Arcabouço acerta em vincular gastos com evolução da receita, mas analistas questionam projeção de superávit

Foram elogiados a adoção de bandas para as metas e limites para o crescimento das despesas, mas há dúvidas sobre execução do plano

Roberto de Lira

Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda
Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

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As linhas gerais do novo arcabouço fiscal, anunciadas hoje por Fernando Haddad, foram classificadas como entre razoáveis e boas, mas as projeções de superávit mostradas pelo ministro da Fazenda foram consideradas otimistas e até exageradas porque não levam em consideração a difícil conjuntura interna e externa. A opinião é de economistas e analistas de mercado consultados pelo InfoMoney.

Alguns pontos mereceram elogios por parte dos especialistas. Um é a é vinculação do aumento da despesas ao crescimento da receita, numa proporção menor, limitada a 70%. Também foi citada a proposta de adoção de bandas, que trazem uma flexibilização que a regra do teto de gastos não tem. Por fim, foi elogiada a intenção do governo de passar a mensagem que é possível conciliar a responsabilidade fiscal com a preocupação social.

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, afirma que, de forma geral, o novo arcabouço pode ser considerado razoável. “Pelo menos, a partir de agora podemos ter um horizonte mais claro sobre o que aguardar da política econômica. A nebulosidade e a ansiedade que havia diminui marginalmente, o que pode reforçar nosso cenário de que cortes das taxas de juros podem ocorrer a partir do segundo semestre”, prevê.

Sobre os detalhes mostrados por Haddad, Sung destacou as regras claras e os mecanismos de correção. “A regra será mais flexível que o teto de gastos original, com foco na limitação da taxa de crescimento da despesa primária, a estipulação de bandas para o compromisso de resultado primário, além de mecanismos de correção”, afirmou.

No entanto, disse estar cético com relação ao cumprimento das metas para o resultado primário (de 0% em 2024, superávit de 0,5% em 2025 e de 1% em 2026).

“Esse será um grande desafio para o governo. E, ao olhar a simulação da trajetória da dívida pública em relação ao PIB, notamos que no cenário 1, a trajetória da dívida estabiliza em 2026. E, somente, no cenário em que há cortes de juros, é visto uma queda na trajetória. Um arcabouço fiscal robusto não poderia depender dessa variável.

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Sung ainda afirma que durante a entrevista coletiva, Haddad, ressaltou o plano para melhorar a arrecadação do governo nos próximos anos. “Porém, o grande problema do país está do lado da qualidade das despesas, algo que não foi muito tratado na entrevista”, alertou.

O economista da Suno disse que ainda é cedo para afirmar como o novo arcabouço deve afetar a política monetário pelo Banco Central no curto prazo. “Nas próximas semanas, teremos mais clareza sobre a questão de expectativas de inflação, que tem subido nas últimas semanas, e tem pressionado o cenário da autoridade monetária”, disse.

Felipe Moura, sócio e analista da Finacap Investimentos, elogiou as características anticíclicas da nova regra apresentada, mas alertou que, por enquanto, não existem mais, só um “big Picture”. Ele sugere esperar estudos mais aprofundados e ver se o próprio Ministério da Fazenda irá trazer mais detalhes.

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“No primeiro momento, a reação é boa. Projeta uma zeragem de déficit até 2025 e superávit em 2026. Então, acho que agora é aguardar um estudo mais profundo do arcabouço. É positivo na margem, porque finalmente conhecemos a bússola de gastos do governo para os próximos quatro anos. É importante também, agora, observamos qual será a reação do Banco Central”, disse.

Mas Luiz Eduardo Portella, sócio gestor da Novus Capital, disse ainda ter dúvidas a respeito da execução da nova política fiscal. “É uma regra que a conta só fecha com mais arrecadação e acaba indexando mais a despesa, porque ela nunca pode cair”, alertou, que também vê como difícil a trajetória de superavit esperada pelo governo.

Alexandre Manoel, economista-chefe na AZ Quest, classificou o anúncio como melhor que o esperado. “Contém limite de despesas, gatilho para correção de rumo e incentivo para aumentar a arrecadação. Três fatores fundamentais para recuperarmos o superávit primário que torne nossa dívida sustentável”, comentou Manoel, que foi secretário dos ministérios da Economia e da Fazenda entre 2018 e 2020.

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Para ele, colocar um despesa global é fundamenta. Sem esse limite de despesas, disse, o Orçamento era sempre fictício, pois o Congresso superestimava receitas e depois o Executivo corrigia, por meio dos contingenciamentos. Isso gera um orçamento paralelo, que incentivava contabilidade criativa e terminou redundando até no impeachment da presidente Dilma Rousseff.

“A nossa reação a isso foi um teto, aplicado corretamente, mas que se mostrou não adequado à economia política. Só funcionou quando o PIB cresceu abaixo do PIB potencial e não havia receita líquida para o teto, que ocorreu nos anos de 2017 a 2019”, recordou.

