Analistas veem sinais animadores no IPCA, mas alertam para preços ligados à demanda ainda elevados

Velocidade menor da queda dos preços dos serviços e dos núcleos da inflação ainda deve exigir cautela pelo Banco Central

Roberto de Lira

Taxas de juros em movimentos opostos (Shutterstock)
Taxas de juros em movimentos opostos (Shutterstock)

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O IPCA de março trouxe mensagens positivas sobre o comportamento recente da inflação sob vários aspectos, na avaliação de analistas de mercado e economistas, com destaques para a desaceleração do índice cheio, o recuo da médias dos núcleos e o índice de difusão mais baixo em relação a fevereiro. Mas os especialistas alertam que o detalhamento dos preços ligados à demanda permanecem em patamar elevado, o que não permite uma mudança de rumo na política monetária pelo Banco Central, pelo menos no curto prazo.

A inflação oficial do País desacelerou para 0,71% em março, após subir 0,84% em fevereiro, acumulando alta de 4,65% em 12 meses, segundo o IBGE. O dado veio melhor que consenso Refinitiv, que apontava para alta mensal de 0,77% e anual de 4,70%.

Laíz Carvalho, economista para Brasil do BNP Paribas, destaca em sua análise que o indicador surpreendeu em relação às projeções, mas seguiu uma linha já vista em janeiro e fevereiro, que mostra uma desaceleração dos preços, mas um pouco mais lenta em serviços e nas medidas de núcleos.

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No mês, ela afirma que as principais contribuições para o dado abaixo das projeções vieram dos preços de higiene pessoal e dos transportes, não só da gasolina, como também de serviços relacionados a veículos.

A economista chama atenção para as diferentes velocidades de queda no IPCA. Enquanto o índice cheio anualizado recuou de 5,8% no final do ano passado para 4,65% na leitura de março, os núcleos estão mais resistentes: fecharam 2022 acima de 9% e só agora ficaram abaixo de 8%.

“A gente continua acreditando que a inflação vai ser um pouco mais alta este ano, na casa de 6,5%, caindo para 5% no ano que vem. E essa inflação ainda tem se mostrado persistente nas medidas de núcleo e de serviços, principalmente os subjacentes”, comenta.

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Por conta disso, Laíz diz não acreditar que o BC vai ter muito espaço para baixar juros, nem nas próximas reuniões, nem em todo o ano de 2023. “Continuamos acreditando que o BC vai ficar nesses 13,75% ao longo de 2023 todo, baixando a taxa de juros só no ano que vem”, prevê.

É uma leitura similar à de Danilo Passos, economista da WHG. Ele ressalta que os itens que surpreenderam para baixo no IPCA de março – como alimentação no domicílio e energia elétrica – não são diretamente ligados à demanda e nem tão sensíveis à política monetária, caso dos industriais e serviços. Esses últimos, afirma, vieram mais em linha com o que estava sendo projetado para o mês.

“Apesar dessa surpresa no itens mais voláteis, dá para falar que qualidade da abertura do IPCA foi bastante favorável e mostra vários pontos de desaceleração de inflação”, pondera.

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Passos diz que é possível observar os efeito de um cenário de normalização da oferta, das cadeias de suprimentos no mundo, e alguma desaceleração nos preços de commodities. “Os IGPs estão registrando índices mais baixos e isso costuma também a ter um repasse na inflação para o consumidor”, explica.

Mas ele também alerta que o patamar da inflação ligada à demanda é ainda alta, com núcleo de inflação rodando perto de 6% anualizado – para uma meta de 3% perseguida pelo BC.

“O número de hoje trouxe detalhes favoráveis, é consistente com o cenário de que a inflação desacelera ao longo do tempo, mas ainda em cima de um patamar muito alto de inflação e numa velocidade um pouco mais lenta, gradual e não-linear”, comenta.

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Para ele, esse é um ponto de atenção que o BC precisa ter. “Fica difícil comemorar muito os números de agora, apesar de estarem mostrando leituras um pouco mais favoráveis do que no final do ano passado e início deste ano.”

Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, tem um diagnóstico similar. Em sua visão em março se comprovou uma desinflação importante do IPCA, com uma composição significante vinda de preços administrados e de alimentação.

