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SÃO PAULO – Nesta quarta-feira (9), o Banco Central decidiu manter a taxa Selic em 2%. Essa foi a terceira manutenção da taxa básica de juros após nove cortes seguidos. Mesmo assim, o BC destacou mais uma vez a preocupação com o aumento generalizado de preços. Em comunicado, a autoridade monetária disse esperar que a inflação ainda se mantenha pressionada em dezembro (veja em detalhes a relação entre a Selic e a inflação).
Em novembro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) novamente superou expectativas e subiu 0,89% em relação a outubro. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi o maior resultado para um mês de novembro desde 2015, quando o IPCA atingiu alta de 1,01%.
O último mês do ano promete continuar com alta de preços, como ressaltou o BC. O governo tenta antecipar a pressão inflacionária prevista para 2021, por meio da volta do sistema de bandeira tarifária na conta de luz (veremos mais abaixo). Mas isso será suficiente para os preços se comportarem no próximo ano?
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O InfoMoney ouviu economistas para entender o comportamento dos índices inflacionários em 2020. Também traçou projeções para o aumento de preços em 2021 – o que dependerá das respostas dadas pelo Banco Central.
2020 atípico…
Este ano teve comportamentos inflacionários muito distintos na comparação entre o primeiro e o segundo semestres. “Os primeiros meses de pandemia forçaram uma parada total na economia, levando inclusive a uma rara deflação no IPCA”, diz Vale. O índice encerrou abril com queda de 0,31%. Em maio, a queda foi de 0,38% (veja por que a deflação pode ser ruim para a economia).
Ao mesmo tempo, “as cadeias de fornecedores foram afetadas de maneira heterogênea pelo confinamento e pelas medidas sanitárias necessárias para continuidade da produção”, afirma Geraldo Biasoto Junior, professor da Unicamp e ex-coordenador de política fiscal do Ministério da Economia.
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Nos meses seguintes, itens em falta geraram escassez e sobrepreço. A capacidade de produção prejudicada pela desarticulação de atendimento conviveu com o auxílio emergencial, que impulsionou o consumo em algumas faixas de renda e alguns tipos de produtos, analisou Murilo Viana, especialista em finanças públicas e mestre em economia pela Unicamp. Assim, o cenário da inflação mudou no segundo semestre. O IPCA acelerou, especialmente de setembro em diante.
Uma parte da alta nos preços foi por decisão do próprio governo. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu retomar neste dezembro o sistema de bandeiras tarifárias, adotando a bandeira vermelha patamar 2, que adiciona R$ 6,243 para cada 100 quilowatts-hora consumidos nas contas de luz. O sistema estava suspenso desde maio, para aliviar os consumidores durante a pandemia..
A tarifa adicional leva a um aumento no custo da energia, o que impacta tanto as despesas das empresas quanto a das famílias. É uma tentativa de manter o repasse de preços dentro de 2020, abrindo espaço para uma menor inflação em 2021.
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Segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney, o anúncio da bandeira vermelha 2 motivou reajustes nas projeções do IPCA para 2020. A expectativa de inflação para este ano saltou de 3,54% na semana passada para 4,21% nesta semana, segundo o boletim Focus do Banco Central, relatório que reúne expectativas de mercado.
“A energia compromete cerca de 4% do orçamento familiar. Ou seja, cada aumento de 1% no custo da energia se reflete em aumento de 0,04 ponto percentual no IPCA. A nova bandeira tarifária faz a conta de luz subir mais de 12% em dezembro, o que eleva o IPCA em cerca de 0,5 ponto percentual no mês. É um reajuste nada desprezível”, explica André Braz, economista e coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Por outro lado, com a adoção da bandeira vermelha já em 2020, a estimativa de IPCA para 2021 perdeu força no último boletim Focus. Para o próximo ano, o IPCA esperado ficou em 3,34%, contra 3,47% na semana anterior.
