O que é keynesianismo, e sua relação com o pacote bilionário para enfrentar crise do coronavírus

A teoria Keynesiana vem sendo citada por empresários, economistas e políticos que discutem os impactos econômicos da pandemia.

André Cabette Fábio

(Shutterstock)
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No final de março, o empresário Abílio Diniz, hoje presidente do conselho de administração da Península Participações, comentava os pacotes bilionários que o governo preparava para contrabalançar a desaceleração devido à pandemia de coronavírus.

Diniz chamou a atenção para o fato de que o enorme aporte será feito por um governo eleito com uma plataforma liberal. “Paulo Guedes é liberal, mas em momentos de crise somos todos keynesianos”

Afinal, o que é keynesianismo?

O termo keynesianismo se refere a teorias e políticas econômicas associadas ao trabalho do economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946).

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Sua obra ganhou influência durante e após a Segunda Guerra Mundial.

Keynes defendia a intervenção estatal para manter o bom funcionamento de uma economia. Se necessário, o Estado deveria se endividar para que essa intervenção ocorresse.

Quem foi John Maynard Keynes

Nascido em junho de 1883 em Cambridge, na Inglaterra, John Maynard Keynes era filho de um economista, administrador do King’s College, da mesma cidade. Ele passou a estudar na instituição.

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Em sua carreira, atuou como servidor público, no escritório dedicado à Índia e no Tesouro. Ele participou das negociações do Tratado de Versalhes, que negociou as condições da paz após a Primeira Guerra Mundial.

Keynes ficou exasperado com as pesadas penas de reparação impostas à Alemanha, que incluíram expropriações e dívidas impagáveis, e se demitiu de seu posto.

Ainda em 1919, publicou “As consequências econômicas da paz”, em que prevê que o tratado exporia os alemães a uma condição de penúria que acabaria por impulsionar uma nova guerra – o que, de fato, ocorreu menos de uma década depois.

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As discussões do Tratado de Versalhes também anteciparam temas que seriam importantes em seus estudos: se os Estados deveriam recuar em seu papel na economia (ampliados durante o conflito) e se as moedas deveriam ser atreladas ao padrão ouro – algo que retiraria poder dos Estados nacionais sobre seu controle.

Seu trabalho mais influente é a “Teoria Geral do Emprego, dos Juros e do Dinheiro”, de 1936. Nele, Keynes apresenta uma justificativa teórica para a adoção de programas de incentivo econômico por governos, como forma de garantir a geração de empregos.

Keynes continuou a atuar junto ao King’s College nas décadas seguintes.

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Em 1944, teve papel de destaque na Conferência de Bretton Woods, focada em criar as regras para o sistema monetário internacional após a Segunda Guerra Mundial.

Entre seus resultados, estão a criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Ele morreu em 1946, em consequência de um ataque cardíaco, aos 62 anos.

Aspectos da teoria keynesiana

Segundo o pensamento de Keynes, a demanda por produtos em uma economia é influenciada tanto por decisões privadas quanto governamentais.

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Se há temor de uma crise econômica, os trabalhadores tendem a evitar gastos, como forma de se proteger. Investidores ficam reticentes em investir. E o governo tende a cortar gastos, antecipando queda de arrecadação. Se há otimismo, tende a haver mais gastos, investimentos e arrecadação.

Mas a produção, os preços e os salários dos trabalhadores não se adequam imediatamente a essas mudanças. Isso tende a levar a excesso ou falta de trabalho ou mercadorias, de tempos em tempos.

O desinvestimento por meio de demissões, assim como a redução dos gastos de consumidores em uma recessão podem dar ainda mais tração à tendência de desaceleração da economia.

Por isso, Keynes propõe que, em momentos de crise, o Estado tome a frente, e compense falhas de mercado por meio de políticas públicas.

