Embora com surpresas de alta, IPCA-15 reforça leitura de desinflação contínua e lenta, dizem analistas

Variação no grupo Educação e na alimentação no domicílio surpreenderam para cima e passagens aéreas caíram mais que o previsto

Roberto de Lira

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Embora o IPCA-15 de fevereiro de 0,76% divulgado hoje pelo IBGE tenha superado a mediana das projeções (o consenso Refinitiv apontava para 0,72%) e a variação de preços de alguns itens tenham surpreendido para cima, os analistas fizeram uma leitura neutra do indicador, ou seja, insuficiente para mudar substancialmente a estimativa para o IPCA cheio do mês. Em linha gerais, foi mantida a visão de um processo de desinflação lento, mas contínuo.

Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest, classifica a variação do grupo Educação como o dado mais importante da prévia da inflação oficial pelo lado das altas, com os preços das passagens aéreas e de combustíveis se destacando entre as baixas.

“Olhando para os bens industriais, chama a atenção que semiduráveis segue em patamar pressionado, com desinflação, e que perdeu claramente a sazonalidade usual de vestuário”, comenta.

Ela disse que, embora a projeção de IPCA fechada de fevereiro tenha recuado ligeiramente, de 0,80% para 0,78%, a estimativa para o ano (que já está em viés de alta), foi mantida em 5,4%.

A economista da Az Quest observa uma contínua desinflação a partir dos dados de hoje, com os preços de serviços subjacentes vindo em linha com sua expectativa. Mas alerta que alguns núcleos estão um pouco piores do que as projeções.

Núcleos

A análise do Goldman Sachs, assinada por Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina, destaca que a média dos cinco principais núcleos do IPCA-15 subiu de 0,58% em janeiro para 0,68% em fevereiro, mas que a taxa acumulada em 12 meses tem desacelerado – de um pico de 10,55% em agosto para 8,71% em janeiro e 8,38% nessa última medição.

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E o núcleo que exclui alimentação no domicílio e preços regulados (IPCA-EX0), por sua vez, ficou em 0,94% em fevereiro, ante 0,62% em janeiro, mas com a taxa anual passando de 8,17% para 7,80%.

A alta na margem, segundo a avaliação do banco, foi impulsionada principalmente por variações acima do esperado em alimentação no domicílio, habitação, vestuário e utensílios domésticos. Essas altas mais do que compensaram as leituras abaixo do esperado em alimentação fora de casa e transporte (devido à queda nos preços da gasolina). “A inflação de serviços acelerou a partir de janeiro, mas abaixo do esperado”, comenta Ramos no relatório.

O banco destaca ainda que o combustível veicular tem mostrado uma contribuição negativa significativa para a inflação cheia anual, após grandes cortes de impostos sobre combustíveis e cortes significativos no preço da gasolina no segundo semestre de 2022.

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O Goldman Sachs lembra que a inflação anual dos combustíveis passou de +49,0% em dezembro de 2021 para um deflação de -23,9% em dezembro de 2022, patamar praticamente mantido em fevereiro de 2023 (-22,8%). “Assim, a contribuição dos combustíveis para a inflação plena caiu de +284 pontos-base no final de 2021 para -177 bp atualmente”, compara.

Para Ramos, “a dinâmica da inflação subjacente continua desafiadora e as pressões inflacionárias são generalizadas em um cenário de mercado de trabalho apertado e a expectativa de deterioração do mix de políticas macro e microeconômicas, incluindo uma considerável expansão fiscal e parafiscal em 2023 e nos próximos anos.”

Tatiana Nogueira, economista da XP, foi outra analista que observou surpresas nos dois sentidos na divulgação do IPCA-15. As surpresas de alta, afirma, se concentraram do grupo Educação, em especial nos cursos regulares (+3,1 pontos-base), nos Alimentos, com destaque para leite e derivados (+3 p.b.) e tubérculos, raízes e legumes (+2,9 p.b.).

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Por outro lado, foram destacados os desvios para baixo em transportes públicos (-4,5 p.b.), gasolina (-3,9 p.b) e comunicação (-2 p.b.).