Mas há pontos de atenção. “Quando olhamos os índice mais relacionados ao núcleo e, portanto mais sensíveis à atividade econômica, chama a atenção que eles seguem em patamar alto, alguns até com leve aceleração na margem. Portanto, os números exigem cautela do BC”, afirma.

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Para o Banco Original, o IPCA de março confirma a dinâmica esperada para a inflação no ano, que deverá ter “dois atos”, na observação dos economistas Marco Caruso e Igor Cadilhac:  arrefecendo até o 1º semestre, mas voltando a subir no segundo 2º semestre. A projeção do banco é de uma alta de 6,1% em 2023.

No mês, a análise do Original é que o grupo de Transportes teve o maior impacto sobre o resultado, como esperado, em virtude da reoneração parcial dos tributos federais sobre os combustíveis. “Com alta de 2,11%, o grupo foi responsável por 60,7% da inflação observada no mês”, comentam os economistas.

Também foi citado na análise a variação de preços de Saúde e cuidados pessoais e de Habitação, com altas de 0,82% e 0,57%, respectivamente. Outro destaque ficou por conta de Alimentação e bebidas. O grupo possui o maior peso e avançou somente 0,05%.

“Esse valor é ainda mais significante considerando que a alimentação no domicílio, a mais essencial, teve deflação. Esse movimento de arrefecimento parece ser um ajuste gradual das cadeias produtivas globais desde o 2º semestre de 2022, em um cenário de melhores safras agropecuárias e de recuperação da incidência da pandemia e da guerra entre Rússia-Ucrânia sobre os produtos agropecuários”.

2° semestre desafiador

Celso Pereira, diretor de investimentos da Nomad, também faz a ressalva que, apesar da queda no acumulado do ano até aqui, a inflação tende a sofrer alguma pressão no segundo semestre. “É importante destacar que nos meses de julho, agosto e setembro do ano passado tivemos uma deflação, algo que não deve voltar a acontecer neste ano”, alerta.

Por conta disso, as previsões de inflação para 2023 ainda devem ficar longe da meta de 3,25% perseguida pelo Banco Central, afirma. Ou seja, sem previsões de quedas fortes de juros, dado o patamar de expectativa de aumento de preços ainda alto.

“Outro ponto importante a se considerar, que justifica a manutenção da taxa Selic alta no curto prazo, é o mercado de trabalho. Em fevereiro, foram criados aproximadamente 241 mil novos postos de trabalho, superando as expectativas do consenso de mercado, que esperava uma criação de 161 mil postos. Um mercado de trabalho em crescimento como o atual dificulta o controle da inflação”, complementa.

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, também considera que os bons números de março devem ser lidos com cautela. “Importante ressaltar que, oito dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados tiveram alta no mês”, afirma.

Ele reconhece que os dados mensais são positivos – os preços de serviços, por exemplo, caíram em relação a fevereiro, para 7,63% ante a 7,84% em termos anuais -mesma dinâmica observada nos serviços subjacentes. Mas afirma que são níveis elevados e que vão seguir no radar do Banco Central.

Ele também cita que a média dos núcleos arrefeceu na passagem de fevereiro para março e que o índice de difusão, que mostra o porcentual de itens com que aumentaram de preços no mês, caiu de 65,2% para 59,9%.

Na ponderação entre sinais positivos e pontos de alerta, Sung acredita que a autoridade monetária já poderá começar a discutir um afrouxamento da política monetária. “Nossa expectativa é de que o primeiro corte seja em agosto deste ano”, estima.

No entanto, ele lembra que a dinâmica da inflação interna não é o único ponto observado pelo BC. A autoridade monetária analisa o cenário internacional, as expectativas de inflação, o mercado de crédito e a atividade econômica, entre outros fatores. “Vale lembrar, que podemos ter uma discussão de mudanças na meta de inflação, o que pode gerar ruídos no cenário”, destaca.

Para o economista-chefe da Suno, a decisão sobre os juros será feita de reunião a reunião, a fim de não se tomar qualquer decisão precipitada. “A autoridade monetária só dará início ao processo de cortes na taxa de juros quando tiver certeza de que a inflação está em trajetória estável e em direção à meta, as expectativas ancoradas e sem grandes choques que o façam mudar a rota no meio do caminho.”

Dado animador

Para a XP Investimentos, não só a manchete do IPCA mostrou uma surpresa positiva, mas também o detalhamento do indicador foi animador.

