Até onde os juros podem cair? Os economistas respondem o que vai estar em jogo

Analistas veem probabilidade de Selic entre 9% e 10% ao ano em 2024, mas alertam para riscos que podem afetar a velocidade

Roberto de Lira

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Até onde pode cair a taxa de juros básica da economia brasileira? Essa é uma pergunta que tem sido feita desde a noite da quarta-feira (2), quando o Banco Central iniciou seu ciclo de flexibilização da política monetária, cortando os juros em 0,50 ponto percentual, para 13,25% ao ano.

Os economistas argumentam que o BC estará dependente dos dados até o ano que vem, mas em geral apontam uma chance de uma taxa nominal entre 9% e 10% até o final de 2024, com alguns riscos de corte maior a serem observados. Isso embute um corte total de ao menos 4 p.p.

O primeiro ajuste que bancos, corretoras e casas de investimentos fizeram foi referente à taxa final de 2023. O analistas que projetavam um início de cortes mais parcimonioso (de 25 pontos-base) reduziram suas estimativas de 12% (a mesma divulgada no Boletim Focus) para 11,75%.

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Sobre a velocidade dos cortes a partir de agora, os economistas argumentam que o BC optou por usar uma linguagem mais “hawkish” (dura) no comunicado de ontem, endereçando reduções de 0,50 p.p. nas reuniões seguintes, para controlar as expectativas em torno da curva de juros futuros, que poderia precificar um ritmo mais acelerado.

José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, por exemplo, comentou em uma live na noite de quarta-feira que o risco do início de cortes mais arrojado era que a sociedade acreditasse que a taxa de inflação poderia vir mais alta do que o esperado antes, ou seja, as expectativas tenderiam a aumentar novamente.

“A contratação de 0,50 p.p. nas próximas reuniões, na minha avaliação, é uma tentativa de segurar os analistas e os investidores e evitar que comecem a colocar na curva quedas muito mais pronunciadas de taxas de juros do que o BC gostaria, de 0,75 p.p. ou até de 1,0 p.p”, afirmou.

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Sobre o ponto final desse ciclo de flexibilização, Camargo lembrou que isso vai depender de vários fatores, como por exemplo a trajetória da política monetária nos EUA. “Quanto maior for a taxa de juros lá, maior vai ser o ponto final da taxa no Brasil”, afirmou.

Ele também afirmou que será preciso ponderar sobre a taxa de juros neutra (a que não gera nem pressão altista e nem baixista na inflação), que a Genial calcula em 4,8%. Pra 2024, somando a inflação na meta, de 3%, chegaria a uma taxa de 8%. Com outros cálculos de prêmio de riscos e diferencial de juros, o cálculo fica entre 8% e 10%.

“Mas se o BC americano tiver que aumentar a taxa para 6% ou 6,5% (hoje está em 5,5%), é difícil manter uma taxa de juros no Brasil de 8,5% ou 9,0%. Não vamos conseguir chegar lá. Estamos vendo um limite entre 9% e 10%, um nível que acreditamos no momento que é compatível com a estabilidade preços”, estimou.

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Outra questão a ser considerada para essa análise do orçamento final de juros tanto para o final de 2023 como para 2024 é a execução do arcabouço fiscal, embora o BC tenha ontem retirado o risco fiscal de sua comunicação.

“Como vai funcionar? O governo vai conseguir gerar o superávit primário necessário para reduzir o crescimento da relação dívida/PIB? Caso não consiga, vai exigir uma taxa de juros mais alta. Precisa ter aumento de arrecadação para financiar os aumentos de gastos para gerar equilíbrio fiscal no ano que vem. Vai conseguir? Não sabemos. Precisa aumentar as receitas tributárias em 2,5% do PIB. Não é pouco coisa. Isso vai afetar a política monetária”, comentou Camargo.

Copom mais “dovish” em 2024

Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, observou um outro risco em sua análise sobre as decisões futuras: os diretores Fernanda Guardado e Maurício Costa de Moura, que votaram por um corte mais conservador, de 0,25 p.p. só tem mandato até o final deste ano, o que pressupõe um Copom mais “dovish” (mais disposto a cortar juros) já no início do ano que vem. “Os membros mais ‘dovish’ são mais reativos às taxas de inflação divulgadas mês a mês”, comentou.

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Ela destacou ainda que o Copom sinalizou em sua comunicação ontem que, se o cenário vier como o esperado, sem surpresas, todos os membros do colegiado votariam por um novo corte de 50 bps na reunião de setembro. “Na minha visão, os membros que votaram por 50 bps nessa reunião de agosto estariam mais propensos em acelerar para 75.p.p. em reuniões futuras, caso a surpresa da inflação subjacente mês a mês vier um pouco abaixo das expectativas”, opinou.

Ele fez a ressalva, no entanto que o mercado espera que a inflação apresente uma reaceleração, devido ao efeito base da desoneração que estava acumulada até o mês de julho.

Sobre o orçamento total do ciclo, a economista da AZ Quest destacou que o BC estará “data dependent” para definir sobre a magnitude dos cortes. Assim, devem ser observados pontos cruciais como a dinâmica de inflação e da atividade, as expectativas mais longas de inflação, o hiato do produto e o balanço de riscos.

