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A política monetária global deve ser marcada em 2024 por um movimento que o mercado financeiro e os economistas costuma chamar de “pivot”, aquele ponto de inflexão em que as taxas de juros encerram um período de estabilidade após um ciclo de alta e passam a ser cortadas, com diferentes velocidade, dependendo das condições econômicas locais.
Na semana passada, o Bank of America divulgou um relatório prevendo 152 cortes de taxas no próximo ano por parte dos BCs, a maior flexibilização vista desde 2020, quando a pandemia exigiu juros mais brandos.
A inflexão virá depois que as autoridades monetárias fizeram um forte movimento coordenado de alta, subindo agressivamente as taxas mais de 300 vezes entre 2021 e 2023, comparou o BofA.
Embora as esperanças e até algumas projeções mais arriscadas apontem que o novo movimento pode começar já no final do primeiro trimestre de 2024 – há reuniões do Federal Reserve (Fed) agendadas para 20 de março, do Banco da Inglaterra (BoE) em 21 de março e do Banco Central Europeu (BCE) em 11 de abril – é difícil por ora cravar uma data.
Ainda que tenha tentado renovar a mensagem de cautela, o presidente do Fed, Jerome Powell, se atreveu a comentar na coletiva de imprensa pós decisão de juros pelo Fomc no dia 13 de dezembro que o ciclo de alta provavelmente acabou e que um prazo para iniciar cortes chegou a ser discutido.
Isso incentivou participantes do mercado renovar estimativas de um “orçamento” de flexibilização superior a 100 pontos-base no ano que vem, com início cada vez mais próximo, embora o sumário de projeções (SEP, na sigla em inglês) dos diretores do Fed tenha admitido, no máximo, 75 bps.
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Em relatório recente sobre expectativas para o próximo ano, o UBS, afirmou que a combinação de menor crescimento e menor inflação deverá levar a vários cortes nas taxas de juro em 2024, isso apesar de a inflação provavelmente permanecer acima das metas de 2% durante a maior parte ou todo o ano.
“Acreditamos que os decisores estarão suficientemente confiantes em meados do ano que a inflação está caindo de forma sustentável em direção à meta. Nosso cenário base é que o BCE e o Banco de Inglaterra reduzam as taxas em 75 pontos-base em 2024, enquanto esperamos que a Fed e o Banco da Suíça reduzam as taxas em 50 pontos-base”, escreveu o banco de investimentos antes da última reunião do Fomc.
No dia seguinte à reunião do Fed, a presidente do BCE, Christine Lagarde, precisou conter um pouco os ânimos de quem pedia sinais de uma antecipação do novo ciclo na zona do euro ao afirmou que não é o momento de baixar a guarda com a inflação. Isso após o Banco ter decidido novamente manter os juros nos atuais patamares.
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Mas isso depois de admitir que os efeitos da política monetária contracionista já estão fortemente presentes quando se observam as expectativas de inflação, os índice de preços subjacentes e até atividade econômica mais fraca e o mercado de trabalho menos pressionado.
De qualquer maneira, o Business Insider destacou na semana passada que, historicamente, os bancos centrais seguem, em grande parte, o exemplo da Fed. Ou seja, quando BC americano começar a cortar as taxas, as demais autoridades monetárias acabam por seguir o exemplo.
O diretor do JP Morgan Asset Management, Phil Camporeale, destacou em entrevista à CNBC na última sexta-feira que, além do Fed, “muitos dos bancos centrais do G4 estão com vontade de tornar as coisas um pouco mais fáceis” no ano que vem.
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Zona do euro ou EUA?
Então, como projetar o momento mais provável do início do “pivot”? Luiz Cezario, economista chefe da Asset 1 Investment, comenta que, em 2024, será preciso observar que os ciclos monetários passarão a apresentar dinâmicas diferentes, refletindo os fundamentos de cada economia.
“Avaliamos que a zona do euro está melhor posicionada para iniciar um ciclo de corte de juros no início do 2º trimestre de 2024. Em resposta ao aperto monetário implementado pelo BCE, as condições financeiras encontram-se bastante apertadas na região, e a economia europeia caminha para uma recessão. A política fiscal, por sua vez, deve ficar moderadamente contracionista em 2024”, destaca.