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Braz concorda que a decisão da Aneel pode trazer algum alívio para a inflação do ano que vem. Mas não existe motivo para muita comemoração. “Qualquer outra bandeira abaixo da vermelha patamar 2 para dezembro de 2021 pode fazer o IPCA recuar alguns pontos, na comparação anual, que terá como base de comparação a forte alta de dezembro deste ano”, diz.
A bandeira vermelha patamar 2 foi adotada por causa dos níveis baixos em represas, que levaram à adoção de termelétricas – uma produção de energia mais custosa do que a de hidrelétricas. Há uma expectativa de que o nível dos reservatórios melhore entre janeiro e março de 2021, período de chuvas, o que poderia se refletir em bandeira amarela ou verde.
“Mesmo assim, acho que o mercado está muito otimista com relação à inflação em 2021”, diz Braz. “Já vivemos isso no passado, de acionar a bandeira antes para colocar a pressão na inflação no mesmo ano e evitar a contaminação para o ano que vem. Mas isso não exclui todas as outras pressões que existem. O aumento da conta de luz neste ano é um falso alívio”, complementa Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
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No acumulado em doze meses, o IPCA teve alta de 4,31%. Essa inflação está acima do centro da meta do governo – atualmente estipulada em 4%, com margem de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Ainda é preciso comparar o resultado deste dezembro com o do ano passado, que ficou em 1,15%, para fechar o IPCA de 2020.
Braz projeta um IPCA maior para dezembro de 2020, de 1,20%. “O anúncio do IPCA de novembro já surpreendeu o mercado. No Focus da próxima segunda-feira (14), espero mais uma revisão do mercado em relação à expectativa do IPCA para 2020. Com base nas coletas do início de dezembro, prevejo que o IPCA pode se aproximar de 4,40% no acumulado do ano”, afirma o economista da FGV.
A projeção de Vale, da MB Associados, é similar. O índice terminaria 2020 com alta entre 4,40% e 4,50%. “Temos de acompanhar as leituras preliminares do IPCA-15 e do IPC-S. A energia será apenas um elemento. A alimentação continua pressionada e podemos ver a inflação tradicional de dezembro nos setores de transporte aéreo e vestuário.”
… E 2021 incerto
Alguns fatores jogam contra uma escalada da inflação no próximo ano – como crescimento econômico baixo, fim do auxílio emergencial e desemprego elevado.
“A população brasileira de baixa renda ficou ainda mais pobre com o aumento dos alimentos. O fim do auxílio pode agravar esse quadro”, alerta Braz, da FGV.
Mesmo assim, outras heranças de 2020 acendem o alerta para a inflação de 2021. Uma delas são os reajustes que se baseiam nos índices fechados de 2020. Vale cita reajuste nos transportes em janeiro; na educação em fevereiro; e nos medicamentes em abril. “São pressões periódicas, que afetarão a inflação logo no começo de 2021”.
Outro ponto de atenção é a dispersão da inflação. A alta de preços dos últimos meses estava muito concentrada em alimentação – e isso continua, com alimentos e bebidas sendo a categoria que mais inflacionou o IPCA em novembro. Mas houve, por exemplo, aumento de consumo de gasolina. “As classes média e alta têm uma cesta de consumo diversificada e economizaram dinheiro na pandemia. Boa parte dessa cesta serviu de âncora para a inflação, com o isolamento social freando gastos com cinema e passagens aéreas, por exemplo. A reabertura da economia e a volta do consumo faz a poupança emagrecer e a inflação se dispersar”, diz Braz.
Biasoto Junior concorda que veremos um aumento de consumo em categorias diversas. “A taxa de juros nunca foi tão baixa nos últimos 40 anos. O impacto não foi notado em 2020, mas será percebido em 2021. Os consumidores tenderão a não deixar dinheiro na conta corrente, mas antecipar o consumo de bens duráveis. A fila da compra de automóveis já mostra isso.”
Vale defende que a inflação atual se deve mais a uma pressão na estrutura de custos das empresas do que a uma pressão causada pela demanda. A inflação sofrida pela indústria é vista no aumento no preço de diversas matérias-primas, medido pelo Índice de Preços ao Produtor (IPA/FGV).