“Nesse sentido, uma regra com um limite de despesa é um avanço institucional importante para nossa sociedade, pois significa que aprendemos com os erros e é natural que, para ser factível, seja menos rígida que o limite do teto imposto em 2016”, comparou.

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Carta de intenções

Outro analista que se mostrou mais cético foi Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset. Para ele, o novo arcabouço fiscal, por enquanto, é uma carta de intenções. “Rodamos alguns números com as regras e nas nossas contas eles não alcançam o superávit no ano que vem. Então, teria que haver algum outro ajuste”, sugeriu.

Kautz alega que, para que a dívida se estabilize, como projeta o governo, é preciso ter um corte de juros ao longo dos próximos anos, o que não parece estar no horizonte. “Há algumas pontas soltas no anúncio, que precisam ficar claras, para que as contas sejam críveis”, disse, destacando ainda que existe toda uma tramitação no Congresso, que pode alterar as medidas.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, também disse que a apresentação do ministro foi um tanto pobre em detalhes de execução. “Tem boas intenções, mas muito foco em gasto, gasto e gasto. A melhora só sai do papel se a economia avançar e como descartaram uma elevação de impostos, a melhora na relação vai depender muito de o Brasil manter um ritmo de crescimento”, criticou.

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Para ele, o novo plano traz mais peso sobre como a economia mundial vai se sair. Do lado doméstico, ele destacou que é difícil o arcabouço servir como estímulo ao crescimento. “Ele faz um colchão virtual de liquidez em anos de crescimento, bom para transformar em contracíclico um ano ruim. Se forem três anos bons, serão três anos de aumento de despesas fixas. E se forem três anos ruins, como equaliza a despesa?”, questionou.

Acilio Marinello, Coordenador do MBA Executivo em Digital Finance da Trevisan Escola de Negócios, elogiou o fato de a proposta do arcabouço fiscal considerar também a questão social do País. “Traz o componente de ter uma política fiscal responsável, mas que também contemple a questão social, em termos muito claros e gerenciáveis. Traz a bandeira do governo de atuar no social, mas que isso não vai ser um ofensor para a gestão das contas públicas”, disse.

No entanto, Marinello também viu otimismo exagerado na previsão de superávits primários. “O que o governo apresentou hoje é o que a gente chama de ‘caminho feliz’. Se tudo der certo, de fato em 2026o Brasil vai alcançar um superávit numa tendência positiva. No entanto, os desafios são enormes para alcançar isso. E o caminho não feliz é infelizmente o mais provável”, comentou.

Ele lembrou que existem hoje diversas pressões externas, que vão trazer impacto na inflação do Brasil. E que há desafios internos para gerir os preços controlados, para melhorar a realidade econômica para que o País retome um crescimento sustentável.

“A redução da taxa básica de juros é um elemento fundamental. Entre a proposta do governo e a realidade de transformar isso em resultados, tem um hiato e uma distância grande. E o governo tem que trabalhar muito, não somente na questão política”, analisou.

Fiscal e social

Matheus Pizzani, economista da CM Capital, também identificou o interesse do governo em conciliar a responsabilidade fiscal com sua preocupação social, que deve ser entendida não só como gastos com programas sociais, mas também com a retomada dos investimentos públicos como motor de crescimento econômico.

“O ministro Fernando Haddad buscou distanciar-se do teto de gastos e aproximar a discussão sobre o novo arcabouço fiscal à estrutura da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), enaltecendo seus pontos positivos, especialmente no que diz respeito à estipulação de metas fiscais, e ressaltando que a abordagem atual focará em manter o compromisso fiscal, porém, abarcando também as necessidades sociais do país”, explicou.

Ele elogiou a estipulação de metas para o superávit primário, que fornece maior previsibilidade especialmente para os agentes financeiros e ajuda na ancoragem das expectativas especialmente de médio e longo prazo.

Outro ponto positivo citado foi a introdução de bandas, “uma vez que mostra o objetivo de estender à política fiscal uma estrutura sofisticada à semelhança do que o país possui hoje no campo monetário”.

Outra questão relevante do novo acabou, segundo Pizzani, é o gatilho para aumentar investimento público, que só será ativado se o país conseguir superar o nível da banda superior da meta de superávit. Para ele, isso concilia o interesse do governo em retomar o papel do setor público na economia não só como provedor de serviços essenciais, mas também como fomentador do crescimento e dinamizador do mercado interno.

“Em suma, o arcabouço fiscal mostrou que busca corrigir distorções de padrões já adotados anteriormente, especialmente no que diz respeito à possibilidade de inserção do Estado na economia, sem abdicar do compromisso em restabelecer a saúde fiscal do País, o que é ainda mais importante se levado em conta que foi pensada para cumprir tal objetivo tanto no médio quanto no longo prazo.”