Sobre os núcleos, Tatiana destaca que a média acelerou para 0,67%, acima da estimativa de 0,61% da XP e também maior que os 0,58% no mês anterior. “Já os serviços subjacentes, medida acompanhada de perto pelo Banco Central, aumentaram 0,57%, abaixo da nossa estimativa (0,69%), desacelerando na média móvel trimestral anualizada dessazonalizada de 5,0% para 4,46%”, comenta.

Com essas leituras se equilibrando, e já considerando os itens que se repetem entre o IPCA-15 e o IPCA, a projeção do índice cheio feita pela XP caiu ligeiramente para o mês, ficando próxima de 0,70%. Isso, no entanto, não muda a projeção de 5,7% para o IPCA do ano.

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André Nunes de Nunes, economista chefe do Sicredi, vê como ponto de atenção a inflação da alimentação no domicílio, que veio acima do esperado, subindo 0,38% em fevereiro. Ele afirma que os trackings internos apontavam para estabilidade e até queda em determinados períodos do mês. “Foi de fato uma surpresa altista, o que é ruim para a previsão de inflação”, alerta.

Para ele, mesmo com uma queda maior que a esperada nos preços de passagens aéreas, a tendência é de um IPCA em fevereiro talvez um pouco mais alto que a expectativa.

Olho nos combustíveis

Nunes e Nunes comenta que o mercado agora vai começar a focar um pouco mais nas expectativas para março, especialmente com as dúvidas sobre a reoneração dos impostos federais sobre combustíveis.

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“Isso vai dar mais ou menos o tom do que vai ser a inflação no curto prazo”, afirma. Ele argumenta que é preciso ter certeza de que esse impostos vão voltar na integralidade ou se vai ser feito algum tipo de medida de mitigação por parte da Petrobras. “Lembrando que esses impostos eram para voltar lá no início do ano e, no apagar das luzes de 2022, isso foi postergado para março”, afirma.

O BTG Pactual, vê na leitura de fevereiro mostra uma composição pior do que a esperada, com aceleração expressiva em serviços medidas de núcleos mais pressionadas. O banco também destaca que a difusão da variação de preços dos serviços atingiu 80% dos subgrupos, vindo de uma difusão de 57% em janeiro.

“O cenário de inflação segue desafiador, apesar da melhora na dinâmica inflacionária na ponta. Entendemos que mudanças no arcabouço fiscal, possível alteração da meta de inflação e nova expansão fiscal contratada devem dificultar a convergência da inflação para o centro da meta no horizonte relevante de política monetária”, comenta o BTG.

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, também classifica o balanço qualitativo do indicador como pior, com as medidas de núcleos rodando em nível mais elevado.

Para ele, a dinâmica favorável de serviços está perdendo força na margem, com estabilização em patamar elevado. A desaceleração de bens também está comprometida e num nível mais alto. Costa lembra que os preços ao consumidor ainda não mostraram o movimento mais benigno dos IGPs.

“A despeito dos núcleos, itens mais voláteis indicam risco baixista no curto prazo. Nossa projeção contempla volta completa de impostos federais nos combustíveis e sem redução de preço nas distribuidoras”, comenta.

A ASA Investments manteve a projeção do IPCA de 2023 em 6% e a de 2024 em 4,5%.

Sobre a política monetária, com a média de núcleos do IPCA-15 seguindo em nível não compatível com o centro da meta de inflação, Costa diz que foi reforçada a possibilidade de o Banco Central manter a Selic em 13,75% ao longo de todo 2023.

O Banco Original comenta que os reajustes no setor de educação (6,41%) vieram acima do esperado pela equipe (5,8%) e que foi uma das maiores recomposições de preços para fevereiro desde 2004, quando o índice registrou variação de 6,89%.

“Ainda assim, vemos uma inflação de serviços que tende a arrefecer mais lentamente ao longo do ano, atingindo 6,7% ao final de 2023. Essa inflação, que desacelera a passos lentos, conversa com um mercado de trabalho ainda robusto e com uma atividade ainda positiva do setor de serviços na economia”, avalia o banco.

Com o índice divulgado hoje, a projeção preliminar de IPCA para fevereiro do Original é de 0,78%. Para 2023, a estimativa é de uma inflação de e 5,8%.