Debate do BC sobre sinais de flexibilização reforça projeção de corte de juros em agosto, dizem analistas

Diretoria do BC adotou um tom de otimismo com cautela, segundo documento da reunião de junho divulgado hoje, dizem economistas

Roberto de Lira

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O detalhamento do debate interno na reunião de junho do Comitê de Política Monetária sobre o grau de sinalização dos próximos passos que o BC poderia adotar a respeito da taxa de juros – exposto nesta terça-feira (27) na Ata do Copom – é a “porta aberta” para a queda da taxa Selic que os analistas vinham esperando. Mesmo com as ressalvas de que esse decisão depende da contínua reancoragem das expectativas, foi renovada a confiança de que o ciclo de flexibilização começará em agosto.

Na análise da XP Investimentos, um dos destaques da Ata está no debate sobre que sinais enviar, presente nos parágrafos onde é citado que “avaliação predominante” na reunião apontava para a possibilidade de se iniciar “um parcimonioso processo de inflexão na próxima reunião”, enquanto um grupo de diretores alertou para o risco de uma “flexibilização prematura”.

A XP também comenta que o Copom pareceu menos preocupado com o atual ambiente econômico doméstico, citando que a dinâmica do mercado de trabalho mostrou alguma resiliência, mas que a taxa de participação do trabalho caiu. O documento também citou que a inflação de alimentos e industrializados teve redução no período recente.

“Sobre as expectativas de inflação, variável-chave para o comitê, a ata afirma que segue desancorada das metas, mas agora vê uma ‘pequena redução da desancoragem na margem’”, destaca a XP.

A leitura é que a Ata reforça a declaração pós-reunião em que o Copom sinalizou que sua estratégia está aberta a um afrouxamento gradual da política monetária daqui para frente. “Assim, vemos a ata consistente com nosso cenário base, desde abril, que considera um corte de 0,25 ponto percentual em agosto, seguido de cortes sequenciais de 0,50 p.p.”, prevê a XP.

Para André Nunes de Nunes, economista-chefe do Sicredi, a Ata do Copom trouxe sinais mais claros dos próximos passos da política monetária em relação ao que foi o comunicado da última quarta-feira (21).

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“O Comitê continuou dando ênfase para a necessidade de observar as medidas de núcleo de inflação e expectativas mais próximas da meta. Essas variáveis evitariam os riscos de uma flexibilização prematura que poderiam gerar um processo de reaceleração da inflação”, afirma.

Além disso, Nunes destaca que o Comitê estabeleceu a elevação da taxa de juros neutra de 4% para 4,5%. “Essa elevação decorre tanto de uma expectativa de que as taxas neutras nas economias desenvolvidas estejam mais altas, quando de uma maior resiliência na atividade brasileira”, afirma o economista do Sicredi.

Nunes também deu maior relevância à exposição da divergência entre grupos dentro do Comitê quanto ao grau de sinalização em relação aos próximos passos, que se configura, segundo ele, numa indicação de flexibilização na reunião de agosto.

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“O grupo que se mostrou mais cauteloso enfatizou a necessidade de observar a reancoragem nas expectativas para prazos maiores e de uma desinflação mais disseminada entre a atividade de componentes sensíveis ao ciclo”, afirma Nunes.

Ou seja, para o economista, a leitura da Ata parece preparar o ambiente para a queda na taxa de juros em agosto, caso o processo de desinflação se dissemine nos próximos 45 dias.

“Além disso, a ata trouxe uma menção sobre o impacto que a discussão sobre a mudança da meta pode ter sobre as expectativas para prazos mais longos. Assim, acreditamos que se a meta for mantida em 3% na reunião do CMN dessa semana, devemos observar uma queda nas expectativas para 2025 e 2026 para próximo da meta, o que deve sensibilizar o grupo mais cauteloso em direção a flexibilização da política na próxima reunião”, destaca.

