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SÃO PAULO – O Open Banking é um conjunto de regras e tecnologias que vai permitir o compartilhamento de dados e serviços de clientes entre instituições financeiras, por meio da integração de seus respectivos sistemas.
O consumidor passa a ser dono dos seus dados, e não mais a instituição financeira. Essa pessoa poderá escolher as instituições com as quais gostaria de compartilhar seus dados a fim de usar algum serviço ou produto. Para saber mais sobre o funcionamento do Open Banking, assista ao vídeo no player acima.
Entre outras consequências, a chegada do Open Banking no Brasil deve gerar impactos profundos no mercado de crédito. Como as instituições financeiras terão mais informações para fazer análises de potenciais devedores, a concorrência tende a aumentar, assim como o volume de crédito disponível.
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Com maior concorrência, os juros devem cair (confira o cronograma de implementação do Open Banking no Brasil). Mas as mudanças devem ocorrer a longo prazo, segundo os especialistas consultados pelo InfoMoney. Entenda:
Como funciona o mercado de crédito
Para entender como a chegada do Open Banking pode mudar a lógica de funcionamento atual do mercado de crédito, veja um exemplo. Imagine que você quer financiar um imóvel novo e tem conta no “Banco A”. Atualmente, essa instituição detém seu histórico de crédito, que indica se você é ou não um bom pagador – e os juros cobrados variam de acordo com essa avaliação.
Se você deseja pedir um empréstimo no “Banco B”, no qual não tem conta aberta, não consegue levar seu histórico de crédito para essa instituição. Se você for um bom pagador, é possível que pague juros mais altos que os bons pagadores que são clientes do “Banco B”, simplesmente porque esse banco não sabe disso. No limite, pode nem conseguir o financiamento.
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Assim, o cliente fica dependente da instituição na qual tem conta e sujeito às suas taxas, o que incentiva ainda mais a já alta concentração bancária no país.
1ª mudança: mais concorrência e maior aprovação de crédito
Um dos objetivos do Open Banking é reduzir essa barreira de entrada, democratizando empréstimos. Bancos, fintechs e demais instituições financeiras podem ter acesso a informações de pessoas físicas e empresas – desde que autorizados -, e o cliente passa a ter mais opções para escolher a que oferece as melhores condições para o serviço que deseja utilizar.
Segundo João Bragança, diretor sênior da consultoria Roland Berger e especialista em meios de pagamento, o histórico do cliente é o ativo mais importante para o banco na hora de conceder o crédito. “É a partir desses dados de comportamento que a instituição vai pensar em ofertas e direcioná-las ao perfil do cliente, conforme suas necessidades. É também o que permite saber se aquela pessoa consegue arcar ou não com a dívida que está tomando. Portanto, se é interessante manter o cliente na carteira ou não”, explica.
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“O cliente que desejar fazer uma cotação de empréstimo em um banco no qual não tem conta terá uma proposta muito mais alinhada ao seu perfil se desejar compartilhar seu histórico. O modelo de score pode ficar muito mais robusto.”
O novo modelo gera também oportunidades de negócio para fintechs e instituições financeiras de menor porte, que passam a ter acesso a informações sobre os clientes de concorrentes.
“O Open Banking traz muita oportunidade de negócio. Acessar dados compartilhados pelos próprios clientes vai permitir que as fintechs nadem em um oceano azul”, analisa Otavio Farah, CEO do Fitbank, plataforma de Open Banking que começou a operar em 2015.
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“O processo de aquisição de novos clientes deve ser dramaticamente facilitado, porque exigirá menos esforço. É difícil analisar e aprovar um novo cliente na concessão de crédito hoje: o volume é concentrado nos cinco principais bancos, nem todo mundo busca instituições alternativas. Geralmente, quem busca é o cliente que não conseguiu aprovação em outros lugares”, explica Ricardo Taveira, CEO da plataforma de finanças abertas Quanto. “Com as instituições sendo obrigadas a compartilhar os dados que têm em mãos, caso o cliente queira, mais empresas poderão acessar esse histórico e conceder crédito.”
