Para economistas, cenário doméstico mostrado pelo Copom indica aceleração da Selic

Ata da reunião da semana passada frisou a opção pelo gradualismo e pela dependência dos dados, mas quadro desenhado supõe que BC deve aumentar a dose dos juros

Roberto de Lira

Sede do Banco Central em Brasília (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)
Sede do Banco Central em Brasília (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

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Embora a ata da última reunião do Copom, divulgada nesta terça-feira (24), tenha apontado que os diretores do Banco Central escolheram o caminho do gradualismo no ciclo de alta da Selic e que eles tenham reforçado a dependência dos dados como motor das futuras decisões, os economistas enxergam no detalhamento do desafiador cenário doméstico a sinalização de que o ritmo de subida será acelerado.

Em sua análise, o UBS, por exemplo, destaca que em vários parágrafos da ata, o Comitê de Política Monetária mencionou um hiato de produção mais estreito e positivo e expectativas de inflação desequilibradas e acima da meta.

Esse chamado hiato ocorre quando a economia opera acima de seu potencial. Esse possível sobreaquecimento pode trazer pressões inflacionárias.

“Essas variáveis ​​combinadas tornam a convergência da política monetária mais difícil. Além disso, o Comitê considerou apropriado ser gradual no primeiro aumento, enquanto os aumentos restantes serão determinados por dados, validando a aceleração para 50 pontos base sem dar orientação futura explícita, em nossa opinião”, explica o banco de investimentos.

Leonardo Costa, economista do ASA, viu um tom um pouco mais neutro no texto, após a “surpresa hawk” (dura) do comunicado pós-decisão de juros. Ele destaca a pouca ênfase sobre o ritmo de alta de juros das próximas reuniões e da definição do BC como “dependente dos dados” para justificar essa leitura.

Ainda assim, o economista também está entre aqueles que acreditam em mais duas altas 0,50% nas reuniões de novembro e dezembro e uma adicional de 25 pb em janeiro, com o Banco Central encerrando o ciclo de alta em 12%.

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Entre os pontos destacados por Costa no texto, está o comentário pelo Copom de que a atividade econômica resiliente, o mercado de trabalho pressionado e a alta das expectativas de inflação demandam uma política monetária mais contracionista.

O C6 Bank, por sua vez, concorda que, a julgar pelas projeções de inflação do BC e pelo tom duro do comunicado e da ata, que os próximos passos devem ser de uma elevação mais intensa dos juros. 

A projeção de inflação no cenário de referência do Copom, por exemplo, que considera juros a 11,25% ao final de 2024 e de 10,5% ao final de 2025, está em 3,5% para o primeiro trimestre de 2026. “Além disso, o Comitê ainda considera uma assimetria altista no seu balanço de riscos para a inflação. Na nossa visão, a projeção do BC e o balanço de riscos sugerem a necessidade de um forte ciclo de alta de juros.”

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Desconforto

Para o Bradesco, além do hiato indo para o campo positivo, o Comitê mostrou desconforto com o aumento dos salários em ritmo superior ao crescimento da produtividade. “inda que não encontrem evidências de que a pressão salarial tenha impactado os preços, a diretoria acredita que ainda haverá elevação da inflação por conta desse fator”, comenta o banco.

O Bradesco espera um aumento da Selic até 11,50% no início do ano que vem, contando com alguma desaceleração da atividade, apreciação da taxa de câmbio e acomodação nas expectativas de inflação ao longo dos próximos meses.

Mas o banco pondera que “a projeção de inflação do Banco Central, no horizonte relevante para a política monetária, indica chance de que os juros podem ser um pouco maiores do que o nosso cenário base”.

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Para a equipe da XP Macro, o Comitê reforçou o tom “hawkish” da declaração da semana passada, fornecendo evidências da necessidade de uma política monetária mais apertada. “O Copom argumentou que o início do ciclo deve ser gradual, mas deixou as portas abertas para acelerar o ritmo de aperto à frente, se necessário”, diz relatório.

A XP destaca que o cenário externo foi considerado pela ata ainda desafiador, porém “mais benigno do que na reunião anterior”, com o Comitê avaliando “uma desaceleração gradual e ordenada na economia dos EUA”. No entanto, ele destacou que a coordenação macroeconômica entre as regiões não existe mais, e agora há uma “menor correlação dos ciclos de política monetária entre os países”.

No entanto, o relatório destaca que é no front doméstico que o cenário parece mais desafiador para a política monetária. “A ata apontou a combinação de um mercado de trabalho robusto, política fiscal expansionista e empréstimos vigorosos às famílias continua a sustentar o consumo e, consequentemente, a demanda agregada.”

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Ainda segundo a XP, outro ponto de destaque foi em relação aos passos futuros da política monetária, pois o Comitê optou por não fornecer nenhuma orientação. “A ata argumentou que ‘o início do ciclo deve ser gradual’. Mas olhando para o futuro, o Copom preferiu permanecer dependente de dados, apenas reforçando seu ‘firme compromisso com a convergência da inflação para a meta’”.

“No geral, acreditamos que a ata de hoje é consistente com nosso cenário de uma aceleração nas altas de juros para 50 bps nas próximas reuniões. Sobre a taxa Selic terminal, mantemos nossa projeção de 12,00%, reconhecendo um viés de alta considerando as projeções de inflação do Copom (3,5% no horizonte relevante) e riscos de alta nesse cenário.”.

Segundo o economista da CM Capital, Matheus Pizzani, o documento ratificou as percepções iniciais do mercado de uma guinada para o campo “hawkish” por parte dos membros do Copom. “Hipótese inicialmente levantada em função teor do comunicado divulgado pelo BC no dia do anúncio da decisão e que se tornou mais clara a partir do conhecimento da abordagem dada às principais variáveis que compõem o cenário da instituição.”

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Pizzani também cita o papel coadjuvante desempenhado pela esfera internacional explicitado no texto e destaca que as atenções se voltaram essencialmente para os componentes do cenário doméstico da instituição, todos eles marcados por uma leitura efetivamente negativa por parte do Copom.

“Destaque neste caso para a política fiscal, cuja participação nos documentos do BC se resumia a breve menções de caráter normativo e sem grande aprofundamento. No documento divulgado hoje, o Copom endereçou de maneira clara tanto a leitura acerca do comportamento recente da política fiscal quanto suas expectativas para a condução da mesma em um ambiente de combate à inflação.”

Par o economista, ao frisar a opção unânime do Comitê por um ciclo gradual de aperto monetário diz respeito ao comportamento visto no ciclo imediatamente anterior, quando o comitê optou por realizar cortes sucessivos de mesma magnitude e, em determinados momentos, antecipados ao mercado através de seus documentos.

“O mesmo pode ser aplicado se levado em conta o comportamento adotado durante o último ciclo de alta, quando o gradualismo foi deixado de lado em momento em que a situação era vista como mais crítica por parte da instituição”, diz Pizzani.

Para ele, a leitura de  cenário apresentada hoje deixa nítida que a instituição seguirá elevando juros nas próximas reuniões, algo que será feito, todavia, de maneira escalonada, com o Copom aumentando a magnitude das altas reunião a reunião.

“Tal comportamento pode ser entendido não só como forma de respeito aos dados divulgados no intervalo das reuniões, mas como uma ferramenta do BC para retomar a credibilidade de sua política monetária, mostrando compromisso com a busca pela meta de inflação  (…) independente das mudanças de composição que serão enfrentadas pelo comitê na passagem do ano.”