Segundo Braz, o IPA acumula alta de 67% na categoria de matérias-primas entre janeiro e novembro de 2020 – que inclui itens como açúcar, algodão, alumínio, aves, carne bovina e suína e cobre. Boa parte deles são commodities, ou matérias-primas negociadas em dólar. Com o câmbio desfavorável, essas mercadorias devem continuar custando mais para quem trabalha com o real brasileiro. “São itens usados para fabricar os produtos na gôndola. Se a indústria tem uma estrutura de custos mais cara, é provável que uma parte dessa pressão se materialize em aumentos ao consumidor”, diz Braz.
Com produtores pagando mais pelos insumos, os primeiros afetados são os atacadistas – que compram direto dos fornecedores para revender ao varejo. “Os preços no atacado subiram bem mais do que os preços no varejo e para o consumidor”, afirma Viana.
O repasse de preços ao cliente final está acontecendo gradualmente, pelo receio de perder mercado em meio a um cenário de menor renda e demanda reprimida. Mas esse cenário pode mudar em 2021.
“As companhias nem se recuperaram direito de 2015 e pegaram uma nova crise como esta. A margem das empresas já está muito baixa, elas não conseguem comportar toda essa alta de preço”, diz Vale. “As companhias ainda não conseguiram repassar o aumento porque a demanda está fraca. Mas ele pode acontecer ao mínimo sinal de volta na procura do consumidor”. “Há um receio de que preços no atacado se propaguem para os preços ao consumidor. Isso geraria novas pressões inflacionárias em 2021”, completa Viana.
Um dólar mais baixo poderia se refletir em matérias-primas mais acessíveis, e preços melhores nas gôndolas. A expectativa descrita no último boletim Focus é de que o dólar valha R$ 5,10 em 2021. É uma leve desvalorização sobre os R$ 5,22 projetados para 2020. A cotação deve ir abaixo dos R$ 5,00 apenas em 2023.
Alguns analistas são mais otimistas do que o boletim e projetam um dólar na faixa de R$ 4,60 e R$ 4,70 já em 2021. Eles defendem como razões as notícias positivas sobre vacinas contra Covid-19 e o fluxo maior de capital estrangeiro para o Brasil. Com economia mundialmente estável, os investidores procurariam ativos mais arriscados, como os dos países emergentes – um movimento que já está começando a acontecer. Se a projeção cambial se concretizar, poderíamos ter um dos componentes mais importantes da inflação mais controlado em 2021.
Qual será a resposta do Banco Central?
Nesse cenário, o Banco Central se vê espremido. Segundo Viana, o BC estaria de olho em um aumento inflacionário, o que pressiona o aumento na taxa básica de juros (Selic). Mas também analisa a necessidade de manter uma política monetária mais frouxa (com juros mais baixos), atuando de maneira anticíclica e contendo sinais de recessão, como desemprego e queda na renda dos brasileiros.
A leitura reforçada na reunião do Copom de 2020 desta quarta-feira (9) é que o Banco Central está seguindo o forward guidance hoje, mas pode removê-lo no futuro. Essa “prescrição futura” determina que os juros não serão elevados (ou seja, o estímulo em curso, de juros baixos, será mantido) enquanto as projeções de inflação se mantiverem dentro da meta.
Um sinal de forward guidance é a manutenção da Selic em 2% ao ano. “Apesar da pressão inflacionária mais forte no curto prazo, o Comitê mantém o diagnóstico de que os choques atuais são temporários, mas segue monitorando sua evolução com atenção, em particular as medidas de inflação subjacente”, disse o Banco Central no comunicado sobre o Copom desta quarta. “Apesar da elevação desde a última reunião, em particular para o ano de 2021, as expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, permanecem abaixo da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária; o regime fiscal não foi alterado; e as expectativas de inflação de longo prazo permanecem ancoradas.”