2ª mudança: queda nas taxas (no longo prazo)
O aumento de concorrência deverá fazer com que as instituições abordem seus clientes com ofertas mais atrativas, já que os clientes poderão fazer análises de crédito em outras instituições.
“Tende a acabar aquela regra de que os bons pagadores pagam pelos maus. Conceder ou não o crédito virou uma decisão mais rica em dados, e com isso teremos ofertas mais assertivas”, diz Rafael Stark, CEO da Stark Bank. Fundada em 2018, a fintech oferece interfaces de programação de aplicações (ou APIs) para que empresas incluam serviços financeiros em seus apps. As APIs funcionam como uma espécie de ponte que conecta aplicações diferentes, no caso serviço financeiro em app de outros serviços, por meio de uma mesma linguagem (saiba mais aqui).
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Os consumidores que têm contas em dia devem ser beneficiados com taxas de juros menores, enquanto maus pagadores verão propostas mais condizentes com o risco que apresentam ao credor. Para Farah, do Fitbank, o mau pagador poderá ser beneficiado com o Open Banking caso uma instituição financeira decida reavaliar os dados disponíveis, reincluindo esse negativado no mercado de crédito.
“Até a pessoa que tem um problema com algum banco pode receber uma nova precificação de outra instituição financeira. A instituição vai cobrar um juro mais alto por isso, mas a pessoa terá acesso ao crédito. Antes, com menos concorrentes e menos informações disponíveis, a análise de crédito se concentrava no histórico de alguns grandes bancos”, explica.
Bragança também entende que a chegada do Open Banking fará com que haja uma convergência dos agentes do mercado para diminuírem taxas e custos de diversos empréstimos. “O preço que você cobra pode afastar ou atrair clientes. Em um ecossistema de ainda mais concorrência, essa será uma ferramenta das instituições para reterem clientes e atraírem bons pagadores”, avalia Bragança.
Mas os consumidores não devem esperar uma queda imediata nas taxas de empréstimos assim que a próxima fase do Open Banking começar, alerta o diretor da Roland Berger. “É um processo que pode demorar. Talvez os consumidores ainda não sintam essa queda de juros neste ano”, diz.
Isso porque, para Bragança, nenhuma instituição quer diminuir seu spread (a diferença entre o que o banco paga para obter os recursos e o que ele cobra para emprestar esses mesmos recursos, ou seja, parte do seu lucro).
“Devido à concentração do mercado, o spread cobrado pelos bancos é alto hoje. Os consumidores, por consequência, arcam com preços mais altos para tomar crédito. Com o Open Banking e o aumento da concorrência, acredito que vai acontecer um efeito de erosão da base de clientes. As pessoas serão atraídas para ofertas novas de outras instituições e compartilharão seus dados. Quando esse processo acelerar, a pressão sobre as taxas vai tomar forma. A queda nas taxas deve acontecer, mas antes é preciso que haja adoção ao Open Banking – e como será esse processo ainda é uma incógnita”, explica.
Taveira, da Quanto, concorda e acrescenta que a queda não será generalizada. “A queda nas taxas de juros é inevitável, mas vai acontecer na média. Não é que, de um dia para o outro, a taxa que era de 1% ao mês será de 0,5% ao mês. Conforme os clientes considerados bons pagadores forem compartilhando seus dados, terão acesso a taxas menores e a ofertas muito melhores do que as que têm hoje. Já quem é mau pagador pode não encontrar taxas muito melhores do que as atuais, mesmo no longo prazo”, diz.
Uma pesquisa da consultoria Ernst Young (EY) sobre o Open Banking no Brasil mostra que 29% dos consumidores entendem que esse novo sistema pode diminuir as taxas e tarifas bancárias como um todo. A pesquisa, intitulada “Quais os desafios para o sucesso do Open Banking no Brasil?”, contou com cerca de mil participantes do Brasil e foi feita em junho de 2020.
