China tem escalada em conflito com Índia e volta das tensões com EUA: qual o impacto para o gigante asiático?

Analistas elaboram cenários de curto prazo e não veem tanto espaço para aumento da apreensão - mas monitoram riscos que seguem no radar

Lara Rizério

Estátua de Mao e bandeira da China 
 (Foto: Getty Images)
Estátua de Mao e bandeira da China (Foto: Getty Images)

Publicidade

SÃO PAULO – Ainda que com impacto limitado nas bolsas mundiais, levando a uma aversão maior ao risco entre os investidores na Ásia, a escalada de tensões entre China e Índia na região fronteiriça de Ladakh entrou no radar do mercado nesta semana, em um cenário que já é de volatilidade por conta da pandemia do coronavírus.

Na última segunda-feira (15), pelo menos 20 soldados indianos foram mortos em confrontos com a força chinesa no Vale de Galwan, no episódio mais grave na região desde 1975.

A China diz que soldados indianos atravessaram a fronteira sem autorização, enquanto Nova Delhi culpa o país vizinho pelo incidente.

Continua depois da publicidade

Nenhum tiro teria sido disparado. “Eles acertaram nossos garotos na cabeça com bastões de metal enrolados em arame farpado. Nossos garotos lutaram com as próprias mãos”, disse um militar da Índia à BBC. Segundo ele, havia 55 indianos contra 300 soldados chineses.

A fronteira entre os dois países na região é delimitada por uma precária “Linha de Controle Real” (LAC, na sigla em inglês), que sofre com problemas de demarcação em uma área de rios e montanhas inóspitas.

A LAC é situada na região da Caxemira, que é militarizada e um ponto de conflitos frequentes por causa de reivindicações territoriais entre Índia, Paquistão e China.

Continua depois da publicidade

O último tiroteio nessa área ocorreu em 1975, quando quatro indianos foram mortos, mas, desde então, houve diversos embates sem armas de fogo entre tropas dos dois lados.

O ápice da tensão acontece após várias semanas de problemas envolvendo tropas chinesas e indianas.

No início de maio, a imprensa indiana apontou que forças chinesas montaram tendas, fizeram trincheiras e transportaram equipamentos pesados ​​em uma região considerada pela Índia como seu território. Isso depois que a Índia construiu uma estrada com centenas de quilômetros para ligar uma base aérea reativada em 2008.

Continua depois da publicidade

A Índia e a China compartilham 3.440 quilômetros de fronteira, com diversas reivindicações de territórios. A China se recusa a reconhecer as fronteiras traçadas durante a era de colonização britânica, o que culminou em uma breve guerra em 1962, com derrota para os indianos.

Em meio ao cenário de conflito, uma questão que permeia o cenário de investimentos é sobre o potencial de uma escalada de tensões na região.

Os ministros das Relações Exteriores das duas potências nucleares, Wang Yi e Subrahmanyam Jaishankar, conversaram por telefone e reiteraram e necessidade de “acalmar as tensões”.

Continua depois da publicidade

Segundo o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Pequim, Zhao Lijian, a situação na área está “sob controle”, apontou que Pequim não quer mais conflitos na fronteira com a Índia e que os dois países estão tentando resolver a situação por meio de diálogo. Por outro lado, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, disse que tem “orgulho” dos soldados que faleceram na fronteira e que suas mortes “não serão em vão”.

De acordo com analistas consultados pela CNBC, a possibilidade de um conflito armado mais amplo entre a Índia e a China é improvável, mas o evento deve promover mudanças na relação entre os dois países.

Segundo Harsh V. Pant, chefe do programa de estudos estratégicos da Observer Research Foundation em Nova Délhi, o confronto foi inesperado, uma vez que os dois lados mantinham um diálogo sério sobre desmobilização das tropas no início do mês.

Continua depois da publicidade

Kelsey Broderick, analista de China da consultoria de risco político Eurasia, apontou em nota que o conflito de 15 de junho, apesar das fatalidades, não ter se transformado em um conflito maior, é um sinal positivo de que os superiores de ambos os lados não estão interessados ​​em provocar nenhum tipo de guerra.

Ela explicou ser provável que a Índia e a China retornem ao processo de desmobilização, mas que isso levará “significativamente mais tempo” com um risco maior de outra crise, já que os dois governos devem tomar atitudes mais duras contra o outro lado para darem uma resposta aos seus países, enquanto devem resistir aos pedidos por retaliação.

Contudo, se as conversações no nível militar e de ministérios das Relações Exteriores fracassarem, é provável que uma conversa entre os líderes Xi Jinping e Narendra Modi impeça uma nova escalada de conflitos.

Ainda assim, os analistas avaliam existir risco de que futuros confrontos nas fronteiras se transformem em confrontos armados maiores, principalmente se milhares de soldados continuarem se enfrentando ao longo da área fronteiriça em disputa.

Maiores desafios

Vale ressaltar ainda que os dois países enfrentam uma série de desafios internos – dentre eles, as consequências econômicas da pandemia de coronavírus.

A China está passando por um ressurgimento de contaminações de Covid-19, com mais de 100 novos casos foram registrados nos últimos dias, mesmo que em uma situação mais controlada que diversos outros países. As autoridades voltaram a aumentar as restrições para impedir a propagação do vírus em Pequim – além disso, o gigante asiático vê a sua relação com os EUA se deteriorar.

A Índia, por sua vez, é um dos países mais afetados do mundo com o coronavírus, com mais de 350 mil casos registrados, apesar de impor um bloqueio bastante restrito entre o final de março e o final de maio.

