O Brasil está em pleno emprego? Entenda

Taxa de desemprego chegou a 6,9% no trimestre até junho e mercado está aquecido a ponto de preocupar o BC com o risco inflacionário; mas há muita informalidade e a renda ainda é considerada baixa

Roberto de Lira

Pessoas olham avisos de vagas de emprego no centro de São Paulo (Foto: Amanda Perobelli/Reuters)
Pessoas olham avisos de vagas de emprego no centro de São Paulo (Foto: Amanda Perobelli/Reuters)

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O IBGE divulgou nesta sexta-feira (30) uma taxa de desemprego de 6,8% no trimestre encerrado em julho, confirmando a estimativa de que a desocupação tinha ficado abaixo dos 6,9% anunciados um mês antes. Com o mercado de trabalho ainda aquecido, a questão que surge a cada nova liberação dos dados oficiais é: o Brasil atingiu ou não o patamar de pleno emprego?

Há estudos que preferem se fixar nos manuais de macroeconomia para responder essa questão e outros que fazem uma abordagem mais ampla socioeconômica.

Para o público em geral, “pleno emprego”, por exemplo, poderia ser uma situação na qual todos aqueles que estão dispostos e capazes de trabalhar estejam empregados e remunerados com um determinado salário-base.

Mas a resposta sobre qual o patamar a ser atingido não é fácil, garantem economistas ouvidos pelo InfoMoney. Isso porque o termo envolve definições conceituais de macroeconomia. E também porque uma situação de pleno emprego varia de país para país, de acordo com o nível de renda e de desenvolvimento locais, além de envolver mudanças nos perfis de trabalho que estão cada vez mais aceleradas.  

Pelos manuais, numa situação de pleno emprego existe um equilíbrio entre a procura e a oferta no mercado de trabalho. Isso resulta em crescimento dos salários compatível com uma inflação baixa e estável a médio prazo, tendo em conta a taxa de crescimento da produtividade ao longo do tempo.

Parece algo simples, mas não é. Alexandre Dellamura, mestre em economia e chefe de conteúda da plataforma Melver, lembra que esse conceito tem suas nuances pelo estágio da economia.

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“Como o Brasil não tem uma economia madura, se comparada aos EUA e Europa, o atual cenário poderia pressionar setores que necessitam de mão de obra qualificada, como nos serviços, fazendo com que as empresas tenham que elevar salários para o mesmo nível de produção, iniciando um processo inflacionário”, explica.

Um fator que, segundo ele, corrobora com uma certa distância do pleno emprego no país é que ainda há por aqui um alto contingente da força de trabalho estacionada em empregos informais, que alcançam quase 30% de toda a massa de trabalho.

“Esse contingente indicaria o chamado desemprego disfarçado, em que muitas pessoas exercem funções de baixa produtividade. Quando somamos esse contingente com os desocupados, alcançamos quase 37% de toda a População Economicamente Ativa”, calcula.

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Taxa neutra

Por outro lado, de ponto de vista mais técnico, fica difícil não concordar que o Brasil está numa situação de taxa de desemprego rodando abaixo do nível natural, ou a chamada taxa de desemprego neutra, aquela que não acelera o índice de inflação, diz Rodolfo Margato, economista da XP.

Esse conceito é o da famosa NAIRU, um acrônimo do inglês “non-accelerating inflation rate of unemployment” (numa tradução livre, a taxa de desemprego que não acelera a inflação).

Para o time de análise da XP, não há ociosidade no mercado de trabalho brasileiro, pelo contrário, é uma situação de mercado de trabalho apertada. “As nossas estimativas para essa taxa de desocupação de longo prazo de equilíbrio ficam entre 7,5% e 8%”, cita Margato, reconhecendo que há um debate entre analistas e o meio acadêmico sobre as questões metodológicas para a aferição dessa variável, que não é observável.

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Alex Agostini, economista chefe da Austing Rating, também admite que mais fácil conceituar o pleno emprego do que determinar em qual nível uma economia atinge essa situação.

“Por exemplo, nos EUA dizem que o pleno emprego é entre 4% e 5%. No Brasil, dadas as características, seria ali entre 6% e 7%. Há características que envolvem produtividade, os setores mais relacionadas à indústria, a agropecuária, em uma variação muito grande para a gente determinar o que é o pleno emprego”, afirma.

Na conta, são incluídos tanto os recém-formados entrantes no mercado de trabalho – um contingente de cerca de 7 milhões de pessoas – e aqueles que estão transitando de um emprego para o outro – algo perto de 5 milhões de pessoas.

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Para Agostini, o que se pode confirmar é que o Brasil, de fato, está passando por um momento muito positivo no mercado de trabalho. Já na questão da renda, ainda há um longo caminho a percorrer, embora ela  esteja se recuperando nos últimos meses. “A renda média no Brasil é muito baixa. O rendimento médio real é em torno de R$ 3 mil (US$ 600). É muito pouco.”

Equilíbrios e desequilíbrios

E como atingir esse equilíbrio entre o crescimento necessário, os ganhos de renda e produtividade, mas sem um risco inflacionário muito alto embutido? A resposta também envolve muitas variáveis, que passam por reformas estruturais e educação, por exemplo.

“32 milhões de pessoas ainda são classificadas como trabalhadores domésticos e trabalhadores por conta própria, apresentando baixíssima produtividade. O aquecimento do mercado de trabalho e a incapacidade da economia brasileira em absorver um contingente imenso de subocupados, sem pressões inflacionárias, ressalta todas as limitações pelo lado da oferta”, afirma Dellamura, da Melver.

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O economista lembra que o Copom comentou em sua reunião de julho que o PIB potencial do Brasil, aquele crescimento que ocorrer sem gerar desequilíbrios girava entre 2% e 2,5%. Como esse potencial parecer estar todo preenchido, o “hiato” do produto está próximo da neutralidade.

“Conclui-se que se o crescimento do PIB de apenas 2,5% já acarretaria pressões inflacionárias. Até que o clima e as condições para o aumento do investimento – estacionado em 16,5% do PIB – não melhorem, o governo terá um trade off complexo para administrar, envolvendo o crescimento do mercado de trabalho e a inflação.

Margato, da XP, por sua vez, lembra que apenas alguns setores vêm mostrando ganhos de produtividade, como serviços de informação e comunicação, a intermediação financeira, o agronegócio e certos utilities [provedores de serviços], que que isso não deve ser extrapolado para todas as atividades.

“Na nossa visão, a qualidade das vagas criadas tem mais a ver com o nível de qualificação da mão de obra, com eventuais ganhos de produtividade, do que necessariamente uma opinião sobre mercado apertado ou não.”

Para Agostini, da Austin, também é preciso considerar mudanças no perfil do mercado de trabalho, muitas delas aceleradas com a pandemia. “A estrutura do emprego mudou no Brasil e esse é o principal debate. As pessoas descobriram na pandemia que poderiam empreender e muitos deram certo. Mudou a característica. Até por isso, em 2022 houve uma mudança na metodologia da forma de computar os empregos no Caged”, lembra.