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Em 2020, Vitor Barreiros recebeu a notícia que tinha conseguido uma sonhada vaga de estágio em uma das maiores empresas alemãs. Seu período como estagiário da Bosch estava marcado para começar em maio daquele ano. Até vir a pandemia de coronavírus.
Primeiro, os consulados da Alemanha no Brasil, parada obrigatória para emissão do seu visto de trabalho, reduziram os turnos de trabalho e pararam de aceitar novos pedidos de vistos não emergenciais. Depois, a Alemanha fechou as portas para viajantes vindos do Brasil, com pouquíssimas exceções. Brasileiros com contrato de trabalho no país europeu, mas que ainda residem no Brasil, não entram nelas.
Desde então, Vitor, que é estudante de engenharia mecânica, precisou trancar a faculdade na universidade federal onde estuda e se mudar de volta para a casa dos pais. “Eu tinha me demitido em janeiro do meu emprego achando que ia dar tudo certo, mas não deu”, conta.
A Alemanha é um dos países com as mais rigorosas restrições para entrada de viajantes vindos do Brasil. A proibição é completa e, entre as poucas exceções, estão cidadãos alemães e pessoas com residência na Alemanha, e seus cônjuges. Só que para ter residência, não basta um contrato de aluguel.
“É preciso apresentar o Anmeldung e Aufenthaltstitel, que são o registro e a permissão de residência”, explica a advogada Delaine Kühn, especialista em direito migratório e que atua em Hanover, na Alemanha. Ambos os documentos são feitos na Alemanha apenas.
A solução para brasileiros que precisam viajar para lá parece ser, na prática, não fazer parte do grupo que vem do Brasil. Ou seja, viajar para um terceiro país e fazer a famosa quarentena por lá, prática que ficou bem comum entre brasileiros viajando para os Estados Unidos durante a pandemia.
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Foi o que acabou fazendo Milton Neto quando, de malas prontas para embarcar no Rio de Janeiro em 4 de fevereiro desse ano, viu a Alemanha se fechar quase que totalmente para o Brasil. “O governo alemão impôs restrições devido ao descontrole da pandemia em nosso país, aí eu tive que entregar meu apartamento e fui eu e meu esposo para Minas Gerais, onde temos família, aguardar”, conta.
“Certo dia, criei coragem e mandei um email para a polícia de fronteira do aeroporto de Frankfurt”, diz o publicitário, que agora está em Berlim para fazer seu mestrado em Marketing Digital. A autoridade alemã disse que se ele fizesse quarentena em um terceiro país que não estivesse na lista de países com variante de coronavírus, poderia entrar na Alemanha com a carta de aceitação na universidade.
Em 18 de fevereiro, ele e o marido foram para o Chile, onde passaram dez dias em isolamento no hotel, e de onde partiram com documentos da universidade, registro de viagem no site oficial alemão, PCR negativo e passaporte para Berlim.
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Hoje, Milton já entrou com o pedido de visto de estudante com reunião familiar, que vai permitir que ele trabalhe até 20 horas por semana como estudante e o marido em período integral, como acompanhante. E não só: “já tomamos a primeira dose da vacina e a segunda será dia 14 de junho”, completa Milton, contente na nova casa.
Visto para estudo ou trabalho
Só que o caso de Milton e de outros brasileiros estudantes acaba sendo de muita sorte. Pela lei de imigração alemã, conforme explica a Advogada Kühn, brasileiros dão entrada no visto de estudo diretamente no país. Ou seja, não precisariam esperar a aprovação do visto que viria pelos consulados fechados (ou em atividade reduzida) no Brasil.
“Visto de trabalho a pessoa só consegue pegar através de uma missão consular da Alemanha no país de origem”, explica Kühn. Quem está com contrato de trabalho e aguardando o visto, como Vitor e tantos outros, não consegue recorrer, então, a essa possibilidade de quarentena.
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Não que não queiram tentar. Vitor deixou o passaporte no consulado alemão de São Paulo em dezembro e, em março, recebeu o retorno que o processo foi aprovado, mas que as autoridades consulares estavam “apenas aguardando que as restrições da entrada na Alemanha sejam suspensas” para emitir o documento. Após deixar o emprego em janeiro por conta da perspectiva na Bosch, Vitor cogitou fazer a quarentena.
Em maio, mandou um email para o consulado perguntado se haveria a possibilidade de receber o visto para que ele então entre na Alemanha através de um terceiro país — seguindo todos os protocolos de segurança.