Keynes chama essas medidas intervencionistas de “políticas fiscais anticíclicas”, porque elas intervêm nos ciclos econômicos de redução de salários e demissões como resposta a crises. Uma medida anticíclica importante proposta por Keynes é o endividamento estatal para financiar projetos de infraestrutura que exijam grandes contingentes de trabalhadores.

Por outro lado, em momentos de excesso de demanda de produtos, a economia superaquecida tende a levar à inflação. Nesse caso, uma possível medida keynesiana é aumentar os impostos, como forma de reduzir a atividade econômica.

Em essência, Keynes avaliava que era mais interessante que o Estado interviesse para resolver desequilíbrios no curto prazo -mesmo que ao custo de endividamento- do que esperasse que o próprio mercado se autorregulasse no longo prazo. Um mote famoso seu é de que “no longo prazo, estaremos todos mortos”.

Pensamento respondia ao fortalecimento dos trabalhadores

Publicado em 1996, o artigo acadêmico “O abismo se abre: Ascensão e queda do keynesianismo”, do pesquisador da Universidade de Edimburgo John Holloway, afirma que Keynes estruturou seu pensamento no início do século 20, um período foi marcado pelo fortalecimento da luta sindical ao redor do mundo e pela Revolução Russa de 1917, um grande marco desse fortalecimento.

Ele tinha como foco de suas preocupações a forma como o fortalecimento dos trabalhadores impunha mudanças na maneira como a qual as políticas econômicas vinham sendo implementadas até então. A mobilização sindical colocava em xeque um conceito econômico que vinha sendo aplicado na economia conhecido como “Lei de Say”, popularizado no século 19 pelo economista Jean-Baptiste Say.

Ele postulava que o produto de uma economia é igual à renda dos trabalhadores, que é igual ao seu gasto. Isso significa que, em uma economia, o fruto total do esforço dos trabalhadores equivaleria à sua renda, que seria completamente gasta para comprar aquilo que foi produzido.

Se algo levasse à queda de produção, bastaria que a renda dos trabalhadores fosse reduzida para que os gastos também fossem reduzidos, em consonância com essa queda de produção. Em caso de crise, bastaria que trabalhadores aceitassem a redução de seus salários para que o mercado se autorregulasse, e o pleno emprego fosse mantido.

Mas o fortalecimento dos movimentos de trabalhadores colocava esse pensamento em xeque. Sindicatos organizados não só disputavam uma parcela maior dos frutos de sua produção, como barravam tentativas de fazer com que eles e suas famílias arcassem com os custos imediatos de flutuações econômicas.

“Como resultado, a Lei de Say perdia sua validade. Já não era possível presumir que o poder dos mercados por si só assegurariam o melhor uso dos recursos”, diz o artigo.

Em 1925, Keynes escreveu: “A velha ideia de que você pode, por exemplo, alterar o valor do dinheiro e depois deixar que os ajustes sejam efetivados pelas forças da oferta e da demanda pertencem a 50 ou 100 anos atrás, quando os sindicatos não tinham poder, e quando se permitia que o colosso econômico tratorasse seu caminho na estrada do progresso, sem obstrução, e até mesmo sob aplausos”.

Isso não quer dizer que Keynes colocava seu pensamento a serviço daquilo que vinha sendo chamado de proletariado. Na análise de Holloway, Keynes buscava antes criar as condições para canalizar a crescente insatisfação política dos trabalhadores, sem que houvesse convulsão social. No mesmo texto de 1925, Keynes escreveu: “eu posso ser influenciado por aquilo que me parece ser a justiça e o bom senso; mas a guerra de classes vai me encontrar do lado da burguesia educada”.

Keynesianismo na prática

Um momento inicial importante da aplicação do keynesianismo foi um conjunto de políticas econômicas aplicado pelo presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt, que ficou conhecido como “New Deal”. Foi uma reação à Grande Depressão, que fez com que a taxa de desemprego subisse a 25% entre 1930 e 1933, e que a produção industrial caísse pela metade.