Nas projeções do BC, uma Selic mantida em 2% ao ano até o final de 2021 se traduz em uma inflação de 4% em 2022. “Isso significa que, para atingir a meta de 3,5% ao ano [expectativa do boletim Focus de inflação para 2022], vão precisar subir a taxa básica de juros já ano que vem. Mas insistem em não considerar essa possibilidade como real”, analisa Vale.
O economista-chefe da MB Associados projeta que o IPCA acumulado em 12 meses pode chegar a 6,5% em maio de 2021. Essa estimativa considera reajustes setoriais no próximo ano e também a substituição dos índices inflacionários do começo de 2020, que foram baixos ou deflacionários, pelos índices de 2021, que devem ser mais altos. “Se o Banco Central mantiver o discurso de que a inflação não tem o risco de contaminação de outros preços, está apostando que o câmbio irá ajudar. Mas essa aposta depende de muita coisa dar certo.”
Gestoras como a SPX têm carregado posições compradas (que apostam na alta) em inflação implícita e avaliado que a trajetória de alta nos preços deve fazer com que a autoridade monetária altere o seu cenário-base. Com isso, o BC deve elevar os juros “significativamente”, escreveu a gestora de Rogério Xavier em carta aos cotistas. O último boletim Focus mostrou que o mercado espera uma Selic em 3% ao ano para 2021.
Os especialistas ouvidos pelo InfoMoney afirmam que o Banco Central deve se mostrar vigilante. Uma parte da ata da Copom já mostrou preocupação do BC, sinalizando a remoção do forward guidance. A mensagem surpreendeu o mercado.
“O Copom avalia que, desde a adoção do forward guidance, observou-se uma reversão da tendência de queda das expectativas de inflação em relação às metas para o horizonte relevante. Além disso, ao longo dos próximos meses, o ano-calendário de 2021 perderá relevância em detrimento ao de 2022, que está com projeções e expectativas de inflação em torno da meta. A manutenção desse cenário de convergência da inflação sugere que, em breve, as condições para a manutenção do forward guidance podem não mais ser satisfeitas”, diz o comunicado do BC.
Mas isso não implica mecanicamente uma elevação da taxa de juros, na visão do próprio BC. “A conjuntura econômica continua a prescrever estímulo extraordinariamente elevado frente às incertezas quanto à evolução da atividade. No cenário de retirada do forward guidance, a condução da política monetária seguirá o receituário do regime de metas para a inflação, baseado na análise da inflação prospectiva e de seu balanço de riscos”, diz o comunicado.
Para Viana, o cenário, por enquanto, comporta uma Selic de 3% ao ano no final de 2021, como projetado pelo Focus. “Em uma economia pouco dinâmica, ainda em busca de se recuperar de duas das maiores recessões da história em um curto espaço de tempo [2015 e 2020], uma subida antecipada dos juros pode comprometer ainda mais o incerto ritmo de retomada da atividade econômica em 2021”, analisa o mestre em economia pela Unicamp. “Mas, caso as pressões inflacionárias continuem ganhando tração nos próximos meses, o Banco Central vai se ver numa situação bastante desconfortável.”
“O aumento da Selic deve ser avaliado com cautela e usado no momento certo – se realmente houver um espalhamento maior da inflação nos próximos meses. Caso contrário, pode frustrar a recuperação de uma economia já retraída”, concorda Braz. “Uma alta na taxa básica de juros seria mais um tiro – um sinal de 0,25% ou 0,5%, mostrando que o Banco Central está comprometido com a meta de inflação.”
Para Vale, esse alerta virá no segundo semestre de 2021. A análise corrobora a expectativa de gestores de fundos multimercado ouvidos pela XP Investimentos. Eles esperam que o ciclo de alta da taxa básica de juros se inicie entre os meses de julho a setembro do ano que vem. Os gestores têm uma mediana de expectativa para a Selic em 3% ao ano em 2021, em linha com o último boletim Focus. Já o economista-chefe da MB Associados projeta uma Selic maior, de 3,5% ao ano, até o final de 2021.
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