A resposta foi direta: “só porque o México ainda permite que pessoas vindo do Brasil entrem no país — apesar de a maior parte dos países proibirem viajantes do Brasil — não significa que isso deveria ser feito”.
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O email do consulado ainda pede que Vitor leve em consideração que “estamos todos vivendo uma pandemia global” e que o visto necessário não será emitido neste momento. “Então, mesmo se você viajar para a Alemanha via México, você ainda não terá permissão de fazer seu estágio na Alemanha”, finaliza o e-mail ao qual a InfoMoney teve acesso.
Não é só quem precisa de visto de trabalho para estágio que está com essa dificuldade. Leandro F., que pediu para não ser identificado para não prejudicar oportunidades futuras de emprego, estava com tudo pronto para partir para a Alemanha com a esposa ao conseguir uma vaga de pós-doutorado em um dos mais renomados laboratórios do mundo.
“Eu e minha esposa nos preparamos para a viagem. Ela saiu do emprego que estava e eu neguei propostas de pós-doc aqui no Brasil por ter vaga certa na Alemanha. Ao chegar abril, nos vimos presos no Brasil ainda e sem visto”, conta.
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Desde então, os dois vivem com o dinheiro da reserva que fizeram enquanto não conseguem ir. “Meu chefe alemão foi muito solícito e aceitou prorrogar o início do meu contrato para quando eu puder ir, porém tenho medo de eles não aceitarem mais me esperar”, disse.
O chefe até sugeriu que ele fizesse a quarentena em outro país, mas sem a emissão do visto, não adianta. “Eu continuaria sem autorização para trabalhar”, explica. Do consulado que está com o seu passaporte até hoje, ele só escuta a resposta que o visto será emitido apenas quando a Alemanha autorizar.
“É doloroso perceber que muitos brasileiros não conseguem concretizar seus planos na Alemanha por enquanto, sendo fortemente afetados pela situação”, diz Patrick Hansen, cônsul para assuntos políticos do Consulado Geral da Alemanha em São Paulo. O consulado explica que a prioridade é impedir a propagação de variantes perigosas do vírus, citando a variante gamma, ou P1, que circula no Brasil.
Hansen reiterou que não é possível fazer prognósticos sobre relaxamento de medidas tomadas por conta da pandemia. “O desenvolvimento da situação é imprevisível”, disse o cônsul. Ele afirmou, porém, que ao contrário do que muitos brasileiros acreditam, não há passaportes “retidos” no consulado.
“Os solicitantes podem retirar seu passaporte após apresentar o pedido de visto no Consulado Geral. Isso deve ser feito com uma carta assinada, em que se solicita também a continuação do processo de visto. O passaporte pode então ser apresentado novamente em um momento posterior para que o visto seja emitido”, explicou.
Mesmo com o passaporte em mãos, sem o visto, não há trabalho. E, para alguns, esse é o último ano para poder trabalhar na Alemanha.
Para diversos jovens com visto de trabalho como au pair, uma espécie de intercâmbio remunerado no qual jovens de países diferentes cuidam de crianças de famílias de outro país, a situação pode ser ainda mais complexa. Isso porque para participar do programa e conseguir a oportunidade de passar até um ano trabalhando na Alemanha, há um limite de idade.
Apenas brasileiros de até 26 anos podem se candidatar a vagas de au pair na Alemanha. Mesmo quem não está perto dessa idade, sofre com famílias que desistem de contratos e buscam au pairs de países sem tantas limitações.
No caso de Marcelle Gripi, ela vai acabar ficando sozinha no Brasil. O plano era ir para a Alemanha como au pair. A mãe dela, casada com um alemão e, portanto, uma das pessoas que tem direito de entrada no país, já está com passagens compradas para julho. Marcelle saiu do estágio, se dedicou ao alemão para passar na prova obrigatória de língua e encontrou uma família disposta a contratá-la.
Com as restrições, e por já ser maior de idade, ficou sem ter como ir junto da mãe e da meia-irmã. “Além de perder meu contrato, eu não vou ter onde morar mais. Eu moro com a minha mãe. E eu não consegui emprego ainda, estou procurando, mas não consegui. O meu planejamento foi todo para ser au pair”, conta a jovem de 22 anos.
A situação, para muitos brasileiros, é de grande prejuízo. Vitor, que ainda segue em contato com o futuro chefe na Bosch, mas com cada vez menos esperança de conseguir realizar o sonho do estágio na Alemanha, desabafa: “ficar parado assim sem nada, é complicado. Eu não vejo perspectiva de a situação mudar e fico na dúvida se desisto e procuro um emprego no Brasil, mesmo”.
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