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A derrubada pela Força Aérea dos Estados Unidos de um balão ou um dirigível não tripulado de origem chinesa e desgarrado de sua rota natural é responsável pelo mais novo atrito geopolítico entre as duas superpotências, uma relação que tem sido apelidada nos últimos anos de “nova Guerra Fria”.
Ainda existe a preocupação de não queimar pontes devido a um fator econômico crucial: em 2022, o comércio bilateral EUA-China totalizou cerca de US$ 690 bilhões a maior relação comercial do mundo.
E embora a narrativa da perda de empregos americanos para os chineses seja uma tônica a cada campanha eleitoral, um estudo de 2017 do US-China Business Council mostrou que as exportações dos EUA para a China geraram naquele ano quase 2 milhões de empregos localmente.
É inegável que a retórica agressiva entre os países elevou a temperatura desde o início do mês. Uma prova foi o cancelamento da viagem que o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, faria a Pequim neste mês.
Balão “espião”?
O Departamento de Defesa dos EUA confirmou à imprensa local no último dia 2 que estava rastreando um balão de vigilância de alta altitude lançado pela República Popular da China e que ele estava naquele momento sobre a parte continental do país.
Após afirmar que já havia alertado a China sobre a seriedade com que estava tratando a questão, os EUA decidiram dois dias depois abater o balão, que foi derrubado por um míssil disparado por um caça F-22.
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Outros três objetos foram avistados e abatidos dias depois do episódio do balão chinês, mas ainda tiveram sua origem confirmada.
A partir daí, as relações diplomáticas entre os países voltaram a estágios não vistos desde os comentários do ex-presidente Donald Trump na fase mais grave da pandemia de covid-19, quando o líder americano se referia ao coronavírus como “o vírus chinês”.
Medidas americanas
A administração de Joe Biden colocou seis empresas e entidades tecnológicas em uma lista de restrições: Beijing Nanjiang Aerospace Technology, China Electronics Technology Group Corporation 48th Research Institute, Dongguan Lingkong Remote Sensing Technology, Eagles Men Aviation Science and Technology Group, Guangzhou Tian-Hai-Xiang Aviation Technology e Shanxi Eagles Men Aviation Science and Technology Group. Segundo o governo dos EUA todas elas possuem algum grau de envolvimento com as Forças Armadas chinesas.
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Estar nessa lista significa grande dificuldade para as empresas-alvo de obter autorizações para exportar tecnologia dos EUA, aliás uma medida que Biden tem tomado com frequência desde que assumiu o cargo.
Além do cancelamento da viagem de Blinken, que havia sido confirmada pelo presidente americano diretamente com Xi Jinping na reunião do G-20 em Bali, na Indonésia, em novembro, Biden aproveitou para espetar os chineses em seu discurso do Estado da União no último dia 7. “Como deixamos claro na semana passada, se a China ameaçar nossa soberania, agiremos para proteger nosso país. E nós fizemos”, em meio a comentários sobre a competição econômica e tecnológica entre os dois países.
O Departamento de Defesa também se sentiu confortável para mostrar como se mantém atento à “ameaça” chinesa. No dia 9, Ely Ratner, secretário assistente de defesa para Assuntos de Segurança da região do Indo-Pacífico, disse à imprensa americana que a equipe do Departamento trabalha constantemente para garantir que a competição estratégica com a China não se transforme em conflito.
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Ele destacou os esforços da China derrubar a infraestrutura de regras que mantiveram a paz na região de sua atuação desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Segundo ele, a China tem combinado seu poderio econômico, diplomático, militar e tecnológico enquanto busca uma esfera de influência no Indo-Pacífico, com o objetivo de “se tornar a potência mais influente do mundo”.
No mesmo dia, a Câmara dos Representantes norte-americana, de maioria republicana, aprovou uma resolução condenando a utilização de um balão de vigilância pela China para sobrevoar o território norte-americano, classificando a situação como uma “violação descarada da soberania dos Estados Unidos”.
Já o secretário da Marinha dos EUA, Carlos Del Toro, disse em encontro com a imprensa no dia 21 que via com preocupação o avanço da China de eleva seu poderio bélico nos oceanos. Segundo ele, os chineses devem elevar sua frota para mais 400 navios. Hoje, ele já superam os americanos, com 340 embarcações militares contra cerca de 300.
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Segundo o secretário, isso pode violar a soberania marítima e o bem-estar econômico de outras nações, incluindo os aliados americanos no Mar da China Meridional e em outros locais.
Reação chinesa
A China não deixou de responder à altura as acusações americanas. Depois de classificar tanto a derrubada do balão quanto as reações dos EUA como exageradas, passou a usar a tática da contrainformação.