Aplicadas entre 1933 e 1938, essas políticas buscavam lidar com a recessão, que tinha como resultado desemprego em massa nos Estados Unidos. As medidas eram baseadas em três pontos: auxílio financeiro para desempregados; gastos federais para geração de renda; e reforma regulatória, com criação de programas para distribuição de renda.

As medidas incluíram compra de alimentos dos agricultores pelo governo, contratação de jovens para trabalhar em propriedades públicas, criação de cozinhas industriais para fornecer comidas a pobres desamparados, além da criação de uma seguradora que garantia que a população recebesse dinheiro do governo, caso os bancos com seus depósitos quebrassem.

O governo do Brasil, que também foi duramente acometido pela depressão, havia antecipado uma experiência intervencionista análoga à de Roosevelt anos antes, comprando a produção excessiva de café como forma de proteger o mercado e o emprego. Em 1930, o governo brasileiro chegou a queimar o excesso de café.

Em uma visita em 1936 ao Brasil, Roosevelt discursou: “Despeço-me esta noite com grande tristeza. Há algo, no entanto, que devo sempre lembrar. Duas pessoas inventaram o New Deal: o presidente do Brasil e o presidente dos Estados Unidos”.

A intervenção estatal como instrumento para reavivar economias em crise se tornou praxe de governos pelo mundo. Entre 1947 e 1951, por exemplo, os Estados Unidos implementam seu Plano Marshall, um bilionário programa de incentivo econômico dos Estados europeus.

No século 21, após a crise financeira de 2007 e 2008, Estados Unidos, Reino Unido e outros países profundamente afetados recorreram a medidas anticíclicas para reavivar suas economias.

Em um artigo publicado em 2008 no jornal americano The New York Times, o professor de Harvard Gregory Mankiw -autor de populares livros de introdução à macroeconomia- escreveu:

“Se você for se voltar para apenas um economista para entender os problemas que acometem a economia, há poucas dúvidas de que esse economista seria John Maynard Keynes. Embora Keynes tenha morrido há mais de meio século, seu diagnóstico sobre recessões e depressões continua sendo o fundamento da macroeconomia moderna.”

As críticas ao pensamento keynesiano

Um dos problemas da teoria keynesiana é que, para que governos ampliem seus gastos, é necessário que aumentem sua dívida.

Isso cria uma pressão sobre o mercado de crédito. Com o governo utilizando uma fatia relevante dos recursos, o volume de empréstimos disponível para empresas e consumidores fica mais escasso.

Nesse cenário, os juros das linhas de crédito também tendem a aumentar.

Por um lado, o governo obtém mais dinheiro para gastar, por outro, o dinheiro fica mais caro para a população.

Além disso, alguns economistas apontam que gastos apresentados inicialmente como extraordinários pelo governo tendem a ser mantidos com o tempo, por meio de lobbies ou pressão popular. Na visão de críticos, isso pode levar ao aumento exagerado do Estado.

Uma outra dúvida levantada é sobre a capacidade dos governos de lerem a economia e intervirem sobre ela de forma efetiva quando necessário. Gastos podem ocorrer quando a economia já caminha para a recuperação, o que impulsiona a inflação, por exemplo.

Além disso, conforme os mecanismos de intervenção governamentais se tornam conhecidos pela população e pelas empresas, tornam-se também menos eficazes. Se há cortes de impostos para impulsionar a economia, é possível que contem com aumento de impostos no futuro, preferindo poupar ao invés de gastar, anulando os efeitos da política econômica.

Nos anos 1970, muitas das economias avançadas passaram a viver um problema novo: a conjunção de inflação e estagnação econômica, conhecida como “estagflação”. Foi um problema prático que fortaleceu as críticas às teorias keynesianas. Para seus opositores, o aumento de gastos nesse contexto levava a alta da inflação, com redução momentânea e pequena do desemprego, sem resolver o problema no longo prazo.

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André Cabette Fábio

Jornalista colaborador do InfoMoney