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Em seu primeiro dia de trabalho em 2021, o presidente Jair Bolsonaro contradisse o mantra do ministro Paulo Guedes, ao afirmar que o Brasil está “quebrado”. Para um grupo de simpatizantes, ele declarou nesta terça-feira, 5, que, por causa da situação da economia, não “consegue fazer nada” e citou como exemplo as mudanças prometidas ainda durante a campanha eleitoral na tabela do Imposto de Renda.
“O Brasil está quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada. Eu queria mexer na tabela do Imposto de Renda, tá, teve esse vírus, potencializado pela mídia que nós temos, essa mídia sem caráter”, afirmou Bolsonaro a um apoiador na saída do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência.
A fala do presidente vai de encontro às declarações recentes do ministro da Economia, de que a atividade econômica do país está numa trajetória de recuperação em “V”, ou seja, com a retomada na mesma velocidade da queda causada pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus. Oficialmente, a equipe econômica espera que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 3,2% este ano, depois de um tombo previsto de 4,5% em 2020.
Tanto Guedes quanto o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendem a vacinação em massa da população como essencial para que a economia, de fato, se recupere em 2021.
No último ano, o governo precisou se endividar mais para bancar o aumento das despesas para combater a covid-19. A combinação da maior necessidade de financiamento com a aversão ao risco dos investidores, turbinada pela desconfiança em relação à continuidade do processo de ajuste fiscal no Brasil, levou o Tesouro a concentrar boa parte das emissões em títulos de prazo mais curto.
Como mostrou o Estadão, o Tesouro começa 2021 com uma fatura trilionária a ser paga aos investidores. A dívida que vence este ano já somava R$ 1,31 trilhão no fim de novembro de 2020, valor que deve crescer com a incorporação de mais juros. O desafio chega num ano decisivo para ditar os rumos das reformas consideradas essenciais para o equilíbrio fiscal do país – e, consequentemente, para a capacidade de pagar toda essa dívida no futuro.
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O volume de vencimentos em 2021 equivale a 28,8% do estoque de toda a dívida pública interna e já representa quase o dobro da média de resgates nos últimos três anos. Mesmo assim, a equipe econômica sempre diz estar bastante “tranquila” em relação ao refinanciamento da dívida.
Pelo cenário traçado pelo Ministério da Economia, o Brasil deve acumular 13 anos de rombos sucessivos nas contas públicas. Com despesas maiores que receitas desde 2014, o país deve manter essa tendência até 2026. As contas públicas só devem voltar ao azul em 2027.
Procurado para comentar as declarações de Bolsonaro, o ministério não quis se pronunciar. Economistas de fora do governo criticaram a atitude do presidente.
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Tabela
A ampliação da isenção do IR foi uma das promessas de campanha de Bolsonaro que nunca saíram do papel. Em 2019, o presidente chegou a retomar o assunto algumas vezes, ao afirmar que a ampliação estava sendo estudada pelo governo.
Atualmente, quem ganha até R$ 1.903,98 mil por mês está isento de declarar o IR. A partir desse valor, os descontos são de 7,5%, 15%, 22,5% ou 27,5% sobre o valor dos rendimentos. A última alíquota é aplicada para quem ganha acima de R$ 4.664,68. A última atualização na tabela foi feita em 2015.
Bolsonaro já chegou a dizer que gostaria de aumentar a isenção da tabela do IR para quem ganha até cinco salários mínimos (hoje, R$ 5,5 mil) até o final de seu mandato. A ideia, contudo, já enfrentava resistência da equipe econômica ainda em 2019, quando as contas do governo não estavam afetadas pela crise do novo coronavírus.
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A isenção até R$ 5 mil também tinha sido prometida pelo candidato da oposição nas eleições, Fernando Haddad, do PT.
Sem espaço fiscal, a correção acabou não sendo feita. Mas o ministro Paulo Guedes, para conseguir o apoio do presidente a uma proposta de criação de imposto semelhante à antiga CPMF, acabou incluindo a atualização da tabela numa proposta mais ampla, que também não foi enviada ao Congresso. Uma parte do dinheiro da CPMF seria usada para bancar o aumento da faixa de isenção para quem recebe até R$ 3 mil por mês.
Ontem, também em resposta a um apoiador, o presidente disse que o coronavírus foi “potencializado” pela mídia. Segundo dados do Ministério da Saúde divulgados ontem, o Brasil registrou 1.171 novas mortes nas últimas 24 horas em decorrência da covid-19. Com isso, chega a 197.732 o número total de óbitos pela doença no País.
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Pontos de vista
“País não pode abrir mão de R$ 1 de receita”
Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro
“O Brasil não está quebrado. O presidente quis dizer talvez que, apesar da carga tributária elevada aqui, mesmo cumprindo com o teto dos gastos, ainda teremos este ano e nos próximos déficit primário e crescimento da dívida pública.
Assim, não há espaço para o governo abrir mão de arrecadação porque ainda teremos de reduzir o mais rápido possível o desequilíbrio fiscal ao longo dos próximos anos para consolidar o cenário de inflação na meta, juros baixos e recuperação da economia.
A situação é a seguinte: hoje, o Brasil não pode abrir mão de R$ 1 de receita e ainda tem de se esforçar para recuperar neste e nos próximos anos a receita que perdeu com a crise da covid-19 na queda do PIB e na arrecadação.”
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“Vamos viver em compasso de espera”
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados
“Iniciando a metade final de seu mandato, o presidente indica que não conseguirá fazer mais nada de relevante. Ao sugerir mãos atadas por um país quebrado, esquece que poderia fazer uma reforma administrativa que envolvesse o funcionalismo da ativa e ir além na PEC emergencial, discutindo gastos tributários como a Zona Franca de Manaus. Ou que pudesse entrar em acordo sobre as reformas tributárias no Congresso, mais profundas do que a apresentada pelo Ministério da Economia.
Mas não. O presidente posterga e acumula os problemas para 2023, início de um novo governo. Serão dois anos que, pelo jeito, veremos o Executivo bater cabeça como ficou o governo Temer depois da delação da JBS. Vamos, novamente, viver em compasso de espera.”
“Fala isso quem não conhece a economia”
Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central
“O Brasil não está quebrado. O Brasil quebrou várias vezes no passado por falta de dólares. E quebrou em cruzados novos pela hiperinflação deixada pelo ex-ministro Maílson da Nóbrega com sua política de feijão com arroz.
Hoje, o Brasil é credor líquido em dólares, tem a taxa de juros mais baixa da história, saiu em ‘V’ da recessão e a renda média aumentou no ano passado. Fala que o País está quebrado somente quem não conhece economia.
Mas presidente é presidente. Bolsonaro falou isso para ninguém pedir ajuda. Ele quis barrar pedidos de verbas ao governo. Quando prometeu ampliar a faixa de isenção do IR era outra época. Hoje, mudou tudo. É outro mundo. O presidente tem de falar não e não.”
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