, prevê.

Segundo sua avaliação, o cenário em 2025 deve contar também com menores riscos externos com o início dos cortes pelo Fed. Com isso, a Selic poderia chegar em 9% ao final do ano que vem, considerando que a expectativa de inflação em 2026 seja mantida mais próxima do centro da meta, em torno de 3,5%.

Sobre a mensagem a ser passada hoje, Rafaela diz que “a comunicação clara e o consenso na decisão podem contribuir para aumentar a credibilidade da autoridade monetária, reduzindo incerteza que hoje vem afetando os prêmios de risco tanto na curva de juros como na deterioração das expectativas”.

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Claudia Moreno economista do C6 Bank também aguarda uma decisão unânime de manutenção da Selic em 10,50% hoje. “O BC já havia se mostrado na última reunião incomodado com a questão da desancoragem das expectativas. Campos Neto chegou a comentar em evento em seguida à reunião de que isso foi fator importante ara decisão de mudar o ritmo de cortes de juros”, comenta.

Ela afirma que uma das questões cruciais sendo debatida na reunião é a depreciação adicional da taxa de câmbio, o que acaba por afetar as projeções de inflação do BC. “Diante dessa contínua piora das expectativas de inflação, principalmente, e da depreciação do câmbio, a gente acha que o Comitê vai decidir por sinalizar que acabou o ciclo de corte de juros e manter a taxa Selic em 10,50%”, avalia.

Sobre a composição da votação, a economista do C6 Bank considera natural existir um dissenso dentro do Comitê. “Os diversos diretores podem ter opiniões diferentes e a gente não acha que isso é um problema. Mas dado que na última reunião essa divisão gerou muito ruído para o mercado, nessa decisão de agora eles devem evitar uma nova divisão”, defende.

Mas Claudia alerta que, ao observar variáveis como a deterioração adicional nas expectativas de inflação e depreciação do câmbio, ao calcular a sensibilidade dos modelos do BC e as próprias projeções para a inflação de 2025, não pode ser descartada uma elevação dos juros ainda este ano, caso ocorra uma piora.

Para Leonardo Costa, economista do ASA Investments, os principais motivadores da decisão de hoje são a piora no cenário externo, com postergação da expectativa de corte de juros nos Estados Unidos, e a piora das expectativas de IPCA. Ele também defende que o anúncio seja por unanimidade, após a piora das expectativas deflagrada com o dissenso na última reunião.

Na opinião de Marcela Rocha, economista chefe da Principal Claritas, além das dúvidas sobre a magnitude do relaxamento monetários nos EUA, existe hoje um ambiente menos propício para os emergentes. “Com isso, avaliamos que o cenário global ainda demanda cautela por parte do BC.”

No front doméstico, ela cita como pontos importantes para decisão do Copom a ainda alta inflação de serviços, os dados do mercado de trabalho ainda robusto e o impacto ainda não medido da calamidade climática no Rio Grande do Sul.

“Mas o mais importante para a inflação corrente é a depreciação cambial. Ao longo do último mês houve uma mudança de patamar da taxa de câmbio, que já pode afetar a evolução dos preços este ano e deixar a inflação com perspectivas piores. E isso numa conjuntura em que as expectativas para os próximos anos continuam deteriorando”, comenta.

Ela também acredita numa decisão consensual sobre a interrupção dos cortes na Selic e disse esperar coerência dos quatro diretores que votaram diferente na última reunião porque foi usada a justificativa que eles estavam preocupados com o custo reputacional de mudar a sinalização, o chamado “forward guidance”.

“Só que, além da coerência, essa unanimidade e também é importante para ajudar a reduzir ruído que ocorreu na última reunião. Naturalmente com essa decisão tão dividida, de 5 a 4 , e com esse quatro membros que votaram de 50 bps terem sido indicados pelo atual governo, houve uma discussão antecipada sobre qual será o rumo da política monetária numa eventual transição”, explica.

Junto com a discussão sobre a transição do BC, Marcela destaca que há dúvida sobre o rumo da política fiscal e como será endereçado o superávit ao longo dos próximos anos, além da disposição do governo para gastos. “O Copom mostrando essa coerência, unanimidade e compromisso com a meta ajudaria a reduzir parte dessas incertezas.”