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Ata mais “dovish”

Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, concorda com essa leitura. Para ela, a ata do Copom foi um pouco mais “dovish” (suave) e indica que a visão “predominante” dentro do Comitê é de início do corte na próxima reunião. Isso considerando o cenário atual de queda da inflação e queda das expectativas.

“O BC passou a considerar juro neutro de 4,5%, ante 4% usado anteriormente, mas essa elevação na estimativa do juro neutro não tem impacto no espaço para cortes da Selic no curto prazo. Deve alterar somente a estimativa de taxa terminal, e estamos longe desse debate. Com juro real hoje de 8%, estamos bem acima do neutro”, pondera.

“Por fim, a ata sugere um recado implícito para o CMN, que define a meta essa semana: reancorar expectativas é fundamental para a credibilidade da política monetária. Expectativas desancoradas são um entrave para a queda dos juros, na visão do Copom. Mantemos nosso call de corte de 25 pontos-base na próxima reunião, seguido de cortes de 50 bps até o final do ano”, estima

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Já Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, viu no texto da Ata o reconhecimento pelos membros do Comitê da melhora do cenário inflacionário, embora eles tenha apontado que esperam a divulgação de mais dados.

“Além disso, o principal risco de curtíssimo prazo é uma possível mudança nas metas de inflação. A reunião do Conselho Monetário Nacional será no dia 29 de junho e uma alteração nas metas impactaria negativamente as expectativas de inflação e, consequentemente, o cenário do Banco Central”, afirma.

Os recados nesse sentido estão nos comentários enfatizando que decisões que induzam à reancoragem das expectativas e que elevem a confiança nas metas de inflação contribuiriam para um processo desinflacionário mais célere e menos custoso, permitindo flexibilização monetária. “Ou seja, a não alteração das metas é essencial para cortes de juros”, destaca Sung.

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“Essa incerteza faz a autoridade monetária prezar pela cautela nesse momento. Ao nosso ver, não teremos mudanças. Apenas, talvez, alteração no cálculo da meta de ano-calendário para uma meta contínua”, completa o economista da Suno.

Ele afirma ainda que, se a inflação continuar melhorando, as expectativas caírem, não houver alteração das metas e o arcabouço fiscal for aprovado sem grandes alterações que flexibilizem a regra, é possível o BC enxergar uma janela de oportunidade para queda da Selic.

“De acordo com a Ata, há um grupo que já enxerga cortes na Selic na próxima reunião enquanto outros estão mais cautelosos. Ambos concordam que a decisão dependerá ‘da evolução da dinâmica inflacionária, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos’”, comenta.

O cenário base da Suno também é de expectativa de um primeiro corte de 25 bps (0,25 p.p.) na reunião de agosto do Copom.

Para o economista da CM Capital, Matheus Pizzani, apesar de a Ata ainda ter sido marcada por um tom majoritariamente mais pessimista, ficou evidente que ao menos parte do Comitê já enxerga espaço para queda de juros nas próximas reuniões.

“As projeções atuais seguem apontando para uma melhora em todas as variáveis acompanhadas pela instituição e tidas como chave para o início do processo de corte nos juros. Exemplo disso são as revisões para baixo da inflação verificadas nas últimas semanas através do Boletim Focus, que evidenciam de uma só vez a possível melhora em termos inflacionários e a também melhora nas expectativas dos agentes no período tido como relevante pela instituição para condução de sua política monetária.”

Para Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, após o comunicado do Copom na semana passada não ter dado sinalização de cortes futuros, a Ata cumpriu essa função, corroborando com as expectativas dos economistas. “O BC alegou que os diretores ainda se dividem entre cortes em agosto ou setembro, o que impediu uma sinalização mais clara no comunicado”, explica.

Para ele, no diagnóstico da inflação corrente, o BC também mostrou que segue cauteloso, mas foi mais otimista na avaliação da melhora das medidas subjacentes de inflação, apesar de reconhecer que ainda não são compatíveis com a meta da autoridade monetária. Assim, nossa interpretação é de que a Ata trouxe alívio ao tom do comunicado”, afirma.

