Em tempos de desastre natural, a política monetária precisa mudar

O Banco Central poderia fazer muito mais para contribuir para o relaxamento mais compreensivo das condições financeiras, no momento atual

Pedro Jobim

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As ações de combate à disseminação da pandemia que assola o mundo, necessárias, neste momento, para limitar a superlotação dos sistemas de saúde, provocam a disrupção na atividade econômica. Como forma de mitigar os efeitos da queda brusca de renda das famílias e empresas, os governos têm atuado em múltiplas frentes.

O maior apoio, nas circunstâncias atuais, virá sem dúvida pela política fiscal, nas formas de complementação de renda à população mais vulnerável, ampliação de gastos com equipamentos respiratórios e leitos de tratamento na rede hospitalar, assunção de risco de crédito em determinados setores da economia, e muitas outras.

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Na maioria dos países, inclusive o Brasil, estas ações são, majoritariamente, de responsabilidade dos ministérios da saúde e da economia, em geral amparados por orçamentos complementares a serem aprovados pelo poder legislativo.

O Banco Central, no atual contexto, em nosso entendimento, e dado o arcabouço legal a que se encontra, por ora, circunscrito, deveria focar suas ações em duas grandes frentes: 1) prover liquidez ao sistema bancário e lançar mão de instrumentos que minimizem o desconforto do sistema bancário em estender crédito às empresas e famílias, e 2) utilizar a política monetária de forma eficiente, de modo a garantir que a queda da taxa SELIC transforme-se em relaxamento das condições financeiras como um todo.

Em relação ao item 1), avaliamos que o Banco Central tem atuado muito bem, e adotado medidas na direção correta, notadamente, a disponibilização de uma linha de crédito subsidiada para financiamento de folha de pagamento de empresas medias, com assunção de risco parcial pelo Tesouro Nacional.

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Focaremos, no restante deste artigo, no item 2) desta pauta.

No comunicado de sua decisão de política monetária, de 18 de março, o BC argumentou que “…questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas têm o potencial de elevar a taxa de juros estrutural da economia. Nessa situação, relaxamentos monetários adicionais podem tornar-se contraproducentes se resultarem em aperto nas condições financeiras”.

Em nossa visão, esta observação é equivocada. O Banco Central poderia fazer muito mais para contribuir para o relaxamento mais compreensivo das condições financeiras, no momento atual. Uma das formas passa pela utilização mais ativa das reservas, como argumentamos em texto recente. A outra forma envolve a provisão de “forward guidance” mais adequado à sociedade, quanto ao provável comportamento futuro da política monetária.

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Para prover este “guidance“ correto, de forma tempestiva, nas atuais circunstâncias, o Banco Central precisa adequar a frequência de suas análises às necessidades do momento, e flexibilizar seus protocolos de comunicação. Além disso, como também já argumentamos anteriormente, numa situação como a atual , faz pouco sentido dar peso relevante, na operação da política monetária, a conceitos não observáveis e de difícil estimativa, como a taxa de juros estrutural.

O Banco Central tem mantido, no contexto atual de desastre natural de grandes proporções, protocolos de comunicação e análise utilizados em ciclos de negócio comuns. Nas atuais circunstâncias, a observância estrita ao calendário formal de reuniões, além da utilização de documentos e projeções econômicas baseados em informações cujas datas de corte estão situadas dias (ou mesmo semanas ) antes da divulgação dos mesmos de pouco servem aos agentes econômicos. Neste sentido, a projeção de crescimento nulo para o PIB em 2020, utilizada pelo BC em suas últimas projeções de inflação, além de defasada, tem grau de incerteza muito superior à usual, e não deveria servir de guia à implementação da política monetária. A despeito da enorme incerteza, já há informações que permitem a qualquer analista inferir que o PIB do Brasil sofrerá uma contração expressiva este ano.

Num momento como esse , a ação correta do Banco Central na política monetária, no nosso entendimento , compreenderia os seguintes passos : I) cortar a taxa SELIC para 2%, imediatamente; II ) comunicar à sociedade que o presente choque é intensamente desinflacionário , e a inflação ficará em torno ou abaixo do piso da meta de inflação no horizonte de projeção ; III) que, diante disso, o Banco Central tenciona manter a política monetária estimulativa por um período considerável de tempo, com o objetivo de aliviar a carga financeira sobre os agentes econômicos, podendo inclusive realizer mais cortes de juros, se entender necessário. É um momento em que, ao contrário do argumentado pelo Banco Central em seus documentos, não cabe ambiguidade na avaliação do balanço de riscos – eles são muito concentrados para baixo, tanto no plano da atividade econômica, quando da inflação, no horizonte relevante para a política monetária.

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Adotando uma linguagem mais assertiva e um protocolo de comunicação mais ágil , acreditamos que o Banco Central poderia amplificar consideravelmente o efeito da queda na Selic sobre as condições financeiras.

Este efeito pode ser ampliado ainda mais pelo Tesouro Nacional, na medida em que ele prossiga e mesmo aprofunde a estratégia recente de se abster de rolar os vencimentos de dívida em LTNs, NTN-Bs e NTN-Fs, oferecendo apenas LFTs em seus leilões de venda, ao mesmo tempo em que prossiga recomprando os demais papéis.

É importante, nesse contexto, mencionar novamente a importância da utilização sensata das reservas cambiais, tanto na estabilização das condições financeiras, quanto no amortecimento da elevação da dívida bruta do governo que fatalmente resultará ao fim do episódio em curso.

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Vale ainda lembrar que o papel dos juros, num momento como esse, não é de estimular ninguém a consumir ou investir. É apenas de aliviar a carga financeira sobre os agentes tomadores de crédito (incluindo o Tesouro Nacional), num contexto em que a inflação simplesmente não é um problema. Boa parte do capital de giro das empresas é pós fixado, com custo atrelado ao CDI, e o Banco Central pode e deve aliviar esta carga.

Um “forward guidance” bem executado é parte fundamental de uma estratégia que viabilize a prática de juros reais menores, em meio a um cenário difícil, em que a dívida bruta do governo tende a se aproximar, ao final deste ano, do patamar de 90% do PIB, caso não haja venda significativa de reservas cambiais.

Finalmente, é muito importante mencionar, em todo esse contexto, a Proposta de Emenda Constitucional que será encaminhada ao Congresso Nacional, autorizando o Banco Central a adquirir, em situações de calamidade, como a presente, títulos públicos e privados para sua carteira. Trata-se do “quantitative easing” , largamente utilizado pelos bancos centrais de países desenvolvidos desde a crise financeira de 2008. Ainda não sabemos se e de que forma esta estratégia poderá vir a ser implementada pelo Banco Central do Brasil, mas não há a menor dúvida de que, a depender das condições, a mesma teria efeito potencialmente muito elevado sobre as condições financeiras, e ampliaria consideravelmente o arsenal de instrumentos para lidar com a atual situação.

Pedro Jobim é sócio-fundador da Legacy Capital e Ph.D em economia pela Universidade de Chicago

Pedro Jobim

É sócio-fundador da Legacy Capital. Atua no mercado financeiro desde 2002, tendo sido economista-chefe do banco Itau BBA e da tesouraria do banco Santander. É engenheiro mecânico-aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), mestre em economia pela PUC-Rio e Ph.D em economia pela Universidade de Chicago.