3ª mudança: crédito mais distribuído, inclusive em marketplaces
Bragança, da Roland Berger, entende que outro efeito será na distribuição de crédito. “Com o Open Banking funcionando de forma plena, será possível plugar vários produtos de crédito em uma interface só, em uma espécie de marketplace de crédito. Esse modelo de negócio vai provocar parcerias entre instituições financeiras e novos negócios. Na prática, em uma mesma plataforma seria possível encontrar produtos de crédito de diferentes instituições”, explica.
Apesar de essa possibilidade existir, Bragança entende que um modelo de marketplace ainda pode estar longe de funcionar na prática. “O mercado ainda precisa amadurecer e se adequar à mudança no ecossistema como um todo”, diz.
Igor Senra, fundador da fintech Cora, afirma que o Open Banking também servirá para integrar operações financeiras a marketplaces que não atuam apenas com crédito, como os de serviços de gestão. Por exemplo, um empreendedor paga um boleto. Por meio de APIs, o repasse dessa informação é feito automaticamente, já que o banco conversa com o software. Hoje, é preciso firmar acordos entre softwares e instituições financeiras específicas. O Open Banking deve facilitar as negociações, pois o compartilhamento depende do desejo do cliente. “O compartilhamento de APIs de instituições financeiras deve incluir sistemas de gestão, com o objetivo de reduzir tarefas repetitivas.”
A visão de Senra é compartilhada por Vinícius Roveda, fundador da Conta Azul. A startup fornece sistemas de gestão para pequenas e médias empresas, com uma extensão para contadores. “Queremos ajudar nossa base de clientes a consumir serviços financeiros mais personalizados. Vemos uma nova geração de sistemas de gestão, que atua como conciliadora de informações em um contexto de utilização de bancos digitais e redução de ida às agências bancárias físicas. Os negócios deram um salto de digitalização, vivenciando anos de transformação em poucos meses”, diz Roveda.
O Open Banking começou a ser usado pela fintech em 2016, por meio de uma operação estruturada para pessoas jurídicas junto com o Banco do Brasil. “Por conta própria, o BB forneceu APIs para acesso ao extrato bancários, permitindo operações na conta corrente. Nosso sistema de gestão fala com o internet banking deles, para consultas ou para permitir operações dentro do nosso software. A regulamentação do Open Banking vai transformar esse tipo de relação em padrão”, diz o fundador da Conta Azul.
Usuários poderão compartilhar informações de seu fluxo de caixa presentes no sistema da Conta Azul com a instituição financeira de escolha, permitindo a análise das informações para uma melhor concessão de crédito. A Conta Azul também fará o movimento inverso, incluindo dentro de seu sistema de gestão produtos de crédito de instituições financeiras, como empréstimo para capital de giro ou aplicação do saldo parado em conta. “Esse é o potencial que enxergamos, mas vai levar um tempo”, diz Roveda.
Quando os consumidores verão o Open Banking?
A implementação do Open Banking no sistema financeiro do Brasil não vai acontecer de uma hora para outra. É um processo que, aos poucos, deve ir evoluindo – e se dará em quatro fases principais. A primeira delas começou no dia 1° de fevereiro deste ano, e serve basicamente para as instituições financeiras (saiba mais aqui).
A participação do consumidor virá na segunda fase, prevista para começar em julho de 2021, quando, com o consentimento do usuário, instituições financeiras estarão aptas a compartilhar entre elas dados cadastrais (como nome e CPF), extratos bancários e tarifas cobradas.
Na terceira fase, prevista para agosto deste ano, novos serviços vão ser liberados, como o do iniciador de pagamentos. E, por fim, na quarta fase, que deve começar em dezembro, informações sobre diversas operações poderão ser compartilhadas – como investimentos e seguros.
Para todas as fintechs ouvidas pelo InfoMoney, os efeitos ao consumidor devem ser mais sentidos a partir da segunda fase, que vai permitir o compartilhamento de extratos entre as instituições financeiras, desde que o consumidor dê sua permissão. “No caso do crédito, a instituição pode estimar a chance de pagamento com base nesse histórico de pagamentos. A partir dessa funcionalidade, os efeitos na oferta e nas taxas começarão a ser sentidos”, explica Stark.