“Seguimos vendo a primeira redução da taxa Selic para setembro, mas reconhecemos que há grande chance de que o corte já ocorra em agosto”, pondera.

Ressalvas “hawkish”

Para o Itaú, a Ata da reunião do Copom trouxe uma mudança significativa de tom, em relação ao comunicado divulgado na semana passada. “Se o comunicado indicava que o caso base do comitê era começar a flexibilização na reunião de setembro, o texto divulgado hoje aponta claramente para uma flexibilização mais cedo, ou seja, na reunião de política de agosto”, afirma o banco.

O documento divulgado hoje, segundo o Itaú, traz alguns elementos “hawkish”, como o aumento da taxa neutra estimada para 4,5% anuais, de 4,0% ao ano, e uma frase alertando contra o afrouxamento prematuro na política monetária. No entanto, há também a menção de que a maioria do Comitê já vê condições para a flexibilização, com menores índices de inflação e menor desvio de expectativas em relação à meta.

O Itaú afirma que, apesar das ressalvas “hawkish”, está mudando sua projeção para o ritmo de queda de juros. Antes, eram esperados três movimentos a partir de setembro, levando a taxa básica para 12,5% no final do ano. Agora, o banco espera quatro movimentos, começando com um corte de 25 pontos-base já em agosto, levando a Selic para 12,25% no final do ano. Ou seja, são aguardados dois cortes de 25 p.b., seguidos por dois movimentos de 50 p.b.

“Aprenderemos mais sobre as perspectivas de curto e médio prazos para a política monetária brasileira com a divulgação do Relatório Trimestral de Inflação e decisão do Conselho Monetário Nacional sobre a meta de inflação, ambos na quinta-feira”, afirma o Itaú.

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, também diz ver um BC mais confiante com a redução das expectativas e com a desaceleração dos núcleos de inflação, o que indicaria que o primeiro corte de juros será antecipado.

“Projetamos o 1º corte da Selic na reunião de setembro (25 ponto percentual), com orçamento total de 375 p.p. e a Selic atingindo o patamar de 10% no começo do segundo semestre de 2024. O ciclo de queda de juros deve ser bastante gradual, condicionado à continuidade da melhora das expectativas e da inflação corrente”, pondera.

Werther Vervloet, da ACE Capital, é outro economista a enxergar na Ata o aprofundamento da mensagem de que o início do ciclo de cortes se dará na próxima reunião do Copom, em agosto.

“O texto mostrou que, caso o cenário para inflação corrente e expectativas sigam evoluindo positivamente até a próxima reunião, o que acreditamos que irá acontecer, há propensão da maioria do Comitê por iniciar um ciclo de corte de juros. Pelo texto, há alguma discussão interna sobre o grau de melhora necessário para justificar tal movimento, o que sugere que podemos ter uma decisão dividida na próxima reunião.”

Fabio Akira, economista-chefe da Blueline Asset Management, concorda, mas destaca que o Copom escolheu conduzir o processo de corte de juros de maneira bastante cautelosa, caracterizando o processo desinflacionário com lento e as expectativas ainda como desancoradas.

“Evitou comemorar o recuo das expectativas do Focus, caracterizando-as ainda como desancoradas e demandando cautela e parcimônia da política monetária. Retirou a frase que ameaçava retomar o ciclo de alta de juros, mas ainda julga adequada a estratégia de manutenção da Selic que tem sido adotada por período prolongado”, explica.

Akira lembra ainda que, na mensagem prospectiva, o comitê condicionou os próximos passos da política monetária a uma série de fatores, incluindo a dinâmica inflacionária, as expectativas de inflação longas, ao hiato do produto e ao seu balanço de riscos. “As projeções para 2024 caíram para 3,4%, vindo de 3,6%, o que pareceu uma revisão tímida diante de tantos fatores ‘dovish’ como câmbio, Focus e inércia favorável. Enfim, parece preparar para um corte ‘parcimonioso’ em agosto, mas ainda condicionado a quedas mais substanciais do Focus, principalmente depois da definição da meta pelo CMN”, afirma.