Ele também observa que a inflação europeia tem caído rapidamente e já se encontra abaixo da variação de preços observada em outras economias desenvolvidas, como os EUA e o Reino Unido – a prévia do CPI anualizado na zona do euro passou de 4,3% em setembro para 2,9% em outubro e mostrou prévia de 2,4% em novembro.
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“Os fundamentos da zona do euro indicam que o processo de convergência da inflação para a meta está mais avançado na região, o que deve permitir que o BCE inicie um ciclo de corte de juros em breve, visando levar a política monetária para uma postura neutra, ou talvez até expansionista (colocando a taxa de juros abaixo do juro neutro)”, prevê.
Mas, apesar do discurso até moderado de Powell, Cezario compara que os EUA se deparam com condições econômicas menos favoráveis para o início de um início mais rápido do ciclo de corte de juros.
“Avaliamos que o Fed demorará mais para iniciar um ciclo de afrouxamento monetário e precisará manter a política monetária contracionista por mais tempo do que o BCE. Em contraste com o cenário descrito para a zona do euro, nos EUA as condições financeiras encontram-se menos apertadas e a economia, após sustentar um ritmo de crescimento acima do potencial por cinco trimestre consecutivos, tem desacelerado para um ritmo de crescimento um pouco abaixo do potencial”, alerta.
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Sobre a política fiscal, o economista da Asset1 vê um movimento “menos expansionista em 2024” para os EUA, ante a tendência contracionista na zona do euro. “E os dados indicam que a desinflação nos EUA será mais lenta daqui por diante, com sinais de maior rigidez na inflação de serviços”, compara.
Sobre o mercado de trabalho, a avaliação é que, embora ele esteja apertado nas duas economias, o desequilíbrio entre oferta e demanda de trabalhadores é muito maior nos EUA do que na zona do euro. E demorará mais tempo para ser solucionado.
“Deste modo, esperamos que o Fed inicie um ciclo de redução de juros apenas no 3º trimestre de 2024, de forma a reduzir o grau de aperto da política monetária.”
Como consequência, a economia europeia deve voltar a crescer no final do ano que vem, enquanto os EUA devem passar por um processo mais lento de desaquecimento. “O diferencial de juros entre as duas economias deverá aumentar ao longo de 2024, o que gerará pressão para a apreciação do dólar americano contra o euro”, argumenta.
Efeitos
E que impactos isso poderia trazer para emergentes como o Brasil? A gestora BlackRock não cravou um cenário em seu último relatório, mas alertou que cortes pelo Federal Reserve normalmente prejudicar as moedas dos mercados emergentes.
Isso pode trazer impactos na política monetária do BC brasileiro, que já iniciou seu ciclo de cortes há alguma reuniões? Para o economista chefe da Oriz Partners, tudo depende de os EUA conseguirem, de fato, chegar a um pouso suave em sua economia. Assim, os juros de lá estarão mais calibrados para iniciar uma redução mais para o final do ano e o nosso BC vai conseguir entregar uma Selic abaixo de dois dígitos – projeção da Oriz.
Para a analista chefe da Money Wise Research, Cleide Rodrigues, a que a queda das taxas de juros lá fora, especialmente nos Estados Unidos, cria um ambiente mais atrativo para investimentos em mercados emergentes, como o Brasil.
“Com taxas mais baixas nos EUA, os investidores buscam retornos mais atrativos em outros mercados, favorecendo a entrada de capital estrangeiro na bolsa brasileira. Olhando para frente, o cenário para 2024 se apresenta promissor para os investidores em bolsa de valores, alimentado por esse ambiente global mais favorável”, analisa.
Sobre até que ponto esse ciclo de queda pode ir, o economista Kenneth Rogoff fez uma alerta num artigo recente. Para ele, mesmo que inflação global diminua, as taxas de juros provavelmente permanecerão mais elevadas durante a próxima década do que estava na década após a crise financeira de 2008.
O ex-economista chefe do FMI explicou que isso reflete uma variedade de fatores, incluindo o aumento dos níveis de dívida dos países, a desglobalização, o aumento das despesas nacionais com as áreas de defesa, a transição para a energia verde e as exigências populistas de redistribuição de renda.
“Mesmo as mudanças demográficas, frequentemente citadas como justificativa para taxas de juro perpetuamente baixas, podem afetar os países desenvolvidos de forma diferente, à medida que elevam os gastos para apoiar as populações que envelhecem rapidamente, explicou.