Na quarta-feira (15), Wang Wenbin, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, afirmou que seu país tomará contramedidas de acordo com a lei contra entidades relevantes dos EUA que minaram a soberania e a segurança da China em resposta às sanções dos EUA contra empresas e instituições chinesas.
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Além de reafirmar que a entrada do um dirigível civil chinês não tripulado no espaço aéreo dos EUA foi um evento “totalmente não intencional, inesperado e isolado causado por força maior”, Wang Wenbin afirmou que balões americanos também voaram sobre o espaço aéreo chinês sem permissão mais de 10 vezes desde maio. Alguns deles teriam sobrevoado as regiões de Xinjiang e o Tibete. Os EUA negaram.
Um relatório da empresa chinesa de tecnologia MizarVision informou que os militares dos EUA conduziram “operações de reconhecimento próximo” sobre o Mar da China Meridional mais de 600 vezes usando aviões espiões, segundo reportagem do tabloide Global Times, ligado ao Partido Comunista da China.
Segundo a reportagem, operações de reconhecimento semelhantes também ocorreram no Mar da China Oriental, inclusive durante o mês de agosto, quando o Exército chinês fez exercícios em larga escala ao redor da ilha de Taiwan.
Além disso, após representantes diplomáticos dos EUA, Japão e a Coreia do Sul terem se reunido em Washington para discutir as crescentes tensões com Pequim após a “saga do balão”, o Ministérios das Relações Exteriores chinês pediu que os países vizinhos parassem de seguir a orientação americana do caso e adotassem “uma posição objetiva e imparcial”.
No dia 16, alegando como motivo o fornecimento de armas para Taiwan, o governo chinês adicionou a Lockheed Martin Corporation e a Raytheon Missiles and Defense à sua lista de sanções econômicas, o que compromete tanto atividades de importação e exportação das empresas com a China como novos investimentos no país.
As posições dos dois países no conflito entre Rússia e Ucrânia também são antagônicas. Os EUA têm demonstrado apoio e oferecido ajuda financeira e militar para os ucranianos, enquanto a China apoia os russos, sem envolvimento direto explícito.
Nesta semana, após Joe Biden fazer uma visita ao presidente Volodymyr Zelensky em Kiev, a China despachou para o Kremlin seu principal diplomata, China, Wang Yi, para uma conversa com Vladimir Putin. Uma visita oficial de Xi Jinping também está sendo negociada.
Competição sem conflito
O momento de tensão coincide com o início da segunda metade do mandato de Joe Biden à frente da Casa Branca, administração que manteve alguma das visões sobre a China que foram muito claras na gestão de Donald Trump, mas que alterou outras diretrizes.
Segundo análise da Asia Society, a retórica tanto da estratégia de segurança nacional (NSS) como da defesa nacional (NDS) das duas administrações possuem similaridades, quando destacam o desafio de segurança nacional representado pela República Popular da China. (RPC).
Mas há claros contrastes na linguagem usada em relação ao governo anterior. Para a gestão Biden, os Estados Unidos não podem ter sucesso sozinhos e construir um consenso com aliados e parceiros é essencial. “O governo Biden tentou encontrar um equilíbrio entre os elementos “confrontar/competir” da estratégia dos EUA na China e o lado “cooperativo”, afirma a análise.
Para a Asia Society, embora ambos os governos deixem claro que a competição com a China é uma prioridade, o governo Biden deixa em aberto a possibilidade de cooperação em certos domínios, como mudanças climáticas e saúde.
“É importante ressaltar que as estratégias do governo Biden buscam amenizar as preocupações em Pequim e no mundo sobre as intenções dos EUA em relação ao conflito com a China, algo que está ausente dos documentos do governo Trump”, compara.
Um símbolo desse estado de ânimo se deu no ano passado, quando os EUA anunciaram um “boicote diplomático” aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim. Na prática, atletas americanos não estavam proibidos de competir – como aconteceu na Olimpíada de Verão de 1980, em Moscou -, mas nenhuma autoridade da Casa Branca compareceu. Como motivo, foram citados “genocídio e crimes contra a humanidade em curso” pelo governo chinês.
Taiwan
Uma questão que tem estado na mesa há anos, mas que recentemente ganhou mais importância é a pretensão da China de anexar Taiwan em algum momento no futuro. O país é governado independentemente da China desde 1949, mas Pequim vê a ilha como parte de seu território e já prometeu “unificar” Taiwan com o continente, usando a força se necessário.
Os Estados Unidos têm se mantido apoiando a independência de Taiwan e essa posição tem apoio bipartidários no Congresso americano. Em 2022, a então presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, visitou a ilha e aumentou as tensões entre os países.
Em setembro, os legisladores do Comitê de Relações Exteriores do Senado elaboraram um legislação de apoio a Taiwan que previa, entre outras medidas, até US$ 2 bilhões em empréstimos para a aquisição de armas.