Entre esses detalhes, a média dos núcleos de inflação ficou em 0,36% na comparação mensal, abaixo da projeção de 0,44%. A taxa anualizada da média móvel de 3 meses ajustada sazonalmente “esfriou” para 5,96%, dos 6,45% anteriores.

A XP cita ainda em sua análise a serviços subjacentes, mais sensíveis à política econômica, que avançou 0,35% em março, ligeiramente abaixo da projeção de 0,38%. E a média móvel trimestral permaneceu praticamente estável, em 4,98%.

“O IPCA de março trouxe uma mensagem positiva generalizada, apesar de não mudar nossa visão de que o BC iniciará o ciclo de flexibilização monetária no terceiro trimestre de 2023. Reconhecemos que os núcleos e indicadores de serviços apresentaram bons resultados recentes, mas ainda estão bem acima da meta de inflação”, comenta a XP.

A XP Investimentos mantém as projeções de 6,2% para o IPCA de 2023 e de 5,0% para o IPCA de 2024. “Essas projeções partem da hipótese de que a meta de inflação para 2024 será elevada para 4,5% e que o BC buscará a convergência para a meta até 2025”, diz a análise

André Fernandes, head de renda variável e sócio da A7 Capital, é outro analista a enxergar a leitura do IPCA de março como positiva, no geral. “Isso pode provocar um discurso mais leve na próxima reunião do Copom. Apesar do consenso do mercado ser de manutenção na taxa Selic, o discurso com os novos dados do IPCA deve aliviar as tensões com o governo”, comenta.

Para os próximos meses, Fernandes desataca que deve ser observado como a reoneração dos combustíveis deve impactar o índice. “Além disso, para o fim do semestre, devemos ver um aumento na variação anual, pois vai pegar os meses de 2022 que tiveram a maior variação no índice, portanto o Copom pode vir a soltar um comunicado mais leve na próxima reunião, mas deve continuar adotando ainda uma postura mais conservadora em relação aos juros.”

Ele não descarta um corte de juros já na reunião de junho, caso o IPCA até lá surpreenda positivamente.

Para Leonardo Costa, economista da ASA Investments, o IPCA deve ter taxas mensais mais baixas nos próximos meses, ao redor de 0,50%. “A média de núcleos deve ter taxas pouco mais baixas, considerando bens industrializados e serviços com taxas mensais mais próximas da média sazonal dos últimos anos”, afirma.

Contudo, Costa ainda vê a média móvel trimestral dos núcleos ainda operando no intervalo de cima da meta de inflação, o que indica não haver espaço pra corte de juros.

Para o Goldman Sachs, a moderação da inflação em março a partir de fevereiro foi impulsionada pelo impacto menos do aumento sazonal de fevereiro nas mensalidades escolares, mas também por impressões mensais mais baixas em alimentos consumidos em casa, habitação, utensílios domésticos, despesas com cuidados pessoais e comunicações. I

“Isso foi parcialmente compensado por impressões mais altas em preços administrados (gasolina e eletricidade), alimentação fora de casa, roupas e itens de higiene pessoal. No geral, a inflação de março foi pressionada principalmente pelos preços e tarifas regulamentados”, comenta o banco em relatório assinado por Alberto Ramos.

“No entanto, a dinâmica da inflação subjacente ainda é desafiadora e as pressões inflacionárias são generalizadas em um cenário de mercado de trabalho ainda apertado e a expectativa de deterioração do mix de políticas macro e micro, incluindo uma considerável expansão fiscal e parafiscal em 2023 e nos próximos anos”, pondera.

O banco de investimentos destaca que as expectativas de inflação para o período de 2023 a 2026 cresceram, impulsionadas não apenas pela antecipação de uma postura fiscal e de crédito mais branda, mas também por sinais do governo de disposição de acomodar a inflação em um nível mais alto.

“No geral, a inflação pode se mostrar inercial dada a intensificação dos mecanismos de fixação de preços e salários voltados para trás, com a redefinição de contratos salariais incorporando ajustes de custo de vida”, comenta.

Para o BTG Pactual, o cenário de inflação segue desafiador, apesar da melhora na composição qualitativa do indicador em março. “As discussões em relação ao novo arcabouço fiscal e efetivamente sobre a meta de inflação também tornam o ambiente mais complexo em relação às expectativas de inflação para horizontes mais longos.”