Inflação de julho trouxe surpresas ruins e deve manter pressão sobre o BC

Média de núcleos, preços de serviços e inflação de bens industrias trouxeram sinais ruins no IPCA de julho; piora na inflação corrente deve manter suspense sobre possível alta da Selic

Roberto de Lira

Supermercado no Rio de Janeiro (Foto: Sergio Moraes/Reuters)
Supermercado no Rio de Janeiro (Foto: Sergio Moraes/Reuters)

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Apesar de o IPCA de julho, divulgado nesta sexta-feira (9) pelo IBGE, ter superado por muito pouco o consenso dos analistas – o índice cheio ficou em 0,38%, ante projeções de 0,35% – os economistas alertam para sinais preocupantes de reaceleração dos preços no início do segundo semestre.

Os núcleos de inflação aceleraram, os serviços continuam resistentes – especialmente os de itens menos voláteis – e os preços industriais podem ter começado a mostrar uma tendência de alta, alertam os especialistas.

Alexandre Maluf, economista da XP, destaca que já estava prevendo uma aceleração (de 0,34%) na média dos núcleos, mas que o dado veio ainda mais salgado (0,43%).

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Ele cita ainda os preços dos serviços no mês, que subiram 0,75%, muito por conta das passagens aéreas, mas afirma que mesmo sem esse item muito volátil houve aceleração, motivada por reajuste no seguro automotivo.

Mas o economista deu especial atenção em sua análise à variação dos bens industriais, que tiveram um período de desinflação, mas que agora começam a apontar para cima. Sinais disso já podiam ser observados no índices ao produtor (IPA) calculados pela FGV. Maluf acredita que esse preços devem continuar em alta nos próximos meses e chegar a 3% em 12 meses ao final de 2024.

A XP está mantendo sua projeção de um IPCA de 4% para este ano e de manutenção da taxa Selic em 10,5%, mas Maluf admite que o cenário tornou-se mais desafiador para o BC em sua definição de política monetária. “[O IPCA] Não deve mudar a cabeça do BC. Não é esse número que será definitivo para aumentar juros, como está na curva, mas é um número pior na margem”, adverte.

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Câmbio pode ajudar?

Andrea Damico, economista chefe da Armor Capital, argumenta na mesma linha. Ela considera que as notícias do indicador foram muito negativas para o BC, tanto nos núcleos como nos serviços subjacentes.

Para a economista, isso joga a favor das duas opções de política citadas na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom); de manutenção dos juros por um período prolongado ou de uma alta da Selic. “Aumentou a probabilidade de alta de juros. Não é nosso cenário, mas precisaria de uma apreciação do câmbio e melhora de dados correntes para ter uma materialização do primeiro cenário, que é de manutenção.”

Tatiana Pinheiro, economista chefe da Galapagos Capital, é outra analista que vê a taxa de câmbio como o principal fator para a expectativa do mercado com relação a decisão monetária na reunião de setembro.

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“Acreditamos que a volta [do câmbio] para o patamar de R$ 5,55 por dólar deve manter o BC na  estratégia de manutenção da Selic em 10,5% por um longo período. A continuação da tendência de depreciação do câmbio deve suportar a precificação de alta de juros no mercado de renda fixa”, comenta.

Pressão sobre o BC

Nicolas Borsoi, economista chefe da Nova Futura Investimentos, concorda que os números foram muito ruins, com uma piora significativa na qualidade do índice, mas lembra que isso veio em linha comas expectativas.

“Na realidade, esperávamos um avanço de 0,39% no IPCA e devemos ver uma continuidade desse momento negativo ao longo do 2º semestre”, afirma, concluindo que o cenário é ruim para o Copom, que  vai ser pressionado no fim desse ano, embora isso possa não ser suficiente para uma subida dos juros. “Mas vai suar frio.”

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Na avaliação de André Valério, economista sênior do Inter, de modo geral, o resultado de julho foi preocupante, mostrando uma deterioração das medidas que deveriam ser mais sensíveis à política monetária ainda bastante restritiva.

“Chama a atenção a reaceleração da inflação de serviços, especialmente em meio ao mercado de trabalho aquecido, o que pode se mostrar um empecilho para o processo de desinflação e eventual retomada de cortes de juros”, avalia.

No entanto, a melhora no cenário internacional e o consequente impacto no câmbio pode contribuir para evitar um cenário pior, segundo Valério. “Mantemos nossa visão de Selic constante em 10,5%, patamar que consideramos restritivo suficiente considerando o horizonte mais longo. Mas caso o repique de hoje se mostre mais persistente, associado a uma reversão da melhora do cenário externo, a discussão de necessidade de alta nos juros poderá ser inevitável.”

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Claudia Moreno, economista do C6 Bank, acredita que a inflação deve permanecer elevada neste segundo semestre. “A queda no preço das commodities em nível global, que puxou para baixo os preços dos bens industriais e dos alimentos nos primeiros meses do ano, ficou para trás. Além disso, a inflação dos serviços deve seguir pressionada por causa do mercado de trabalho aquecido”, explica. A projeção do banco é de um IPCA de 4,7% para o fim de 2024.