Governo busca difícil equilíbrio entre promessas de campanha e esforço de arrecadação adicional

Medidas para elevar receitas em busca de superávit primário geram desconfiança, em meio a novos gastos, isenções e embates no Congresso

Roberto de Lira

(Foto: Shutterstock)
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O governo federal vem tentando se equilibrar entre as urgentes necessidades de aumentar sua arrecadação – reforçadas após a apresentação da proposta do novo arcabouço fiscal – e as promessas da campanha eleitoral de “colocar o pobre no Orçamento”, que geram medidas não só de elevação de gastos, mas de renúncias fiscais.

Para chegar à meta exposta no arcabouço de zerar o déficit primário em 2024, serão necessários até R$ 150 bilhões em receitas extras.

Daí o esforço arrecadatório dos últimos meses, que inclui medidas como a volta do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o programa Litígio Zero, o fim da desoneração sobre combustíveis, a taxação de apostas esportivas online e o esforço por mudanças na base de cálculo de impostos federais em benefícios fiscais concedidos por estados.

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Entra nessa conta ainda a antecipação de mudanças em capítulos da Reforma Tributária específicos sobre a renda (como na tributação de investimentos no exterior e de fundos exclusivos), previstos anteriormente apenas para uma segunda fase da reforma, hoje focada mais nos temas de consumo.

Um relatório do Itaú divulgado nesta terça-feira destaca que houve três anúncios de medidas arrecadatórias desse o inícios da atual gestão: em janeiro, março e entre o final de abril e início de maio. Embora o governou tenha anunciado que as medidas com impacto em 2024 possam alcançar R$ 263 bilhões extras, o equivalente a 2,4% do PIB, o Itaú prevê receitas extras de R$ 11 5 bilhões (1% do PIB).

O banco alerta que a concretização dessas projeções está envolta em muita incerteza, dada a necessidade de posterior aprovação do Congresso para várias medidas, bem como a possível judicialização de outras e até por mudanças comportamentais dos contribuintes. “Se as medidas forem implementadas, entregarem o impacto anunciado e o déficit primário realmente diminuir, a percepção de risco fiscal melhorará”, diz o Itaú.

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Também é preciso levar em consideração, por outro lado, do peso de medidas que jogam no sentido de reduzir a arrecadação, como a mudança na tabela do Impostos de Renda da pessoa física, com a ampliação da faixa de isenção, a valorização do salário-mínimo e a promessa de isenção de impostos sobre programas de participação de lucros e resultados (PLR).

Segundo o último relatório mensal da Instituição Fiscal Independente (IFI), divulgado em abril, só o aumento da faixa de isenção de IR para pessoas com vencimentos mensais de até dois salários-mínimos representa uma renúncia de R$ 3,2 bilhões em 2023 e de R$ 6,0 bilhões em 2024.

Carlos Pinto, diretor do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), diz ver uma certa descoordenação entre as medidas, uma vez que é preciso buscar sempre um equilíbrio entre os três pilares das fontes de receita, que são a renda, o patrimônio e o consumo. “Ainda que haja impacto inicial nas empresas, no final do dia elas embutem nos preços é quem vai pagar é a gente”, comenta.

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Para o diretor do IPBT, o governo demostra querer amentar a capacidade de compra da maior parcela da população, na volta da política mais assistencialista, mas deveria também estar semeando o desenvolvimento mais estrutural.

No contexto dessa busca maior por receitas, até a mudança na tabela do Imposto de Renda, ampliando a faixa de isenção, perde o efeito, segundo Pinto.

“O pobre, ganhando mais, não significa que vai ter mais capacidade de compra, porque as empresas vão transferir os preços para a prateleira. Tem tributos como PIS e Cofins que a empresa repassa para o produto. O correto seria reduzir o IPI e o ICMS para fazer com que alguns produtos chegassem mais acessíveis do que são”, sugere.

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Ele propõe também que, ao mesmo tempo em que se aumenta a carga sobre renda e patrimônio, seja feito um movimento para nivelar o ICMS sobre energia elétrica, que varia muito entre os Estados.

Desacelerando

As mexidas nas cobranças de impostos e tributos acontecem num momento particularmente frágil nas contas públicas. O último relatório XP Macro, divulgado no início do mês, mostra que a arrecadação tributária federal segue em desaceleração, refletindo reduções de alíquotas implementadas no ano passado, recuo dos preços internacionais de commodities e baixo dinamismo da atividade econômica geral.

“Do lado dos gastos, houve elevação significativa com o programa Bolsa Família e despesas discricionárias. Com isso, no acumulado em 12 meses, o superávit do setor público diminuiu de R$ 93,2 bilhões (0,9%) em fevereiro para R$ 74,8 bilhões (0,7%) em março”, diz o relatório.

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O texto prevê que a arrecadação deve melhorar com algumas medidas anunciadas pelo governo, em particular a reversão da desoneração de combustíveis e a exclusão do ICMS da base de débitos de PIS/Cofins, mas não a ponto de reverter a tendência de desaceleração recente.

Pelas contas da XP, as despesas, impulsionadas pela PEC da Transição, devem crescer quase 7% em termos reais neste ano. “Assim, mantemos nossa projeção de déficit de R$ 119,6 bilhões (1,1% do PIB) em 2023”, diz o relatório.

Para Tiago Sbardelotto, economista da XP, também existem muitas dúvidas sobre a possibilidade concreta de se atingir a meta de até R$ 150 bilhões de receita extra no ano que vem.

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No geral, ele calcula que só estão garantidos até agora cerca de R$ 30 bilhões, sendo que a volta do voto de qualidade do Carf e o programa de redução de litigiosidade contribuíram apenas com R$ 1,2 bilhão dos R$ 50 bilhões pretendidos.

