Brasil tem inflação de 1º mundo e contas de “adolescente rebelde”, diz Gustavo Franco

Em entrevista exclusiva ao podcast Stock Pickers, ex-presidente do BC revela os bastidores do Plano Real e projeta o Brasil dos próximos 30 anos

Augusto Diniz Mariana Segala

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O fim da hiperinflação a partir da criação do Plano Real, em 1994, trouxe estabilidade econômica e preparou os alicerces para o crescimento do país nas últimas três décadas. Mas, a despeito da inflação em níveis de primeiro mundo, os juros não seguiram o mesmo caminho nesse período.

Para Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos, isso aconteceu porque as “finanças públicas continuaram sendo um adolescente rebelde querendo gastar mais do que pode”.

A política fiscal, segundo Franco, ainda é o maior desafio, porque envolve aspectos políticos e sociais. “O fiscal consolida no âmbito do orçamento todos os sonhos do país e, ao mesmo tempo, suas restrições”, diz, lembrando que grandes ambições se traduzem em uma vontade “absurda” de gastar dinheiro. “Essa equação não foi resolvida no Plano Real, mas trazida para uma situação administrável”.

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Do lado da execução da política monetária, Franco avalia com “bem-sucedida” a ideia de descasar os mandatos de diretores do Banco Central com o mandato do presidente da República, mas enxerga que ainda há avanços para além dos conquistados nas primeiras três décadas do real.

Gustavo Franco, em entrevista ao podcast Stock Pickers (Foto: Mariana Shimojo)

Tendo sido presidente do presidente Banco Central entre 1997 a 1999, Franco compara as disputas entre autoridades do governo e o Banco Central às dificuldades enfrentadas pelas agências reguladoras, que tiveram autonomia por meio de lei.

“Há uma certa incompreensão do que é uma agência reguladora, que não é como qualquer outro cargo do executivo. O presidente do Banco Central não é para ser amigo do presidente da República”, afirma.

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Franco, um dos integrantes da equipe econômica que colocou o Plano Real de pé, foi entrevistado no podcast Stock Pickers, em um episódio especial que faz parte da série “30 anos do Plano Real: Passado, presente e futuro da moeda que mudou o país”. Até o dia 1º de julho, o InfoMoney publicará reportagens, entrevistas, vídeos e artigos sobre a trajetória da moeda brasileira de sua criação aos dias de hoje.

Inflação de 50% ao mês, 12.500% ao ano

Franco era secretário adjunto da Secretaria de Política Econômica no Ministério da Fazenda quando o Plano Real nasceu, com uma missão nada simples. “Em junho de 1994, último mês do cruzeiro real, a moeda anterior ao real, a inflação foi a 50%, o que dá 12.500% ao ano”, lembrou o economista.

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Na época, a vida cotidiana era marcada por longas filas nos supermercados nos primeiros dias do mês, quando os trabalhadores recebiam o salário, e corridas recorrentes aos bancos para depositar o que sobrasse no famoso “overnight”, aplicação corrigida pela inflação.

(Imagem: Leonardo Albertino)

“Há zilhões de histórias da pessoa recebendo dinheiro de manhã e correndo para o banco. Era porque o dinheiro derretia 1,5% ou 2% ao dia”, lembra. “Era uma questão de sobrevivência, de preservar o dinheiro na conta, para não perder parte dele a cada hora que passava”.

Tamanho problema demandou soluções mais criativas do que tinham sido as iniciativas anteriores malsucedidas de controlar a escalada de preços e a desvalorização da moeda. Franco conta que foi preciso resgatar as experiências clássicas da Europa com a hiperinflação pós Primeira e Segunda Guerras, além de uma porção de outras na África, na Europa Central e até na América Latina.

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“Como a nossa [hiperinflação] foi muito longa, ela incluiu elementos de toda parte. Nossa experiência foi muito rica, incluindo a dos planos que falharam. O real foi a quinta reforma monetária”, explica.

Dos 50% de junho de 1994, a inflação caiu para 6,7% em julho, primeiro mês de vigência da nova moeda – ou cerca de 120% ao ano. “Nos primeiros 12 meses da nova moeda, o acumulado do IPCA foi de 33%. Aos olhos de hoje, 33% ao ano é muita coisa, quase inaceitável, mas para aquele tempo já era espetacular”, recorda. Em 1998, quando Franco já era presidente do Banco Central, o IPCA foi de apenas 1,6% no ano.

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Congelamento de preços: “Total falta de entendimento do problema”

Franco lembra que a equipe econômica envolvida no Plano Real teve que resistir à pressão de adotar o congelamento de preços, uma prática comum do período de hiperinflação. Havia, na época, uma cultura política de manter os preços a qualquer custo, o que, para o economista, “demonstrava a total falta de entendimento do problema”.

No lugar da saída já conhecida de planos anteriores malsucedidos, a opção foi adotar uma via alternativa, envolvendo três frentes: um ajuste fiscal, a criação da URV (Unidade Real de Valor) – um indexador que fez as vezes de moeda “virtual” na transição para o real – e, finalmente, a troca da moeda.

“Foi incrivelmente melhor do que a gente imaginava. Em 15 dias, já dava para ver que todo mundo tinha entendido” a URV, afirma. Por isso, o sistema em que coexistiram a moeda oficial (o cruzeiro real) e a URV foi mantido por apenas quatro meses antes da mudança para o real – menos tempo do que se calculava.

“Casa da Moeda precisou fazer o que nunca tinha feito”

Nem só de decisões econômicas se fez o Plano Real. Para colocar a nova moeda em circulação em julho de 1994, Franco lembra de um empecilho de ordem prática: a fabricação de cédulas pela Casa da Moeda. “A Casa da Moeda precisou fazer o que nunca tinha feito, que era uma família inteira de cédulas”, de uma vez, conta.

Houve ainda a necessidade de intensa articulação política. Franco lembra da última reunião antes da edição da medida provisória do Plano Real, com a presença do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, do presidente Itamar Franco, e de outros membros do governo.

“Sempre que me perguntam qual foi o pior dia, lembro dessa reunião”

— Gustavo Franco

Nesse longo encontro, FHC pediu demissão em três momentos diferentes por discussões relacionadas à conversão e ao aumento real do salário mínimo, além do congelamento de preços. Segundo o economista, as propostas recusadas por FHC era um “videotape” do Plano Cruzado, adotado no governo do presidente José Sarney.

Textos de Franco, Pedro Malan e Edmar Bacha – também integrantes da equipe econômica que criou o Plano Real – sobre o contexto histórico e as decisões tomadas para manter a estabilidade econômica foram compilados no livro 30 anos do Real, publicado no mês passado pela editora Intrínseca.

* Esta publicação faz parte da série 30 anos do Plano Real: Passado, presente e futuro da moeda que mudou o país, especial do InfoMoney com reportagens, entrevistas, vídeos e artigos sobre a trajetória da moeda brasileira de sua criação aos dias de hoje.