O CEO da Stark Bank considera chance de mais atrasos nas fases do Open Banking, também vistos em funcionalidades do Pix, sistema de pagamentos instantâneos do BC. Stark também ressalta que toda inovação demora a ser difundida, especialmente quando as empresas precisam fazer integrações.
“O Pix foi diferente, porque havia uma grande demanda represada por transferências instantâneas e elas podem ser feitas no próprio app do banco, que se liga ao Banco Central. O Open Banking precisa de conversas entre os bancos. Desenvolvimento, integrações e posterior lançamento no mercado devem ser vistos mais para o final de 2022.”
Além de possíveis atrasos nas fases e dificuldades de operacionalização das mudanças, outra barreira para a disseminação do Open Banking está no receio em contrair empréstimos com novos players.
A pesquisa da EY mostra que poucas pessoas buscam crédito em fintechs e bancos digitais. Há um perfil específico de pessoas que considera essa opção. “Apenas 7% do total de entrevistados buscam crédito digital. Desse grupo, apenas 15% procuram bancos digitais ou fintechs. As pessoas que buscam crédito digital são jovens e de alta renda. O mundo do crédito ainda não é tão digital quanto o universo de pagamentos no Brasil. Por isso, a expectativa é de que esse mundo do crédito digital demore ainda mais para decolar com a chegada do Open Banking”, explica Schur.
Consumo, formalizados e nichos saem na frente
Apesar de o Open Banking ter potencial para impactar o mercado de crédito como um todo, Rafael Schur, sócio e líder da área de mercado financeiro da Ernst Young no Brasil, explica que a tomada de crédito de consumo é diferente da tomada de crédito imobiliário, por exemplo.
“Há questões relacionadas à regulação e os tipos de garantias são distintos. Mesmo a concorrência não é a mesma em determinados nichos. Nem todo crédito é igual. São produtos diferentes, com empréstimo de dinheiro para diferentes objetivos”, avalia.
Nesse contexto, Schur entende que créditos de curto prazo e focados em consumo tendem a deslancharem mais rápido com o Open Banking funcionando de forma plena. Ao tomar empréstimos mais longos e mais caros, como o imobiliário, o consumidor ainda tem alguma insegurança em compartilhar os dados com instituições que não são as tradicionais, ainda mais quando se trata de um valor tão alto quanto o de um imóvel, segundo o especialista. “Como a gestão de risco nesse tipo de crédito é maior, a concorrência vai acontecer, mas de forma mais lenta.”
O estudo da EY sobre Open Banking mostra que os bancos tradicionais ainda são a opção mais confiável para posse de dados financeiros pessoais, para 63% dos entrevistados da pesquisa. Apenas 6% confiam em fintechs como a primeira opção na posse dos dados. Ou seja, menos pessoas estariam propensas a compartilharem os dados com as fintechs.
Para Farah, do Fitbank, a inovação deve chegar antes às pessoas físicas e jurídicas formalizadas, por terem mais dados disponíveis para análise. Outros pioneiros do Open Banking serão os setores mais especializados.
“O Open Banking pode aparecer antes em nichos. Por exemplo, ao obter informações sobre contas a receber das transportadoras. Se eu já sei quando um embarcador vai pagar a transportadora por meio do extrato dela, posso conceder uma antecipação de recebíveis em condições mais adequadas. Se a instituição não conseguir nichar seus produtos financeiros, ficará para trás. Terá uma análise menos assertiva, e então terá propostas caras demais aos bons tomadores de crédito, ou baratas demais aos maus tomadores.”
Um exemplo de especialização é a Cora, com as PMEs. “Temos certo atraso no atendimento hoje: fazemos uma boa análise a partir de três meses de informações do cliente conosco. Com o Open Banking, ele pode ter um histórico em outra instituição financeira e trazer essas informações, acelerando nossa coleta e análise de dados”, explica Senra.