Copom deve elevar o tom sobre o balanço de riscos, especialmente na área fiscal, dizem analistas

Analistas acreditam que comunicado pós-decisão vai destacar desconforto com declarações e alta nas expectativas de inflação de 2023 e 2024

Roberto de Lira

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O Comitê de Política Monetária (Copom) provavelmente deverá mostrar nesta quarta-feira (1) que está mais preocupado com as perspectivas de inflação hoje do que em sua última reunião, realizada em dezembro. Com a expectativa unânime entre os analistas de mercado e de economistas que os diretores do Banco Central (BC) vão optar pela manutenção da Selic em 13,75% e que o comunicado continuará a frisar a necessidade de vigilância, é no detalhamento do balaço de riscos inflacionários que estão as apostas de alguma mudança no tom.

O Goldman Sachs afirmou em relatório que o Copom ainda deve julgar nessa reunião o balanço de riscos como simétrico (com o mesmo número de fatores de alta e de queda), mas que pode endurecer a linguagem, para dar mais ênfase aos riscos fiscais.

Além da própria situação das contas públicas, existem a possibilidade de entrarem novas incertezas, como insinuações a respeito do aumento da meta de inflação e questionamentos dos benefícios de um banco central autônomo. O próprio presidente Luiz Inácio da Silva tem alimentado essa leitura, com declarações públicas.

De resto, o banco de investimentos espera manutenção da taxa e orientação conservadora no comunicado, indicando que o Copom permanecerá vigilante e avaliará se a estratégia de manter a taxa básica de juros no patamar atual por um período de tempo suficientemente prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação para o meta. Também deve ser mantido recado de que o BC não hesitará em retomar o ciclo de alta caso o processo de desinflação não evolua conforme o esperado.

“A defesa de uma postura claramente restritiva justifica-se devido às pressões ainda intensas nos serviços e no núcleo da inflação, deterioração das expectativas de inflação de curto e médio prazo, discussão inoportuna sobre o aumento da meta de inflação, cenário ainda sólido do mercado de trabalho e incerteza em torno do orientação e da regra fiscal de médio prazo.”

Projeções piores

O Itaú afirma, em relatório assinado pelo economista chefe Mario Mesquita, que as projeções do comitê no cenário de referência (que considera taxa de câmbio pela paridade do poder de compra e taxa de juros pela pesquisa Focus) subirão para todo o horizonte relevante, de 5,0% para 5,5%, em 2023, e para 3,2% de 3,0% em 2024.

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O banco também acredita que comitê deve indicar que ainda vê riscos simétricos para a inflação, mas com alertas adicionais sobre a evolução das contas públicas. “Principalmente à luz dos projetos de lei aprovados no Congresso no final de 2022 que apontam para maiores gastos e sobre os debates recentes sobre o arcabouço da política econômica e monetária”, afirma.

No relatório, são citadas as discussões sobre a definição de metas de inflação para os próximos anos e seus possíveis impactos sobre os preços dos ativos e sobre a ancoragem das expectativas de inflação.

Marco Caruso, economista chefe do Banco Original, também prevê que vai ocorrer uma rodada de deterioração na inflação projetada para 2023 e 2024, que deve se distanciar um pouco mais da meta de 3% “e que importa mais na tomada de decisão”. Para ele, uma dúvida interessante sobre o comunicado da decisão vai ser a avaliação sobre o balanço de riscos da inflação futura que, até agora, vinha simétrico.

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“Recentemente, além das incertezas sobre as contas públicas, o presidente Lula trouxe pro debate o próprio arcabouço da política monetária quando citou as metas de inflação, que seriam baixas demais, o que desencadeou uma piora das expectativas dos economistas para a inflação dos próximos anos. Até o IPCA estimado para 2026 subiu no Boletim Focus do BC. Como nada é concreto e tudo ainda é muito ruidoso, talvez essa simetria de riscos possa sobreviver mais uma reunião. Mas certamente o desconforto do Copom aumentou nos últimos tempos”, comentou.

A XP Investimentos também avalia, em relatório assinado por Caio Megale e Tatiana Nogueira, que o Copom provavelmente vai estar mais preocupado com as perspectivas de inflação hoje do que estava em sua última reunião. “É provável que o Copom utilize a comunicação oficial para revelar preocupação com o recente aumento das expectativas de inflação de médio prazo (revelado pela Pesquisa Focus). Assim, esperamos algum ajuste para expressar esse desconforto”, afirmaram.

Sinais mistos

Sobre os dados divulgados desde a última reunião, a XP viu sinais mistos. Por um lado, os determinantes para a inflação de curto prazo foram positivos, com taxa de câmbio estável, mesmo com as incertezas fiscais domésticas. Enquanto isso, a inflação no atacado está em queda, conforme revela o índice IPA do Índice Geral de Preços (IGP). E a atividade econômica continua a dar sinais de desaceleração, inclusive no mercado de trabalho, listou o relatório.

