O que vai fazer a diferença no pós-pandemia é a maneira como os países estão lidando com os mais pobres, diz Nobel de economia

Esther Duflo não acredita que a crise da Covid-19 vai gerar uma desglobalização: "não há uma lógica para que o mercado retroceda neste momento"

Anderson Figo

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SÃO PAULO — O que vai fazer a diferença no pós-pandemia é a maneira como os países estão lidando com sua população mais pobre. A avaliação é da economista Esther Duflo, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2019, junto com seus colegas Michael Kremer e Abhijit Banerjee.

O trio recebeu o reconhecimento por trabalhos com abordagem experimental para aliviar a pobreza global. Esther participou nesta quinta-feira (16) da Expert XP 2020. Ela explicou que os programas sociais, feitos para a população mais vulnerável, não olham exatamente para como essas pessoas agem, mas sim para como os governos acreditam que elas vão agir.

“Muitos dos sistemas de proteção social baseiam-se no medo de que as pessoas que precisam de ajuda, que de alguma maneira foram abusadas, vão se tornar preguiçosas quando começarem a utilizá-los. E de que, se elas começassem a receber alguma ajuda, não vão querer mais trabalhar. Mas esses sistemas são criados com base apenas em uma intuição de como as pessoas vão se comportar, e nada garante que de fato isso vai acontecer. Temos que pegar a intuição e colocar à prova”, disse.

Para isso, explicou Esther, é preciso observar grupos diferentes de pessoas com as mesmas características, mas que aderiram a programas distintos ou que não fazem parte de nenhum deles. Ela citou, por exemplo, um estudo feito nas décadas de 1960 e 1970, do qual fez parte um grupo de pessoas nos Estados Unidos dentro de um programa de renda local.

Pela regra do programa, as pessoas deixariam de receber dinheiro conforme fossem conseguindo ganhar por conta própria. “As preocupações eram de que as pessoas não iam querer trabalhar por causa dos altos impostos descontados dos salários, mas isso não foi provado”, afirmou. “Depois disso, muitos programas sociais confirmaram que isso não era verdade, em várias partes do mundo, até mesmo no Brasil, com o Bolsa Família”, disse.

As análises de Esther e seus colegas sobre diferentes tipos de programas sociais no mundo indicaram exatamente o contrário. Ela citou um programa recente de transferência de renda para mulheres grávidas na Nigéria. “As mulheres que recebem a ajuda financeira acabam conseguindo ganhar até mais dinheiro depois.”

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Esther destacou que os testes randomizados têm sido mais frequentes nos últimos anos no mundo econômico e que isso é ótimo para entender melhor o que funciona ou não. Isso não está restrito aos programas sociais, já que pode abranger também, por exemplo, “alguns dos maiores desafios que temos na atualidade”, como “saber o que funciona ou não em relação às mudanças climáticas ou para ajudar as pessoas a se prevenirem da Covid-19.”

Sobre a América Latina, Esther afirmou que a região é um caso interessante porque, depois de décadas de aumento da desigualdade, recentemente os países estavam conseguindo reduzir isso. “Estava a todo vapor nos últimos anos, mas aí veio a Covid-19”, enfatizou.

“Algumas pessoas até disseram que a pandemia é como um amante, que o vírus não sabe se você é rico ou pobre, mas infelizmente não é assim. Nos EUA, por exemplo, os latinos e africanos têm três vezes mais chances de serem infectados por Covid e quatro vezes mais chances de morrerem do que os brancos não latinos ou africanos.”

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Isso porque, no geral, eles são mais pobres e existe a necessidade de eles continuarem trabalhando fora de casa, não podendo cumprir o distanciamento social, detalhou a economista. E também está relacionado ao fato de que, se eles ficarem doentes, o tratamento que eles receberão nas enfermarias dos hospitais pode ser diferente, pior.

O ideal, disse Esther, seria que os governos atendessem às necessidades dos mais vulneráveis. As pessoas mais pobres são aquelas que a gente tem que garantir que elas estejam preparadas para enfrentar o período de queda da economia, na visão dela.

“No futuro, podemos supor que veremos países que enfrentaram uma grande crise econômica durante e depois da pandemia de Covid-19, mas também países que não estavam entre os mais ricos e ainda assim não enfrentaram esse problema de forma tão grave. Não é uma questão de como eles foram impactados, mas sim de como eles lidaram com a sua população mais pobre. Os vulneráveis afetados pela crise não têm onde se segurar, por isso atingem um nível de pobreza que é difícil de sair depois”, disse.

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Desglobalização?

Perguntada sobre se a pandemia poderia gerar uma onda de “desglobalização”, na qual os países adotariam medidas mais protecionistas e ficaram mais fechados aos estrangeiros, a economista disse que não acredita nisso. “Especialmente por que a última coisa que podemos fazer agora é projeções econômicas.”

“Na minha visão, o que deixa o país exposto é o perigo de ele ter que depender totalmente de sua própria economia. Talvez isso não seja um grande problema para o Brasil ou a Índia, ou até os Estados Unidos, por seu tamanho, mas a França, por exemplo, se ela fosse depender do que é produzido exclusivamente dentro de sua fronteira, não teríamos respiradores para colocar em nossos hospitais”, afirmou.

A economista pontuou que essa “interdependência” dos países nos ensinou que podemos cooperar entre si. Ela citou o exemplo da China que, assim que o país controlou a epidemia e pôde voltar a retomar aos poucos suas atividades, começou a produzir respiradores para salvar as pessoas em outras partes do mundo. “O que aprendemos também é que precisamos diversificar a nossa cadeira de suplementos, e não ficar dependentes de uma única economia, seja a China ou outro país.”

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Isso abre uma porta para que países menores ganhem mais espaço internacionalmente, comentou Esther, inclusive o Brasil pode aumentar sua importância no cenário internacional se souber aproveitar essa chance. “Não há uma lógica para que o mercado retroceda neste momento”, completou.

Trajetória

Esther contou que seu primeiro contato com economia foi quando ela morava na Rússia e que, em princípio não achou que fosse algo interessante ou importante. Com o tempo ela mudou de ideia, especialmente sendo atraída por esse viés mais social da economia.

“Ter ganhado o Nobel foi muito mais uma vitória do movimento, muito mais do que um prêmio para nós três individualmente. Isso é um reconhecimento do papel cada vez maior dos testes randomizados na área econômica e na formulação de políticas”, disse. “Ver o nosso trabalho sendo reconhecido depois de tanto esforço foi realmente incrível.”

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A economista enfatizou que, na visão dela, há uma clara falta de mulheres e outros grupos de minorias na área econômica. Um dos motivos, segundo ela, é que as pessoas que nunca tiveram contato com economia ou pouco contato com o assunto têm uma percepção errada sobre a profissão. “Acreditam que está relacionado apenas a números e finanças.”

“Essas minorias querem mudar o mundo, querem fazer diferença na sociedade, não mexer com finanças, com dados. Poucos realmente se atraem pela percepção do que realmente é ser um economista. É uma questão de imagem, porque os economistas trabalham em diversas áreas — eu, por exemplo, trabalho com pobreza, tem economista que trabalha com discriminação, outros com clima e, claro, há os que só trabalham com macroeconomia e finanças. Sendo uma mulher que ganhou um Nobel claro que ajuda”, disse.

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Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.