“Medidas populistas terão custo muito alto para o País”, diz Mansueto Almeida

"Os juros vão aumentar, a inflação vai voltar, os desequilíbrios setoriais vão se acentuar e o investimento vai cair", afirma ex-secretário do Tesouro

Estadão Conteúdo

(Foto: Gustavo Raniere)
(Foto: Gustavo Raniere)

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O economista Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro Nacional, é um dos técnicos mais respeitados do País quando o que está em pauta é a questão fiscal.

Em sua primeira entrevista depois de deixar o governo, em 15 de julho, Mansueto, que completa 53 anos hoje, afirmou ao Estadão que todo mundo vai perder se a agenda fiscal sair do trilho.

“Se o debate político nos levar a adotar medidas populistas, já que os benefícios de curto prazo são maiores do que os danos, que vão aparecer aos poucos, o custo será muito alto”, afirma. “Os juros vão aumentar, a inflação vai voltar, os desequilíbrios setoriais vão se acentuar e o investimento vai cair.”

Qual a sua visão sobre a situação fiscal do País? Como o Brasil sairá da pandemia neste quesito?

É um pouco preocupante. Quando o teto de gastos foi aprovado, em 2016, foi previsto um ajuste fiscal gradual, que o mercado aceitou.

Qual era a lógica? Com a economia crescendo 2,5% ao ano, a despesa não financeira do governo cairia cinco pontos porcentuais do PIB (Produto Interno Bruto) em dez anos, o equivalente a 0,5 ponto do PIB por ano.

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Com isso, o déficit primário existente na época, de 2,5% do PIB, seria transformado num superávit de 2,5% do PIB em 2026. A previsão era zerar o déficit em 2021. Só que, no orçamento enviado pelo governo ao Congresso, o déficit estimado para o ano que vem é de 3% do PIB. Ou seja, depois de cinco anos de o teto ter entrado em vigor, o déficit primário aumentou, em vez de diminuir.

Olhando um pouco mais para a frente, qual a sua expectativa para as contas públicas?

O cenário hoje é mais desafiador do que em 2016, quando o teto dos gastos foi aprovado. Se não houver aumento de arrecadação maior do que o crescimento da economia nos próximos anos, ou seja, se a arrecadação em relação ao PIB não aumentar, vamos chegar em 2026 com déficit primário, mesmo que o Brasil continue a cumprir o teto de gastos até lá. Pela regra do teto, você poderia reduzir a despesa em no máximo 0,5 ponto do PIB por ano.

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Em cinco anos, daria para obter uma redução de 2,5% do PIB. Mas, como o déficit do ano que vem será de 3% do PIB, ainda haverá um déficit de 0,5 ponto do PIB em 2026, quando o teto de gastos completará dez anos.

Com as despesas feitas na pandemia, a previsão é de que a dívida pública bruta chegue a quase 100% do PIB neste ano. Como isso afeta o quadro fiscal?

É mais um agravante. Em 2016, quando a gente começou a falar em teto dos gastos, a dívida pública bruta era 69,9% do PIB. No fim deste ano, será de 95% a 100% do PIB. Então, hoje, o ponto de partida para o ajuste fiscal é pior do que naquela época. O déficit é maior e a dívida, muito mais alta.

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Não tem muita margem para erro. Se chegar a um ponto de os investidores não confiarem no governo, o prêmio de risco para colocar os títulos públicos no mercado será muito alto, o juro vai subir muito e a coisa pode ficar muito séria.

A taxa básica de juros, hoje, está em 2% ao ano, o menor nível de todos os tempos. Até que ponto isso pode contribuir para o reequilíbrio das contas publicas?

Realmente, uma das coisas que beneficiam o País é que a taxa de juros caiu muito. Mesmo com uma dívida muito maior, o serviço será menor do que há quatro ou cinco anos. Agora, no Brasil, os juros estão muito baixos, mas a maior parte da nossa dívida gira no curto prazo.

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Se a gente fizer alguma tolice e o juro de curto prazo lá na frente – não estou falando em dois três meses, mas em um ano ou um ano e meio – subir muito, vamos ter um problema muito grave.

Mesmo com a carga tributária do País já alta, tem gente que defende que a solução para tudo isso é um novo aumento de impostos. O que o sr. pensa sobre isso?

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O aumento da carga tributária pode se dar por meio da revisão de benefícios tributários, e não por meio de elevação de alíquota. Uma parte do aumento da arrecadação de que o País precisa virá do crescimento e outra parte, da revisão de renúncias tributárias. Se isso não for suficiente, terá de vir também pelo aumento de alíquotas.

Se a gente seguir uma agenda de aumentar gasto público, a carga tributária terá de ser ainda maior do que é. Se formos por esse caminho, de esquecer controle de gasto e aumentar carga tributária, o País vai crescer pouco. É um caminho que me assusta muito. Espero que a gente não vá por aí.

Toda esse ajuste nas contas públicas terá de ocorrer num ambiente eleitoral, quando há mais resistência em adotar medidas impopulares. Neste ano, temos eleições municipais e em 2022 a eleição presidencial, na qual o presidente Jair Bolsonaro deverá disputar a reeleição. Como isso pode afetar o ajuste fiscal?

Isso é um problema que afeta vários países. Como conciliar o desejo legítimo de um governante de ser reeleito e aprovado pelo que está fazendo, num país que tem reeleição, com a necessidade de um ajuste fiscal num prazo mais longo? A única forma de solucionar esse dilema é o bom debate político. Nenhum técnico, nenhum economista, vai resolver isso.

Se o debate político nos levar a adotar medidas populistas, já que os benefícios de curto prazo são maiores do que os danos, que vão aparecer aos poucos, é um risco que a gente tem de correr.

A gente só vai conseguir forçar o governo a seguir uma trajetória que não seja populista, mas fiscalmente responsável, com o debate político. Aí não estou falando só dos partidos. A sociedade civil tem de pressionar o governo, os nossos representantes, para garantir que não vamos sair do trilho, porque o custo será muito alto. Se a gente falhar agora, não vai ter mágica.

Os juros vão aumentar, a inflação vai voltar, os desequilíbrios setoriais vão se acentuar e o investimento vai cair, até chegar num ponto em que a sociedade se sentirá tão pressionada que acabará fazendo alguma coisa.