O economista também destaca que um ganho tributário com a modificação no Carf é incerto, porque se trata de um órgão administrativo. Ou seja, quando empresa perder, vai ao Judiciário tentar reverter.

Sobre o programa Litígio Zero, para grandes devedores, o economista comentou que a medida se parece um pouco com o que feito nos Refis, os programas de refinanciamento de dívidas tributárias. “Oferece um cardápio de descontos para que paguem ou adiantem uma parcela do que devem. Tem uma entrada de recursos no caixa, mas é de curto prazo. E a experiência mostra que tem um efeito deletério, pois as empresas pagam as primeiras parcelas e não pagam mais, esperando o próximo Refis, para aproveitar os descontos”, lembra.

E outros itens na lista de desejos do governo devem enfrentar muitos desafios até conseguirem trazer algum alívio aos cofres federais. A principal medida, lembra Sbardelotto, que é a revisão de uma série de benefícios tributários às empresas, deve se arrastar bastante. “É provável que exista um pedido de embargo de declaração, e outros recursos para tentar postergar. Para este ano, acho pouco provável. Precisa do trânsito em julgado da questão”, comentou.

O cálculo apresentado recentemente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é que seria possível conseguir até R$ 150 bilhões com essa revisão.

Credibilidade

Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, diz que não há certeza que as medidas de arrecadação vão trazer os números desejados, mas considera importante que as coisas começarem a acontecer nessa área.

“É importante o relatório do marco fiscal ser apresentado para que se consiga ter uma visibilidade de calendário de aprovação na Câmara e no Senado. Quando tiver essa viabilidade calendário, isso forçosamente vai fazer com que as medidas de esforço de arrecadação que o governo quer também aconteçam. Porque uma coisa puxa a outra”, associa.

Ele lembra que o novo marco estipula metas de superávit fiscal, com o aumento dos gastos indexados e flutuando em torno do crescimento da receita. Ou seja, além da trava de gastos, tem um outro fator crucial para que se alcance a meta de primário, que é o esforço na arrecadação.

“Por isso, o marco fiscal puxa as medidas de esforço de arrecadação. Uma coisa depende da outra. O marco fiscal depende desse outro driver que é o de arrecadação. A gente só vai saber se é possível ou não quando o marco fiscal começar a andar no Congresso”, afirma.

Tatiana também cita que Reforma Tributária também pode ajudar. Mesmo na fase de transição, a PEC 45 já melhoraria a produtividade e a competitividade e adicionaria 0,5% de crescimento do PIB anualmente, afirma a economista, usando projeções do IPEA. “Então, se a gente cresce mais, isso também ajuda o superávit primário, porque arrecada mais”, diz..

“Aprovar a Reforma Tributária pensando na unificação dos impostos sobre o consumo também ajuda no sentido da credibilidade poque faz que as pessoas acreditem que é possível gerar superávit primário ao longo do tempo”, avalia.

Na edição mais recente da revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas, Luiz Guilherme Schymura, pesquisador do FGV/Ibre, diz em artigo que, como o governo não pretende cortar – em alguns casos, pretende ampliar   – gastos sociais e investimentos, mas precisa aumentar o superávit primário, o caminho natural é a expansão das receitas.

No texto, ele cita um estudo de Bráulio Borge, outro economista associado do FGV/Ibre, que aponta como cenário base um aumento da carga tributária acumulado de 1,5% do PIB entre 2023 e 2026 para que as metas expostas no arcabouço sejam cumpridas.

Schymura afirma no artigo que o bom senso, apoiado da pesquisa econômica aponta que idealmente um ajuste fiscal deve cortar gastos ineficientes e aumentar receitas com baixo custo marginal. ‘O governo optou por trabalhar essa segunda alternativa, conforme mostram os movimentos iniciais do ministro Haddad na agenda de redução de isenções e de ‘jabutis’ tributários em geral”, comenta.

Esse é um caminho, segundo o pesquisado do FGV/Ibre que exige bastante apuro técnico, tendo em vista inclusive o terreno comum com a Reforma Tributária, além de habilidade e força política.

Sbardelotto, da XP Investimentos, também vê esse desafio à frente. “O Congresso está com disposição muito maior aprovar aumentos de gastos do que medidas de aumento de arrecadação. Se o governo vier com essas propostas e não houver negociação, vão aprovar as parcelas de isenção, mas não conseguirá aprovar medidas para compensar”, alerta.

Sobre a carga tributária, as medidas provisórias relacionadas à arrecadação se refletem em aumento de carga. Não no sentido de criação de novos impostos ou de aumento de alíquotas, mas que acabam ampliando a base tributária. “Isso vai tirar de fato mais dinheiro da economia. É um aumento menos visível, como o de alíquota, que tem que passar pelo Congresso, mas é aumento de caga tributária”, explica.

Com esse quadro o direto do IBPT diz não ver a carga tributária caindo no Brasil no curto ou no médio prazo, uma vez que a Reforma Tributária levará alguns anos até estar plenamente implementada.

A pesquisa mais recente do IBPT, divulgada em novembro do ano passado, mostrou que, numa lista de 30 nações, o Brasil continua a ser o país que proporciona o pior retorno dos valores arrecadados em prol do bem-estar da sociedade.

Usando dados da OCDE de 2020, o Instituto mostrou que a carga tributária do Brasil chegou a 32,30%, num patamar tão alto quanto em economias desenvolvidas, como Alemanha e Reino Unido. Mas quando esse dados é ponderado pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil tem segurado a lanterna do estudo desde sua primei