Neste cenário, segundo Miha Hribernik, da Verisk Maplecroft, afirmou em nota que há pouco espaço para uma guerra. No entanto, avalia, nem Modi nem Xi podem se dar ao luxo de recuar completamente em uma disputa de soberania extremamente complexa e duradoura. “Dessa forma, esperamos que as tensões ao longo das áreas fronteiriças disputadas continuem fervilhando durante o resto do ano, com nenhum dos lados disposto a recuar completamente, mas com pouco entusiasmo para novas escaladas”.

Com isso, a expectativa é de deterioração nos laços bilaterais entre Índia e China. Conforme destaca a CNBC, já existe um crescente sentimento anti-China na Índia, como pedidos para boicotar produtos chineses cada vez maiores. Nova Delhi também introduziu medidas restritivas aos investimentos estrangeiros diretos chineses.

Assim, Jonathan Ward, fundador da empresa de consultoria estratégica Atlas Organization, destacou que a China está perdendo seu relacionamento com dois dos países mais importantes do mundo – Índia e EUA.

Harsh Pant, da Observer Research Foundation, disse que o número relativamente alto de mortes no conflito relatado (pelo menos 20) deve mudar a dinâmica do relacionamento Índia-China por um longo período de tempo, principalmente na frente econômica.

Ele explicou que, embora a China seja o maior parceiro comercial da Índia e os investimentos chineses sejam significativos no setor de tecnologia indiano, é provável que Nova Delhi mude sua abordagem. Com isso, a Índia provavelmente fortalecerá seus laços com os EUA e outros países da região, incluindo Japão, Austrália e Vietnã.

China: perdendo terreno?

Desta forma, o conflito, ainda que não escale para uma guerra entre dois países, deve atingir a relação econômica entre as duas nações, em um cenário em que a China está buscando se consolidar como potência e ter um maior papel no xadrez geopolítico global – mas enfrentando ainda questões regionais bastante delicadas.

Sobre as relações entre EUA e China, em relatório, o Departamento de Pesquisas Econômicas do Bradesco apontou uma piora acentuada nos últimos anos em diversas frentes. Ela ocorre especialmente nas questões relacionadas ao comércio, mas também há temas ligados à tecnologia, ao fluxo de capitais, ao ambiente de negócios e a direitos de propriedade intelectual.

“De meados de 2018 até o início deste ano, assistimos a diversas rodadas de negociação, que implicaram uma elevação de tarifas dos dois lados e que culminaram com um acordo assinado em janeiro deste ano. O amplo acordo previa, entre vários entendimentos, o aumento das compras chinesas de produtos norte americanos. Desde então, eventos extraordinários alteraram o cenário global, com implicações sobre os mercados financeiros, mas também sobre o ambiente de negócios de muitas empresas no mundo todo”, afirma a equipe de análise econômica do banco.

Neste cenário, havia quem defendesse que a pandemia poderia unir os países na busca de uma solução
conjunta. Mas o que se viu foi o contrário através de disputa por vacinas, acirramento de acusações e fechamento das economias, com possível internalização da produção à frente e elevação de barreiras a aquisições de empresas locais por outras estrangeiras.

Do lado americano, os economistas apontam que não se pode desvincular a análise dos resultados do Covid, que levaram o país ao maior número de mortes até agora, da proximidade da eleição – que deve ser bastante disputada entre Donald Trump e Joe Biden. O Bradesco prevê que a economia chinesa deverá crescer 1,5% em 2020 e os EUA chegarão a uma queda de 6%. Ao mesmo tempo, há incentivos políticos para continuar adotando medidas contrárias à China, para que a tensão siga presente.

Já para a China, muitos analistas entendem que o presidente Xi Jinping teria saído fortalecido da pandemia, por ter conseguido controlar o vírus rapidamente, evitando mortes, ainda que a economia tenha sido sacrificada. Por outro lado, o país tem enfrentado diversas pressões globais, em especial as ameaças veementes dos EUA como as ações de retirar empresas chinesas da bolsa americana.

“Por ora, contudo, os incentivos também são baixos para romper o acordo comercial. Isso poderia levar a retaliações para além do comércio por parte dos EUA, o que a China quer evitar. Além disso, a estabilidade das exportações é importante para o reestabelecimento da economia chinesa”, avaliam.

Na avaliação dos economistas, contudo, se o pragmatismo econômico e político deve prevalecer, isso não significa que ele será cumprido na integralidade: ações pontuais e relacionadas a outros temas possam ser adotadas, com espaço para retaliação.

Com isso, apontam, parece baixa a probabilidade de que a melhora dos mercados que ganhou força nas últimas semanas possa ser abortada exclusivamente por essas tensões. O potencial é de ele traga volatilidade e impacte segmentos específicos.

“Apenas em um cenário de expressivo agravamento, que poderia levar a ações militares, haveria prejuízos à retomada que começa a ganhar corpo”, afirmam. Eles reforçam, contudo, que isso não significa dizer que as relações entre EUA e China chegarão a um entendimento.

Pelo contrário, os economistas acreditam que essas tensões possam ser algo mais permanente no ambiente geopolítico e, diferentemente de outros momentos da história, parecem baixos os incentivos para que a grande maioria dos países se alinhe a um lado. “Os interesses econômicos e geopolíticos ainda pendem para os dois lados ou eventualmente para nenhum deles. Esse, em uma forma bem simplificada de ver, é também um elemento importante de contenção dessas tensões em escala global”, concluem. Porém, questões regionais, como a observada recentemente com a Índia, pode levar alguns importantes players globais a se posicionarem no xadrez geopolítico global.

(Com informações da Ansa Brasil e agências internacionais)

Inscreva-se no minicurso de Day Trade gratuito que ensina a operar menos de 30 minutos por dia

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.