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“Nossas expectativas seguem em 9% para 2024, com viés levemente altista na margem, pela dúvida da reancoragem das expectativas. Porém a composição (do Comitê) a partir de 2024, com um comitê muito mais ‘dovish’ gera dúvidas sobre taxas nominais mais baixas”, comentou.

Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, disse num debate transmitido ao vivo após a decisão do Copom que vê espaço para cortes totais entre 3 e 4 pontos percentuais até o ano que vem, que até poderiam ser distribuídos entre ajustes de 0,50 p.p. e 0,75 p.p., mas o BC já antecipou que o passo que ele entende adequado é de 50 pontos-base.

O economista lembrou que o risco da decisão mais arrojada era de as expectativas do mercado futuro quererem antecipar muito rapidamente os cortes. Com o comunicado que endereço a velocidade adequada, explicou, a tentativa que o BC faz foi de “segurar a onda” e mostrar que fará um corte mais seguro e permanente. “Essa sinalização de gradualismo esteve presente no comunicado e esse é o plano de voo que o Copom tem pela frente”, afirmou.

A XP mantém assim sua projeção de corte de 50 pontos-base em cada uma das 3 últimas reuniões de 2023, com a taxa Selic chegando a 11,75% (revisados) no final do ano.

Sobre a taxa final do ciclo Megale estimou que ela ficará em torno de 10% em 2024, que ele considera um momento de “pit stop” para avaliar as futuras ações. “Aí, vai mediar as condições da economia. Por um lado, tem riscos fiscais ainda importantes que podem pressionar as expectativas de inflação mais adiante, e a execução do arcabouço fiscal vai ser relevante nesse sentido. Por outro lado, o ambiente global está muito favorável, tem investimentos entrando no Brasil. A taxa de câmbio se valorizou e tem potencial para se valorizar ainda mais”, afirmou.

BC com pressa?

O economista André Perfeito manteve sua projeção anterior de a taxa básica fechar o ano em 11,75%, na perspectiva que as próximas três reuniões do ano terão cortes em igual magnitude (0,50 p.p.) da decisão de ontem.

“Faço uma revisão da taxa terminal do ciclo que antes era de 10% para 10,75% uma vez que a autoridade monetária deixou claro que pretende ainda deixar a taxa básica no campo contracionista para assegurar a convergência das expectativas”, comentou.

Ele também acredita que o comunicado do Copom que antecipou a velocidade de cortes de 0,50 p.p. foi feito para garantir a ancoragem dos juros mais longos. “Havia, e ainda há, risco real dos juros mais longos subirem num misto de desconfiança com o andar de reformas e da dinâmica inflacionária, além do fato óbvio que os gestores estarem ansiosos para realizarem os lucros da queda dos juros longos este ano”, opinou.

Perfeito afirmou que o Copom parece querer acabar com o ciclo já no início do ano que vem. Entre os motivos para essa argumentação  estão a queda do desemprego, pois em algum momento os salários reais vão voltar a subir, e a expectativa de que o real reduza sua apreciação ante o dólar à medida em que o diferencial de juros diminuir.

Para completar, ele citou entre os fatores a realização de eleições municipais no ano que vem, que levariam a uma postura de “compasso de espera”, e a falta de definição pela Petrobras sobre como irá diminuir a defasagem existente dos preços domésticos e os internacionais.

“Esses motivos já são suficientes para articular o ‘tiro curto’ da política monetária. E é bom que seja assim. De pouco adianta em termos macroeconômicos cortar o juro curto e disparar o juro longo, este sim mais relevante para o mercado e a economia”.

Ele também disse que os cortes continuados da Selic em direção aos 10% projetados devem ser observados à luz de uma eventual recessão nos EUA e seus efeitos na economia e na inflação globais, e os efeitos difusos da deflação do IGP-M na inflação doméstica.

Para o economista-chefe da Nomad, Danilo Igliori, o BC destacou que a magnitude total do ciclo de queda dos juros não está definida e que dependerá do que virá pela frente. “De todo modo, estamos apenas no início do ciclo, o que deverá reprecificar ativos e estimular novas formas de diversificação. Não só entre classes de ativos, mas também entre geografias. Alternativas de renda fixa nos EUA vão ganhar cada vez mais espaço nesse novo contexto”, disse.

Já Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena, também alterou seu ‘call’ de Selic no final de 2023 de 12% para 11,75%, para incluir a mudança do ajuste inicial, de 25 bps. “Seguimos projetando uma taxa de 9,50% no final do ciclo de relaxamento monetário. Com relação aos impactos da decisão e do comunicado sobre a curva de juros, esperamos um movimento de ‘steepening’ (alargamento da curva) com recuo moderado das taxas de curto prazo.”

O BNP Paribas afirmou ver o BC acelerando o ritmo dos cortes de juros para 75 pontos-base por reunião em 2024, com a taxa Selic no final do ano em 8,5%, de uma projeção de 10,0% antes. “Um BC mais dovish e que assume riscos pode testar a convergência da inflação e das expectativas de inflação”, alertou, também citando as substituições de Fernanda Guardado e Mauricio Moura.

“Taxa mais baixa vem com um custo. Cortes de juros mais agressivos em 2024 se traduzirão em expectativas de inflação mais altas no médio prazo, exigindo alguma reação de política, em nossa opinião. Prevemos uma recuperação nas taxas em 2025, com uma inflação mais alta. Esperamos que o BC retome o ciclo de aperto quando a inflação não atingir a meta.”