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“Métricas convencionais de ociosidade sugerem que o hiato do produto está aberto. Por outro lado, as expectativas de inflação de médio prazo seguem em alta, refletindo o risco de políticas fiscais e parafiscais mais expansionistas à frente. E refletindo uma discussão informal de que o governo pode alterar a meta de inflação – atualmente em 3,25% para 2023 e 3,0% para 2024”, destacaram.

É nos riscos fiscais que a XP baseia sua projeção que o Copom manterá a taxa Selic nos atuais níveis contracionistas ao longo deste ano, de forma a compensar a tendência expansionista.

“Vemos uma tensão crescente entre o Banco Central e o Poder Executivo este ano. À medida que a atividade econômica perde fôlego e a dinâmica da dívida pública piora, a pressão sobre o BC para corte de juros tende a aumentar. Acreditamos que a discussão sobre o aumento da meta de inflação ganhará força ao longo do ano, o que só alimentaria a dinâmica inflacionária, a nosso ver, como mostra a experiência recente da Argentina”, comentaram.

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Fator China

Para Jaiana Cruz, sócia da AVG Capital e educadora financeira no EDUCA$, a piora nas expectativas de inflação, exposta no Boletim Focus, vai sem dúvida refletir no comunicado do Copom, que deve demonstrar séria preocupação com o desafio de manter a inflação dentro da meta. “Fora do setor doméstico, a preocupação está com a continuidade do ciclo de alta de juros nos EUA e também o aumento no preço dos combustíveis, impulsionado pela retomada da China”, afirmou.

Segundo a sócia da AVG, a postura fiscalmente expansionista por parte do governo que vem se desenhando para os próximos anos, eleva os riscos de aumento na inflação e devem adiar o ciclo de corte de juros. “Talvez as quedas comecem a aparecer somente a partir do segundo semestre”, estimou.

Andressa Durão, economista da ASA Investments, também analisa que o Copom deve demonstrar desconforto com a deterioração das expectativas de inflação, sinalizando, de alguma forma, que não pretende começar a cortar juros enquanto as expectativas, principalmente as mais longas, estiverem desancoradas.

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Ariane Benedito, economista da Esh Capital, afirmou que, mesmo com o IPCA ainda se favorecendo da desoneração dos impostos sobre combustíveis e a sinalização de bandeira verde pela Aneel, os fatores de risco para o horizonte relevante continuam desancorando as expectativas, “principalmente o risco de uma política fiscal mais expansionista por parte do atual governo.”

Além disso, ela destacou que um crescimento da atividade acima das expectativas nas economias globais causaria uma pressão inflacionaria nas comodities com possível contaminação por toda a cadeia econômica, forçando o repasse de preços para bens finais. “Assim, a manutenção da Selic em patamares atuais (13,75%) por mais tempo, torna responsável a atuação da autarquia, enquanto aguarda mais clareza na condução de políticas econômicas do governo, e os reais impactos no cenário inflacionário em 2024”, disse Ariane. Ela acredita que a taxa Selic deve fechar o ano em 11,75%, após o início dos cortes no segundo semestre de 2023.

Laura Moraes, economista da Neo Investimentos, afirmou que na reunião de hoje o Copom vai se depara com a materialização da PEC 32/2022 acompanhada de uma grande deterioração das expectativas para os próximos anos. “O Copom terá de lidar com agentes econômicos apreensivos com a ausência de um arcabouço fiscal crível, o que só aumenta incerteza sobre o futuro”, ponderou.

Para ela, a volta do debate em torno de aumentar a meta de inflação tem duas consequências praticamente automáticas: reavaliação de projeções considerando uma nova meta mais alta e percepção de pouco empenho em perseguir a meta. “Com expectativas, especialmente para prazos mais longos, desancoradas em relação a meta, o Banco Central certamente tem um desafio maior para reancorá-las”, comentou.

Sendo assim, a economista acredita que a primeira consequência disso é que o cenário de corte de juros fica mais distante. “A segunda consequência de expectativa de inflação mais longa fora da meta é uma taxa terminal mínima mais alta. Isto é, o orçamento de cortes diminuiu em relação a reuniões passadas”, disse.

“Por isso, esperamos que o Copom eleve o tom do comunicado reforçando seu compromisso com o combate à inflação e potencialmente apontando para uma assimetria no balanço de riscos.”

Essa opinião é compartilhada por Andrea Damico, sócia e economista chefe da Armor Capital. Ele afirma que os diretores do BC devem continuar a apontar os canais de transmissão do risco fiscal para a inflação e para a política monetária. ” O BC já tem feito esse papel quase reeducativo, de explicar como funcionam esses mecanismos”, comentou.

Andrea também vê possibilidade de os diretores  destacarem com mais força o discurso sobre a possibilidade de retomada do ciclo de alta de juros, se não no comunicado de hoje, talvez na ata da reunião;

Ela também crê que as projeções de inflação pelo BC devem ser elevadas, o que que ser um indícios dos próximos passos do Copom. Para Andrea, o balanço de riscos inflacionários para 2023 e 2024 está mais assimétrico em direção à alta.