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O mercado voltou a elevar neste mês de abril sua projeção para a inflação para 2023, que está agora em 6,04% (segundo o Boletim Focus), mas como o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central dá ênfase para o horizonte de seis trimestre à frente, a atenção maior para entender as decisões do colegiado precisa estar mais focada nas expectativas para 2024. A opinião é do economista Aod Cunha.
“O BC foi muito direto na última Ata (do Copom) quando falou que não é só a inflação corrente que conta, é expectativa de inflação lá para frente. Precisa ter uma convergência mais clara para a meta”, explica.
Nesse aspecto, a expectativa para a inflação do ano que vem está dentro do intervalo de 1,5 ponto porcentual além da meta de 3,0% a ser perseguida pelo BC, mas se encontra em tendência de alta. Na virada do ano, a projeção da pesquisa Focus para a variação de preços estava em 3,65%, mas já está agora em 4,18%, segundo o Boletim divulgado na manhã desta segunda-feira (24). “Essa é a inflação que tem que convergir para a meta e, preferencialmente, para o centro da meta”, defendeu Cunha.
Inércia
Para que esse objetivo de as expectativas convergirem mais rapidamente o centro do meta, será preciso encarar alguns desafios ainda em 2023, disse o economista. Um deles é o risco de a inflação corrente ficar tempo demais no atual patamar, próximo de 5% (o último dado oficial do IPCA mostrou inflação anualizada de 4,65% em março. “Aí começa a ter um risco de inércia maior, principalmente em preços administrados”, comentou.
A projeção para os administrados dentro do IPCA em 2023 está em tendência de alta há 21 semanas e bateu em 10,71% na pesquisa do BC divulgada hoje.
O risco trazido dos administrados vem do fato de a política de reajustes de vários contratos ser exatamente a inflação passada. “Começa a ter mais dificuldade de sair desse patamar. Essa é a história da tal inércia, que a gente viveu muito tempo e que tinha parado de se preocupar com isso”, lembrou.
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É um problema, segundo Aod Cunha, que pega forte nos preços administrados, cuja correção é feita pela inflação de 12 meses. “A inflação está desacelerando, mas ela precisa ir para baixo desse patamar e mais em direção da meta. Quando ela for para essa direção em 2024, a gente começa a ter o ciclo benigno. Aí os preços administrados, de contratos, começam a ser fixados num patamar mais baixo”, afirmou.
O economista lembrou que esse tema da inércia foi bastante explorado recentemente, quando as discussões sobre mudança na meta de inflação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) estavam mais fortes. Vários artigos na imprensa nesse período apontaram para o risco de elevar a meta no momento em que ela não está sendo atingida. “A partir desse nível entre 4% e 5%, começa não só a ter um problema de desancoragem de expectativas, como tem uma barra de inércia mais elevada”, afirmou.
Meses de deflação
Nesse ponto, aparece um risco no curto prazo, porque houve em 2022 um período de três meses de deflação, que será naturalmente reposta neste ano. O IPCA mensal de julho do ano passado foi de -0,68%, do de agosto foi de 0,36% e o de setembro ficou em -0,29%.
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“Pode parecer pouca coisa, pode parecer que todo mundo já tem na conta, mas teve três meses de forte deflação a partir de julho do ano passado. Isso vai ter um efeito um pouco psicológico também, quando começar a entrar uma inflação mais. E vai entrar, por menor que seja”, destacou.
Um fator que só deve trazer implicações de forma indireta, segundo Cunha, é a taxa de câmbio, que andou mais comportada nos últimos dias. “O câmbio pode influir se, de alguma forma, empurrar a expectativa de inflação para baixo”, avaliou.
É por conta dessas dúvida que Aod Cunha disse que, na melhor das hipóteses, o início da queda de juros só deve ser esperado para algum momento a partir de junho. “O que mais me preocupa no tema inflação especificamente é o início de substituição dos meses de deflação do ano passado. Acho que o BC não vem com redução de juros em maio, mesmo que venha um âncora fiscal mais robusta”, disse. “Por mais que muita gente vá chiar, seria perfeitamente justificável para o BC esperar um pouco mais”, comentou.
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A projeção do economista é que, mesmo que a queda comece no início do segundo semestre, o BC deve agir com parcimônia no início, acelerando um pouco mais os corte só em 2024. Assim ele vê uma chance maior que a Selic cair para 12,50% ou 12,75% até o final de 2023.
Risco de crédito
Ainda que defenda a política do BC de maneira geral, Aod Cunha, que faz parte de conselho de administração de alguma empresas, disse discordar da leitura mais amena do problema de crédito feita pela autoridade monetária na última Ata do Copom.
Em sua análise, o nível de endividamento das famílias bateu no teto e isso traz uma série de implicações, como as empresas varejistas não conseguirem mais financiar o consumidor. “Quando não financia o consumidor, a cadeia de varejo já passar a ter dificuldade de ajudar os próprios fornecedores”, afirmou.
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Mas o problema pode não estra restrito ao varejo. No segmento de construção, por exemplo, houve muitos lançamentos com taxas de juros mais baixas e pode acontecer uma forte onda de distratos à frente
Ele destacou que o problema em questão não é o nível da taxa de juros – embora o atual aperto tenha sido de um patamar 2% para 13,75% – mas o prolongamento do ciclo de alta.
“O prolongamento da taxa de juros já apresenta uma barra de risco maior. O BC tem equipe e uma massa de dados muito grande. Qual é o nível de risco que ele considera como risco sistêmico, com a taxa de juros alta, ninguém sabe exatamente. Meu único ponto é que não acho que seja algo para descartar completamente”, afirmou.