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SÃO PAULO – Para muito além apenas dos efeitos da pandemia do coronavírus, a visão que há sobre o Brasil hoje é bastante pessimista, com uma crise fiscal acentuada e discussões que já deveriam ter sido superadas e parecem não ter uma solução, como o caso do Orçamento de 2021.
Essa é a avaliação de três dos maiores economistas do país: Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central; Luiz Fernando Figueiredo, CEO da Mauá Capital; e Pedro Jobim, sócio da Legacy Capital. Juntos, eles participaram da Super Lives – 1 ano de pandemia, série organizada em parceria pelo InfoMoney e pela XP e avaliaram o cenário nacional (veja o vídeo na íntegra acima).
Segundo Schwartsman, o fiscal é uma questão crônica na história do Brasil – e não é agora que devemos ver uma real solução para este assunto. “Francamente, eu não sei qual é a solução porque a solução não é estritamente econômica, precisa de uma solução legal para esse problema”, avalia, citando o desafio jurídico criado para que o Orçamento deste ano seja aprovado.
O economista avalia que o país não tem capacidade para formar um consenso político sobre o assunto e que consiga definir quem que vai ter que ceder. “As corporações se recusam a perder, e curiosamente elas são apoiadas por boa parte da sociedade”, afirma.
“A sociedade brasileira ainda não se convenceu de que o estado não pode entregar tudo. [O Brasil] gasta como uma social democracia europeia, mas nós somos um país emergente, e em particular um emergente que não cresce muito, talvez porque ache que é uma social democracia europeia e gasta como tal”, analisa ele.
Diante disso, Schwartsman avalia que a capacidade do Brasil em conter os gastos está se aproximando de zero. “A gente não vai conseguir passar nenhuma reforma de peso que consiga conter os gastos obrigatórios”, diz ele, apontando que até mesmo o teto de gastos não tem mais poder para isso.
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Já para Jobim, o debate que está acontecendo agora é o mesmo visto desde agosto do ano passado, quando no início da questão do Orçamento os ministros já tentavam obter recursos para suas pastas.
E ele alerta que o país já está muito atrasado, sendo que, por volta de meados do ano, em julho, já se inicia o debate do Orçamento de 2022, que deve ser ainda mais problemático por se tratar de um ano eleitoral. “Imagina a disputa que vai haver por verba em 2022. Isso vai ser muito feio”, afirma.
“Nós estamos andando para trás. Temos até alguma chance de reforma administrativa, mas nós ainda estamos discutindo o orçamento do ano […] A pandemia está no pior momento. Ela vai melhorar em algum momento, vai haver uma recuperação cíclica, mas e aí? O que vai haver no fim de 2021 e começo de 2022?”, questiona o sócio da Legacy.
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Apesar de manter o tom negativo, Figueiredo se mostra um pouco mais otimista de que o país encontrará uma solução. “Ser pessimista está fácil no Brasil, não está precisando de nada […] Mas eu já vi isso acontecer outras vezes, e sempre que chegamos nesse nível, o Brasil não caiu do precipício”, avalia.
Para ele, do lado político, alguns grupos, como o centrão, irão entender que este cenário ruim para o Brasil também é negativo para eles. “A gente vai continuar tendo uma piora gradual, mas não será suficiente para cairmos no precipício”, diz ele alertando que, por outro lado, se o atual governo “não fizer nada”, aí o risco do país “cair” aumenta.
Schwartsman ainda avalia também que nenhuma das esferas do governo parece caminhar para encontrar a solução. “O Executivo parece desinteressado, o ministro da Economia [parece] incapaz de formular uma proposta, os outros ministros agindo pelas costas. O Congresso, que chegou a colaborar na questão da reforma tributária, a essa altura já jogou tudo para cima. Estamos num caminho péssimo no que diz respeito a questão fiscal e não vejo um final bonito para essa história”, conclui.
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O mercado de trabalho e atuação do BC
Questionados sobre a avaliação do mercado de trabalho no Brasil, os três economistas disseram ter muita dificuldade de entender a situação após as mudanças de metodologia ocorridas no Caged e na Pnad Contínua. Para eles, nenhum dos dois indicadores está realmente mostrando como está o cenário no país.
“Estamos muito no escuro em relação ao mercado de trabalho, e isso é um grande problema”, avalia Schwartsman, citando que o próprio Banco Central chegou a citar os números do Caged na ata da sua última reunião de política monetária como sinal de melhora, mas que não há como saber, pelos indicadores, se isso realmente está acontecendo.
Já Figueiredo não acredita que o BC esteja tão preocupado com o mercado de trabalho na questão da definição de sua política monetária, mas o que está pesando mais é o risco de perder as expectativas, por isso decidiu realizar uma alta mais agressiva de juros.
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“O BC tinha que ser mais agressivo no curto prazo para não deixar as expectativas fugirem, [a alta da Selic] foi mais para falar ‘gente, eu não estou de brincadeira aqui'”, afirma o CEO da Mauá.
Nesta linha, Jobim ressalta que a Legacy defendia que o BC fizesse um aumento de juros ainda mais intenso neste momento. “A meta [de inflação] desse ano está virtualmente rompida e, para o ano que vem, temos um problema sério. É hora de olhar menos ainda para variáveis não observáveis, como o hiato [nome técnico para ociosidade da economia], e mais para coisas básicas como expectativa de inflação, inflação corrente e a influencia do câmbio”, avalia.
Câmbio
Sobre o cenário para o câmbio, com o real bastante descolado de seus pares internacionais e registrando queda contra o dólar mesmo em um cenário de valorização das commodities, Schwartsman avalia que o problema não é a política monetária brasileira.
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Tradicionalmente, em um cenário de juros mais altos, o real tende a se apreciar, já que o mercado brasileiro fica com taxas mais atrativas para estrangeiros, enquanto com a Selic baixa, a moeda local costuma perder valor ante o dólar. Por outro lado, isso não está ocorrendo no país hoje.
Para o ex-diretor do BC, o Brasil está reprisando episódios vistos entre 2015 e 2016, com um governo que não tinha capacidade de avançar com os ajustes e reformas necessários. “Essa bagunça se traduz em uma falta de perspectiva”, avalia.
“A política monetária não vai ter poder de reverter a taxa de câmbio, e nem acho que é o seu papel […] Seu objetivo é não deixar as perspectivas de inflação se descolarem”, afirma o economista apontando que o desafio da autoridade monetária hoje é evitar que a inflação hoje contamine preços que não estão diretamente ligados às commodities, como o preço de serviços.
Por fim, Jobim e Figueiredo discordaram sobre o patamar que a Selic devia estar neste momento. Para o sócio da Legacy, o Brasil demorou muito para reduzir os juros por conta da crise da pandemia no ano passado e agora também deveria estar sendo mais agressivo.
“A gente está nessa situação de juro a 2,75% hoje, mas isso é compatível com toda essa incerteza? Eu acho que já deveria estar mais alto. Há expectativa de agravamento dessas fragilidades fiscais, e [o BC] poderia ter mais força de ancoragem”, diz.
Já para o CEO da Mauá, subir os juros agora para 6% ou 7% “não vai mudar nada”: “A gente tem uma dominância da questão fiscal”, diz ele avaliando que, apesar dos choques, a inflação está sob controle, sem efeitos secundários, onde aí o BC teria maior poder de atuação.
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