Para economistas, mercado de trabalho aquecido deve manter BC cauteloso

Especialistas destacam o fortalecimento dos empregos formais em abril, mas alertam que as pressões na inflação vinda do consumo das famílias estão mantidas, com impacto na condução da política monetária

Roberto de Lira

Carteira de trabalho (Foto: Wikimedia Commons)
Carteira de trabalho (Foto: Wikimedia Commons)

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O mercado de trabalho brasileiro recebeu nesta quarta-feira (29) boas notícias, com a divulgação da taxa de desemprego no trimestre encerrado até abril, em patamar não visto há uma década e com o registro de 240 mil novas vagas de trabalho formal no mês (segundo o Caged), acima das estimativas. O rendimento do trabalho e a massa salarial também mantiveram a evolução no mês.

Para os economistas, esses dados reafirmam o aquecimento do mercado de trabalho e devem reforçar os alertas do Banco Central sobre os riscos inflacionários, tornando mais provável a manutenção do ritmo mais lento no corte da Selic na reunião do Copom de junho.

Rodolfo Margato, economista da XP, cita em análise várias leituras da PNAD em abril que mostram a força do mercado de trabalho. A principal é a taxa de desemprego, que caiu para 7,5% no trimestre móvel até abril, ante 7,9% no trimestre móvel até março, dado baixo da projeção de 7,7%.

Além disso,  a taxa estimada do desemprego mensal e dessazonalizada recuou para 7,1% em abril, ante 7,3% em março, marcando o menor nível em quase dez anos.

Ainda de acordo com a análise da XP, a população ocupada aumentou 0,6% em relação ao mês anterior, totalizando 101,7 milhões de pessoas, enquanto a força de trabalho subiu 0,2% no mesmo período, situando-se em 109,4 milhões.

“Tanto as categorias de emprego formal quanto informal têm ganhado força recentemente. O total de ocupações formais cresceu 0,4% de março para abril, totalizando 60,1 milhões. Em relação aos dados desagregados, a categoria de ‘trabalhadores do setor privado com carteira assinada’ cresceu pelo sexto mês consecutivo”, acrescenta.

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Ele projeta que a população empregada total subirá cerca de 2,5% em 2024, principalmente devido à recuperação dos setores cíclicos da atividade doméstica.

Salários em alta e risco de inflação

Mas Margato lembra que os rendimentos reais do trabalho continuam emitindo sinais de alerta. “Ajustados pela inflação, o rendimento médio habitual do trabalho saltou quase 1% em abril, após dois meses de aumento moderado. O indicador acumulou crescimento ao redor de 4,5% entre setembro de 2023 e abril de 2024”, calcula.

O economista reforça que o aumento dos rendimentos reais do trabalho representa um risco de alta para a inflação de serviços e, consequentemente, para a condução da política monetária no curto prazo. “Em geral, as condições do mercado de trabalho continuarão a impulsionar a atividade doméstica e a alimentar as preocupações do Banco Central sobre a resistência da inflação subjacente”, projeta.

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Para a XP, a projeção é de 7,5% para a taxa de desemprego no final de 2024, com viés de baixa. Já o rendimento médio real do trabalho deve subir cerca de 3% em 2024.

A mesma preocupação é citada por Claudia Moreno, economista do C6 Bank. Ela lembra que, com a taxa de desemprego em patamar historicamente baixo, os empregadores devem reajustar os salários acima dos ganhos de produtividade e repassar o aumento de custo aos preços finais. “Por isso, o mercado de trabalho deve continuar pressionando a inflação de serviços, setor mais intensivo em mão de obra”, analisa.

Diante desse cenário, o C6 Bank acredita que o Banco Central deve promover apenas mais um corte de 0,25 ponto percentual na reunião do Copom de junho, encerrando o ciclo de redução da Selic em 10,25%. “No entanto, a contínua piora das expectativas de inflação pode levar a autoridade monetária a pausar o ciclo de cortes no atual patamar de 10,5%”, adverte.

