Desequilíbrio entre despesas e receitas deve continuar em 2024, dizem economistas

2023 foi marcado pela deterioração do quadro fiscal, com queda real de arrecadação e expressivo aumento da despesa; especialistas não acreditam na possibilidade de o governo zerar o déficit em 2024

Roberto de Lira

Palácio do Planalto (Foto: Agência Brasil)
Palácio do Planalto (Foto: Agência Brasil)

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O Banco Central divulgou nesta quarta-feira (7) que o resultado primário do setor público, a diferença entre as receitas e as despesas públicas, continuou no vermelho e deu um salto para R$ 249,1 bilhões no ano passado, ante um déficit de R$ 126 bilhões em 2022. Em 12 meses, o déficit avançou de 1,25% para 2,29% do PIB. E as expectativas não são muito melhores para 2024, ano que, em tese, o governo buscaria zerar seu déficit.

Não que se esperasse um resultado muito melhor. As projeções tanto do mercado quanto de entidades públicas já apontavam para a deterioração do quadro fiscal. Afinal, o ano foi marcado pela queda real de arrecadação e expressivo aumento real da despesa, conforme relatório do Ipea publicado há pouco mais de duas semanas.

Ainda assim, a XP destaca em seu relatório de hoje que o dado de 2023 foi o pior déficit registrado desde 2020, uma no fortemente impacto pelos gastos no combate à pandemia. O dado final de 2023 foi logicamente afetado negativamente  pela conta em dezembro da liquidação de precatórios determinada pelo STF, no total de R$ 92,4 bilhões. Mas a XP lembra que, mesmo excluindo estes efeitos, o déficit chegaria a R$ 37,2 bilhões em dezembro, totalizando R$ 156,7 bilhões (-1,4% do PIB) no ano.

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A XP vê alguma recuperação no resultado do governo central em 2024, impulsionada pelas medidas de aumento de receitas recentemente implementadas, mas adverte que essas ações podem levar algum tempo para terem um impacto total, uma vez que algumas questões operacionais precisam de ser resolvidas.

“Embora isto possa melhorar o equilíbrio do governo central, não prevemos que atinja a meta de déficit zero. Os governos subnacionais, por sua vez, deverão continuar com dificuldades em 2024”, alerta a XP.

Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments, alerta que, por mais que a receita tributária possa performar melhor em 2024, há sérias dúvidas sobre a viabilidade de se alcançar as receitas não-recorrentes planejadas. Além disso, a elevação no limite para contratação de operação de créditos para Estados e Municípios deteriorará o resultado dos governos regionais nos próximos anos.

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“Neste sentido esperamos para 2024 um déficit do setor público ao redor de 1% do PIB e uma grande dificuldade de melhorar em relação a este patamar em 2025, uma vez que retornam despesas extra-limite que não ocorrem em 2024 e será desafiador manter os níveis de receita não-recorrente estimados este ano”, detalha.

Gasto vinculado

Esse diagnóstico está em linha com o do economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV/Ibre. Em entrevista recente para a revista Conjuntura Econômica, ele afirmou que a maior preocupação com as novas regras fiscais em vigor é a questão das despesas vinculadas à receita.

“Como o governo deseja elevar receita para fazer o ajuste fiscal, o gasto vinculado vai aumentar muito rápido. No caso da saúde, em particular, a vinculação federal foi introduzida em 2015, mas nunca foi efetiva. Esse é o primeiro ano em que será concretamente aplicada. Isso deveria ser mais bem debatido, porque vai gerar alocações no orçamento que são disfuncionais”, prevê.

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Para ele, a melhora dos resultados fiscais virá da conjuntura econômica mais favorável, com mais crescimento, e do sucesso do governo em adotar medidas tributárias que não produzam impacto contracionista na economia e de maior racionalização do gasto público.

“Prefiro olhar para a dinâmica de longo prazo do que me pautar pelo atendimento ou não de metas anuais, ainda que entenda que no dia a dia da política econômica o desempenho é avaliado a curto prazo. Mas é importante olhar para a floresta, e não somente para a árvore.”

Bittencourt, da ASA, alerta que, institucionalmente, a revisão da meta fiscal é muito prejudicial para a credibilidade do arcabouço, porque a própria lei complementar tem os mecanismos para enfrentar os sinais de descumprimento e o próprio descumprimento: contingenciar até 25% da discricionária durante a execução do orçamento, acionar gatilhos de melhoria fiscal no ano seguinte, e limitar o crescimento da despesa dois anos a frente.

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Relutância

O Goldman Sachs, ao analisar os dados desta quarta-feira, comentou em relatório que política fiscal claramente expansionista e a relutância em controlar a despesa pública prejudicam gravemente a credibilidade das metas fiscais anunciadas pelo governo, incluindo o saldo primário zero para 2024.

“Além disso, uma âncora fiscal fraca e pouco fiável contribui para manter as expectativas de inflação a médio prazo desalinhadas das expectativas de inflação a médio prazo”, diz o texto assinado por Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina do banco de investimentos.

A projeção do Goldman é que o saldo primário consolidado do setor público permaneça no vermelho no futuro próximo e que a dinâmica da dívida bruta permaneça numa tendência ascendente nos próximos anos.

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Colocar a dinâmica da dívida numa tendência estrutural de declínio sustentado e criar reservas orçamentais continuam a ser um desafio macro fundamental, diz o economista. “Isso exigiria excedentes fiscais primários estruturais superiores a 2% do PIB, o que contribuiria para reduzir a taxa de juro real neutra. Tal resultado é altamente improvável no curto prazo”, comenta.

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