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A projeção do banco é que o PIB brasileiro cresça 2,2% em 2024 e que a taxa de desemprego permaneça estável, encerrando o ano próxima de 7%.

Emprego formal avança

Para Igor Cadilhac, economista do PicPay, os dados de hoje voltam a mostrar a resiliência do mercado de trabalho brasileiro, que se encontra no menor nível dessazonalizado desde novembro de 2014. “Qualitativamente, após três meses de queda, tanto o quadro da taxa de participação (61,9% para 62%) quanto o nível de ocupação (57% para 57,3%) voltaram a avançar em abril”, destaca.

Além disso, o economista cita que a taxa de informalidade caiu de 38,9% para 38,7%. “Esse é justamente o quadro que se espera de um mercado de trabalho robusto e saudável”, afirma.

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Ainda que também tenha citado que os rendimentos do trabalho continuam a apresentar expansão e que se encontram em patamares elevados, Cadilhac lembra que, durante a pandemia, muitos trabalhadores não tiveram um reajuste salarial condizente. Além disso, o bom comportamento dos preços atual tem contribuído para uma correção acima da inflação.

“Sendo assim, esse cenário, em conjunto com o desemprego baixo, tem contribuído para uma massa de rendimentos robusta. Pensando nas implicações para o cenário de médio prazo, a dinâmica inflacionária traz alguma preocupação, sobretudo com a nova regra do salário-mínimo”, alerta.

O PicPay espera que o mercado de trabalho continue aquecido e que resista nesse patamar historicamente baixo por mais um bom tempo. “Para 2024, projetamos uma taxa média de desemprego de 7,6%”, afirma Cadilhac.

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Leonardo Costa, economista do ASA Investments, destaca os dados Caged no mês, que apontaram para um saldo positivo bastante disseminado, com destaque para serviços, indústria e construção civil. “O mercado de trabalho segue sustentando o ritmo forte do crescimento da atividade doméstica no começo do segundo trimestre. O Caged vai em linha com o dado da PNAD, que indicam mercado bastante aquecido.”

Nos cálculos do Bradesco BBI, o rendimento médio cresceu 3,6% em termos reais na série mensal. “É um aumento significativo, depois de o rendimento ter apresentado alguma acomodação no mês anterior. Para o ano, esperamos um crescimento médio do rendimento de 4,0%, implicando alguma desaceleração daqui para frente”, diz a análise.

“O mercado de trabalho continua apertado, incluindo o crescimento do rendimento real. Esse desempenho deverá manter um bom ritmo de crescimento do consumo das famílias neste ano, que esperamos aumentar próximo de 3,0%. O PIB como um todo deverá crescer 2,3% no ano”, afirma o Bradesco BBI.

Para Rafael Perez, economista da Suno Research, um dos principais destaques no mês e no ano tem sido a expansão no número de trabalhadores com carteira assinada, que chegou a 38,2 milhões, um recorde da série histórica. “Esse comportamento do mercado formal mostra que há uma oferta maior de vagas nesse segmento, o que tem possibilitado uma melhora nas remunerações”, explica.

Ele também cita o crescimento no rendimento médio real habitual de 0,5% no mês e de 4,7% na comparação anual, além da massa salarial, que teve um avanço de 7,9% em relação a abril de 2023. “Esse aumento nos salários tem sido fundamental para manter a expansão do consumo das famílias”, destaca.

“Passado o aumento sazonal do desemprego no primeiro trimestre, observamos uma retomada do movimento de queda da taxa de desemprego, sinal da solidez do mercado de trabalho como um dos principais vetores para a expansão da demanda este ano”, diz Sung.

Para ele, o crescimento mais forte da atividade nesse começo do ano está bastante relacionado com o baixo desemprego e alta dos salários, o que tem se refletido numa expansão mais forte da economia. “Para o restante do ano esperamos um mercado de trabalho que permanece aquecido e uma taxa de desemprego que deve se acomodar nos atuais patamares”, estima.